Pascal andava à cavalo perto do castelo. Haviam sido convidados pelo conde para a caça, mas ficava rapidamente entediado com o latido dos cães e os tiros contra as lebres. O sol se pondo perto do rio parecia muito mais promissor.
Mas ele se distraiu e o sol já estava vermelho e baixo demais quando percebeu que tinha de voltar.
Na penumbra, tentava lembrar o caminho. Logo notou que estava perdido e a lua já brilhava no céu.
Viu uma casa com fumaça saindo da chaminé e resolveu bater para perguntar o caminho.
Quando a porta se abriu, ele por pouco não deu um grito. O homem parecia muito consigo mesmo. Apenas tinha o cabelo mais loiro. Seria um parente distante? Perguntou pela estrada, o homem sorriu e disse que era comum os viajantes se perderem ali. .
- O senhor não é o matemático Pascal?
Ele teve de dizer que sim.
- Eu tenho lido sobre seu trabalho. Mas gostaria de lhe dar uma opinião, se não se importar. Sente-se, tome comigo um copo de vinho e depois eu mesmo o levo até a entrada do castelo.
O cientista não teve escolha e sentou-se ao lado da fogueira. Logo estava sentindo-se confortável numa poltrona fofa e com vinho nas veias. O outro trouxe uma caixa de metal de cima de um móvel.
- Eu criei uma máquina para calcular.
- Uma máquina?
- Sim. Ajuda nos cálculos mais avançados. Queria fazer as quatro operações, mas ainda não consegui construir. Quero que o senhor a leve e a mostre na corte. No futuro, os seres mecânicos podem vir a trabalhar pelos homens, e espero que isso prove o quanto somos diferentes deles.
- Uma máquina de calcular... É um autômato? Acho que desenhei algo assim quando era criança. Ouvi falar que os gregos tinham algo parecido.
- Com algumas engrenagens se consegue fazer a adição e subtração.
- Como funciona?
- São dois conjuntos de discos: um com introdução dos dados, outro que armazena os resultados.
Eles ficaram examinando o aparelho. O estranho disse:
- O senhor sabe, acho que nossa ciência caminha para o abismo. Tudo é razão e especulação. Mas o que significa a existência? Um homem que alucina, não vê como real o que ele acredita ser real? O ser é ser percebido.
- O senhor se refere à filosofia do senhor Descartes? - disse o cientista.
- Sim. Ele bem queria um mundo em que tudo fosse máquinas, inclusive o homem. Ele acha que os princípios são claros e distintos, mas na realidade são uma aposta, são confusos e obscuros. Ele criou uma seita de racionalistas. Não considera as limitações, a impossibilidade de percepção total.
Sentiu alguém observá-lo pelas costas.
Ao virar-se, viu a si próprio como cadáver azulado, com um verme caminhando pelo rosto.
Pascal sentiu-se tonto, sua visão escureceu e percebeu que ia desmaiar.
Quando acordou, estava ao lado de seu cavalo e a casa havia desaparecido.
Pouco depois, abandonou tudo e decidiu viver recluso no mosteiro de Port-Royal no qual tentou-se reviver a vida dos monges do deserto.
Afonso Lima
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