Poeta, não tenho a rima, mas o sonho teu por liberdade e
república, o sofrimento do meu povo, tempestade e raio
e exótico desejo de justiça
história que explica, lei que afirma, país que repete
escravidão
quero essas asas
ser irmão do escravo que trabalha
Supermercado vendendo sanduíche
o salário não atinge o filho quer mochila
mudando tudo a aurora mais escura
alguém precisa comprar barato e vender caro
preciso comprar água, preciso comprar sangue
comprar é a alma do mundo
os direitos do povo usurpados
um dia novo e tão velhas correntes
sonhar com outro mundo
navios em terra em telas e no crânio vazio
não é minha a aurora, noite e dia, o mar
quero essas asas
tua arma é a poesia
Afonso Junior Ferreira de Lima
sábado, outubro 28, 2017
sexta-feira, outubro 27, 2017
Nada
A urgência de não fazer nada.
A pedra que cai bem no fundo.
Nada além de ser.
Para saber que eu sou.
O ritmo da chuva.
Silêncio e não fazer nada.
O caminho do imóvel.
O espaço do nada.
Quero não querer.
Os pingos caem no chão.
A árvore floresceu rompendo o dia.
Para saber que eu sou.
Afonso Junior Lima
A pedra que cai bem no fundo.
Nada além de ser.
Para saber que eu sou.
O ritmo da chuva.
Silêncio e não fazer nada.
O caminho do imóvel.
O espaço do nada.
Quero não querer.
Os pingos caem no chão.
A árvore floresceu rompendo o dia.
Para saber que eu sou.
Afonso Junior Lima
domingo, outubro 22, 2017
Gender Free
Eles me chamavam de bichinha e o professor quase ria com eles.
Eu não demonstrava interesse em nenhum gênero, na verdade.
Apenas não queria nenhuma semente de homem em mim, para fazer nascer minha virilidade.
Meu pai me olhava com desprezo por eu não querer um mestre másculo comigo, mas eu achava que podia ser meu próprio mestre, só porque tinha curiosidade suficiente.
Esse jovem delicado estava interessado em desenho e ficava horas inteiras observando a natureza.
Na realidade, eu me apaixonei platonicamente por uma colega, mas ela sequer podia imaginar romper nosso código rígido. Nosso professor da quarta série tinha avisado sobre os perigos do "afeminamento" dos beijos heterossexuais.
Um dia, deixaram no meu livro um panfleto "gender free". Era um lugar longe da cidade.
Fugi.
Uma vila incrível. Muitas flores, o moinho, trabalhávamos no campo e nas oficinas, andávamos à cavalo, caçávamos.
Ambos os sexos faziam as mesmas tarefas e não havia nenhum culto à força, ao falo ou à competição. Mulheres mais velhas eram as líderes, e eu pude até beijar duas garotas da minha idade. Eu me tornei íntimo de outro jovem, Tíron, e dormíamos abraçados como irmãos. Comecei a pintar telas e encantava à todos com as paisagens que fazia.
Mas o que aconteceu?
Depois de um tempo, percebi que vivia numa prisão. Eu estava sendo treinado.
Um dia, fui lavado até a sala da coordenação e me disseram que eu devia seduzir e matar um oficial do primeiro escalão, responsável pelo controle da formação sexual com os mestres.
Eu pensei muito em como sair do reino dessas mulheres dominadoras.
Por fim, coloquei fogo na casa e consegui fugir.
Troquei meu nome, achei um companheiro, me tornei advogado e lutei pelo direito dos homens de escolher sua iniciação sexual, livres de preconceitos.
Afonso Jr. Ferreira de Lima
Eu não demonstrava interesse em nenhum gênero, na verdade.
Apenas não queria nenhuma semente de homem em mim, para fazer nascer minha virilidade.
Meu pai me olhava com desprezo por eu não querer um mestre másculo comigo, mas eu achava que podia ser meu próprio mestre, só porque tinha curiosidade suficiente.
Esse jovem delicado estava interessado em desenho e ficava horas inteiras observando a natureza.
Na realidade, eu me apaixonei platonicamente por uma colega, mas ela sequer podia imaginar romper nosso código rígido. Nosso professor da quarta série tinha avisado sobre os perigos do "afeminamento" dos beijos heterossexuais.
Um dia, deixaram no meu livro um panfleto "gender free". Era um lugar longe da cidade.
Fugi.
Uma vila incrível. Muitas flores, o moinho, trabalhávamos no campo e nas oficinas, andávamos à cavalo, caçávamos.
