M. L.
Seu conto "O fatalista" é para mim uma pedra magna na caixa de tesouros desse rico povo. Nessa história, lê-se: "Discutia-se a respeito da crença muçulmana de que o destino do homem está inscrito nos céus".
Eu havia debatido isso mesmo com ele num inverno terrível no Cáucaso. O lugar das batalhas. Creio que eu mesmo nunca derramaria tanto sangue como o que foi derramado no extermínio das tribos circassianas.
Montanhas, rebanhos, um sabre marcado na pedra em algum túmulo, essa era a paisagem. Seu amigo revolucionário acabara de ser batido num duelo suspeito.
O jovem oficial, que fervia de ideias, ouviu-me contar sobre Polidoro, "o que traz muitos dons", filho mais novo de Príamo, que o rei mandara levar para longe do campo de batalha, enviando-o com grande número de riquezas para o seu tio, Polinestor, "o que arquiteta muitos planos". O tio, depois da queda de Tróia, resolveu matá-lo para roubar o tesouro de Príamo.
Mas os deuses tiveram pena dele e, estando o cruel soberano na beira do mar, viu retornar a seus pés o corpo já apodrecido. Quando aproximou-se, seus olhos se abriram e o cadáver lhe disse: "Sua sorte está escrita". O rei caiu morto ali mesmo. Os gregos tinham na predestinação o pilar da vida, sempre trágica, talvez porque a sorte de um aristocrata era perecer na guerra. Mas, que sei eu do coração dos homens? Talvez sonhem com a morte.
Mas os deuses tiveram pena dele e, estando o cruel soberano na beira do mar, viu retornar a seus pés o corpo já apodrecido. Quando aproximou-se, seus olhos se abriram e o cadáver lhe disse: "Sua sorte está escrita". O rei caiu morto ali mesmo. Os gregos tinham na predestinação o pilar da vida, sempre trágica, talvez porque a sorte de um aristocrata era perecer na guerra. Mas, que sei eu do coração dos homens? Talvez sonhem com a morte.
O meu amigo poeta era um corajoso crítico do czar, de Hegel e de Byron, tudo que sua geração amava. Já viu longe, os demônios além da bruma do sentimentalismo. Seu tempo era morto, um feto que nunca via a luz, apenas eu iria morrer pra ver seu futuro.
Seu personagem, o misterioso tenente alto e de olhos negros, ouve uma premonição sinistra do narrador e logo depois é morto numa rua escura. Mas o próprio M. L., que escapara de um duelo com um francês, viria a perecer logo depois talvez por ordem do czar. Seu amigo tinha um conto chamado "O tiro da pistola", que usava como epígrafe o verso: "Nós nos duelamos".
Meu jovem poeta, que chegara em S., decide mudar-se subitamente para P. - diz a um conhecido que sente ter pouca vida pela frente. Ele ri nos salões do seu colega com longa espada e maneiras de herói romântico. Até ser desafiado. Talvez fosse uma espécie de pressentimento. Dizem que os loucos correm para o castigo quando não enxergam saída.
Eu sempre ficara em dúvida se, no seu conto, havia uma intenção sombria quando o tenente, que podia passar indistinto na escuridão, chama a atenção do assassino desvairado ao fazer-lhe uma pergunta. Da mesma forma, um homem que perdera o grande amigo, que podia ter morrido em 1840 - e só não morreu porque o francês errara o tiro - e vai bater-se com um colega um ano depois para deixar esse mundo aos 27 anos, me pareceu sempre suspeito.
Como diria o morto: "Sua sorte está escrita".
Afonso Jr. Ferreira de Lima
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