Ele escreve.
A cena de Fausto em que Mefistóteles está numa montanha cercado de morcegos dera muito trabalho. O gerente do teatro chega a sonhar com aquilo.
Lorde Kevin chegou à pouco em Londres e decide ir ao teatro.
Ele tinha gostado bastante do Macbeth do Lyceum Theatre.
Conversara rapidamente com o irlandês que o administrava. Um homem interessante. Contara do sonho.
Um mês depois, resolveu distrair-se em Yorkshire e caminhava pelas ruínas da Igreja de Santa Maria.
Toda aquela situação com a histeria da contaminação e o Zola o haviam abatido. Ele o encontrara em um pequeno hotel em Londres, tendo fugido enquanto a multidão no tribunal gritava: "Traidor! Volta para os judeus!"
Encontra o homem do teatro caminhando entre os túmulos. Faz anotações.
Pergunta se não tem medo, se gosta de histórias sobrenaturais.
Comenta com ele sobre a história de Lord Byron, sobre o soldado morto na Turquia a quem é prometido o retorno à vida. Evidentemente, ele não sabe nada sobre o lorde, mas seu rosto expressa um estranhamento inquisidor.
Passam a se encontrar todos os dias.
Ele anota um nome de um jovem marinheiro, morto aos vinte anos.
O irlandês diz que sempre o impressionou a história do poeta Dante Rossetti. Ele havia enterrado a jovem esposa com o manuscrito dos poemas dedicados à ela. Os amigos o convencem a abrir o túmulo para publicar o manuscrito. A glória do autor veio daí. Dizem que, abrir o caixão, um ano depois, a moça parecia deslumbrante como se estivesse ainda viva.
O lorde lhe conta sobre um servo que também morreu muito cedo.
- Eu o encontrei com quinze anos, nas sujas ruas do subúrbio. Era belo. Eu vi uma prostituta beijando seu pescoço. Provavelmente, estava doente de sífilis. Eu gritei: "Saia! Esse homem pertence a mim". A mulher fugiu como se tivesse visto um fantasma. De fato, eu a teria matado se não fugisse. Eu me apeguei ao rapaz, ele viveu praticamente preso no seu castelo, temia que outros o vissem. Ele se apaixonou por uma criada. Por sorte, a moça adoeceu e pediu demissão, desaparecendo.
O homem olha nos olhos de Lorde Kevin e tem um estremecimento.
Tomaram chá com a mulher do gerente e sua filha mais tarde. Sua esposa era belíssima, mas fria, fora cortejada por Oscar Wilde. Conversavam sobre as viagens do lorde. Ela perguntou-lhe:
- É verdade, senhor, que na França, os radicais começam a exigir o controle do exército pelo governo republicano?
- Sim, o caso todo os está marcando como reacionários. Eu mesmo vi um clérigo na rua distribuindo panfletos nos quais se lia: "Sua mãe e sua irmã têm em você uma barreira. Você é a defesa da nação contra a infâmia da invasão estrangeira!" Mas... É o mesmo em todo o lugar. Na Rússia, na Alemanha, na França, aqui, todos querem a energia da expansão e louvam a guerra como força purificadora.
O gerente do teatro sonha.
Está sendo beijado por uma mulher.
- Saia! Esse homem pertence a mim.
Afonso Lima
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