Ambos os sexos faziam as mesmas tarefas e não havia nenhum culto à força, ao falo ou à competição. Mulheres mais velhas eram as líderes, e eu pude até beijar duas garotas da minha idade. Eu me tornei íntimo de outro jovem, Tíron, e dormíamos abraçados como irmãos. Comecei a pintar telas e encantava à todos com as paisagens que fazia.
Mas o que aconteceu?
Depois de um tempo, percebi que vivia numa prisão. Eu estava sendo treinado.
Um dia, fui lavado até a sala da coordenação e me disseram que eu devia seduzir e matar um oficial do primeiro escalão, responsável pelo controle da formação sexual com os mestres.
Eu pensei muito em como sair do reino dessas mulheres dominadoras.
Por fim, coloquei fogo na casa e consegui fugir.
Troquei meu nome, achei um companheiro, me tornei advogado e lutei pelo direito dos homens de escolher sua iniciação sexual, livres de preconceitos.
Afonso Jr. Ferreira de Lima
sábado, outubro 21, 2017
Uma nova paz universal
Estou deixando aqui o começo.
A humanidade é a melhor máquina.
Eles chegaram num dia de primavera, foram recebidos com flores.
Os chefes de governo fizeram discursos.
Eles convidaram a todos para uma recepção.
Nunca mais se ouviu falar deles.
Os novos líderes buscaram parcerias.
Começaram campanhas pela TV e celulares: "Uma nova paz universal"; "Prosperidade com trabalho"; "A nova vida da humanidade".
A cidade grande ficou por algum tempo livre dos toques de recolher e dos estupros.
Logo, as casas foram ocupadas por eles, nós fomos transferidos para regiões ermas.
Livros e tecnologia foram proibidos.
Os homens saudáveis eram recolhidos e levados a campos de trabalho.
Em cinco meses, a humanidade havia sido reduzida à animais de tração.
Idosos e fracos foram transformados em adubo.
Eles explodiam porções gigantescas de terra, extraindo dela o que precisavam no seu planeta.
Nunca antes eu havia imaginado o quão rápido você se torna um objeto se é tratado como um objeto.
Comemos uma espécie de ração, muitos morrem por intoxicação alimentar.
Aos humanos do futuro deixo essas palavras.
Lutem, se puderem, pela liberdade.
Afonso Junior Ferreira de Lima
A humanidade é a melhor máquina.
Eles chegaram num dia de primavera, foram recebidos com flores.
Os chefes de governo fizeram discursos.
Eles convidaram a todos para uma recepção.
Nunca mais se ouviu falar deles.
Os novos líderes buscaram parcerias.
Começaram campanhas pela TV e celulares: "Uma nova paz universal"; "Prosperidade com trabalho"; "A nova vida da humanidade".
A cidade grande ficou por algum tempo livre dos toques de recolher e dos estupros.
Logo, as casas foram ocupadas por eles, nós fomos transferidos para regiões ermas.
Livros e tecnologia foram proibidos.
Os homens saudáveis eram recolhidos e levados a campos de trabalho.
Em cinco meses, a humanidade havia sido reduzida à animais de tração.
Idosos e fracos foram transformados em adubo.
Eles explodiam porções gigantescas de terra, extraindo dela o que precisavam no seu planeta.
Nunca antes eu havia imaginado o quão rápido você se torna um objeto se é tratado como um objeto.
Comemos uma espécie de ração, muitos morrem por intoxicação alimentar.
Aos humanos do futuro deixo essas palavras.
Lutem, se puderem, pela liberdade.
Afonso Junior Ferreira de Lima
terça-feira, outubro 17, 2017
segunda-feira, outubro 16, 2017
O crime perfeito
Investigador
Crime
Vítima
Florescendo no outono. A fenda no gelo. O gelo cobre pouco os Alpes. A água quente destruindo corais. Deserto novo. Abandonaram as casas. Máscaras para respirar. Algo no centro disso tudo. Um pensamento. Mistério.
Afonso Jr. Lima
Aqui estou eu, buscando alguma coisa que dê sentido à essas impressões efêmeras, criando hipóteses, acreditando que as coisas se repetem como antes. O crime tinha sido cometido, mas podia piorar.
Não era como aqueles agentes antigos: alguém tinha que levar a pessoa a um lugar numa certa hora.
Eu estudara isso na feira de ciências, fizera maquetes. O que eu vira era monstros capazes de matar rápido. Agora, metal retorcido, tetos desabados, ondas violentas. Uma cidade em perigo, um animal extinto. Aquelas fotos contavam uma história.
Crime
Assassinato. A molécula de metano absorve 23 vezes mais os raios infravermelhos que uma molécula de gás carbônico, 8.100 vezes mais uma molécula de CFC-12 da geladeira. Tinha a ver com carvão negro que entrava nas plumas dos pássaros em 1900. Progresso como corte. O nitrogênio, plantas e animais morrem, exagero, eutrofização, a água irreconhecível. E interações complexas, carros, concreto quente, pasto, madeira, investimento no mercado dos combustíveis fósseis, lucro.
Vítima
Florescendo no outono. A fenda no gelo. O gelo cobre pouco os Alpes. A água quente destruindo corais. Deserto novo. Abandonaram as casas. Máscaras para respirar. Algo no centro disso tudo. Um pensamento. Mistério.
Afonso Jr. Lima
sábado, outubro 14, 2017
Sobre fascismos e heranças
O cancelamento da exposição contra a homofobia e o boicote contra o blackface numa peça são a mesma coisa?
Nós só podemos pensar assim porque nunca fomos parados pela polícia, discriminados em uma loja ou perdemos um papel por causa da pele.
As questões são opostas: 1) como um grupo no século XXI deixa passar essa (fiquei chocado quando vi o personagem de uma empregada com o rosto pintado de preto) X como o conservadorismo ainda vê a arte como deformadora social ou pedagoga como no século XIX.
É como se todo personagem brasileiro fosse Jeca Tatu, toda mulher burra ou todo latino traficante. Aquilo que aprendemos entre iguais será questionando quando diferentes fazem parte da sociedade, mas o oposto é o fascismo.
Não havia nem um toque de ironia na peça: o personagem podia dizer assim: vou pintar meu rosto de preto porque esse é o lugar de um negro numa sociedade racista.
Penso assim: o conhecimento sobre a máscara negra na commédia dell arte é bem específico. Eu por exemplo, só tenho como referências o que me fez pensar: meus zeus, por que a empregada tem de ser negra?
O negócio é que na cultura existe esse dado herdado de racismo sando esse símbolo.
Não adiantaria apenas dizer: vou usar suástica porque na minha opinião não é antissemitismo.
A questão é, como esse debate não chegou até a esfera pública?
Outra questão: se você me disser que algo que eu fiz te ofende, pedirei desculpa. Isso significa que você é alguém, que seu ponto de vista é válido.
Mas por que eu poderia dizer: não, não é isso?
Outra coisa é a censura com a invasão da exposição no espaço cultural do banco. A arte, depois de anos de autonomia estética, recusando-se a retratar a elite, o passado heroico, o sagrado e depois algo além da própria imaginação, volta a buscar diálogo com o político e o histórico. E os preconceitos nunca questionados se tornam fomento para raiva punitiva. A arte contemporânea exige um contexto histórico: ou um mictório seria só um mictório. O que a ditadura fez: núcleos de pensamento em mares de desconhecimento. Uma vanguarda cosmopolita num cosmos de repressão. A revista M do jornal Le Monde publicou sobre os casos em Porto Alegre e no Rio:
“A interpretação singular destes trabalhos artísticos é o resultado de uma campanha promovida por grupos ultraconservadores onde se encontra arraigado o prefeito do Rio de Janeiro”, analisa a revista. “Na origem disso, um vídeo, filmado por um visitante da exposição patrocinada pelo banco Santander em Porto Alegre (...). Visto mais de um milhão de vezes, o filme amador ‘Exposição criminosa, Santander criminoso’ mostra as obras acompanhadas de comentários como ‘que porcaria’ ou ‘depois de destruírem o gênero, eles atacam a família".
http://br.rfi.fr/brasil/20171013-censura-no-brasil-e-apoiada-por-extrema-direita-nostalgica-dos-militares-diz-revista
Como reagir? Em 1936, a Frente Popular, eleita na França baniu as ligas fascistas. E nós? A própria estrutura segregacionista de cidade e do modelo (bairros-bolha, sem espaço público, sem educação, sem mídia alternativa) forma essas ilhas conservadoras em que "posição" é incentivo ao ódio, preconceito e raiva do privilegiado. "Expressão" não pode ser recusar o mundo moderno.
Como reagir? Em 1936, a Frente Popular, eleita na França baniu as ligas fascistas. E nós? A própria estrutura segregacionista de cidade e do modelo (bairros-bolha, sem espaço público, sem educação, sem mídia alternativa) forma essas ilhas conservadoras em que "posição" é incentivo ao ódio, preconceito e raiva do privilegiado. "Expressão" não pode ser recusar o mundo moderno.
Através da ação penal 470, que recebeu a marca de "mensalão", criou-se a revolta moralista que tirou a esquerda do jogo no Congresso e prefeituras. Mesmo eleita, Dilma ficou inoperante. O outro fim do estado vem agora. O que parece mais louco nesse boicote é que a indignação é sobre "a sociedade financiar coisas que ela não aprecia" (justamente, a sociedade já avançou e quer reconhecimento e a exposição estava recebendo em torno de 700 pessoas por dia numa cidade de 1 milhão e 500 mil pessoas). Se as discussões sobre direitos humanos e arte não chegaram ao grande público foi justamente por falta de poder público, organização e planejamento (a arte é fomento, divulgação, educação).
Se o "dinheiro público" é usado é justamente porque estender as bases de uma República, tolerância, diálogo e reflexão, somente é possível através de um "interesse geral" e não privado (deixemos de lado aqui a questão da Lei Rouanet ser renúncia fiscal como marketing das empresas). É aí que eles entram. Retirando-se o governo, ficam apenas os que podem mais e os que podem menos e seus ódios paroquiais. Os herdeiros em posições de comando, que estão lá por oportunidade e não por excelência, numa sociedade injusta, vão nos governar. Acaba a República.
Afonso Jr. Lima
quarta-feira, outubro 04, 2017
"Ave de Rapina"
Se não fosse por ela, não teríamos dinobots nas ruas.
Ursula era bio-engenheira, fazia companha pela proibição de armas de fogo.
Na TV, um especialista afirmava que para se combater o crime, era preciso ter armas.
Sua organização fez um protesto em frente ao julgamento do atirador do parque.
Os membros do juri têm dificuldade em entrar no tribunal.
O juiz a condena a dois dias de cadeia por obstruir a justiça.
- As armas de fogo são o vírus numa sociedade doente, Ursula envia pelo twitter.
Os jornais estampam sua foto na capa nas paredes de vidro: "A Dama do Crime", "Segurança nacional x Idealismo", "Os inimigos da ordem".
Ela sai e dá entrevistas:
- "Todo ato pode ser crime. Vivemos um terrorismo de papel".
Ursula tinha uma coruja robótica e um jornalista a chamou de "Ave de Rapina".
Ainda responde processo.
Ativistas denunciam que um congressista patrocinado pela indústria de armas propõe uma lei para liberar a venda de armas a doentes mentais. No jornal, um colunista levanta a hipótese dos ativistas contra armas de fogo serem parte de um esquema para vender leis; logo, em cada prédio e pupila.
O irmão de Ursula - que vive na ilha subaquática Bramo 2 - é preso por ordem de uma juíza depois que imagens do circuito de segurança do banco mostram seu saque do caixa eletrônico.
"Desvio envolvendo inteligência artificial"? - diz a manchete, o texto especula sobre as verbas recebidas para financiar pesquisas com animais extintos. As acusações são absurdas, mas o irmão fica perturbado. "São robôs que espalham mentira pelas redes" - Ursula diz.
- Vamos ficar paranoicos, ele responde.
Viraliza um vídeo em que ele alimenta um dimetrodon e diz: "quanto dinheiro faremos com os dentes-de-sabre domésticos?"
Um segundo juiz não vê crime e manda que o soltem. Ele é internado numa clínica psiquiátrica.
Um promotor percebe que Ursula é um réu inocente.
- Você não vai destruir sua carreira, vai ser acusado de colaboração com a corrupção - diz a esposa.
O promotor lembra de um colega afastado por "suspeita de organização criminosa".
Mas onde está ela?
Mais de cem pessoas comparecem no protesto.
Ursula foi vista pela última vez em um café na fronteira do estado.
Afonso Jr. Ferreira de Lima
Ursula era bio-engenheira, fazia companha pela proibição de armas de fogo.
Na TV, um especialista afirmava que para se combater o crime, era preciso ter armas.
Sua organização fez um protesto em frente ao julgamento do atirador do parque.
Os membros do juri têm dificuldade em entrar no tribunal.
O juiz a condena a dois dias de cadeia por obstruir a justiça.
- As armas de fogo são o vírus numa sociedade doente, Ursula envia pelo twitter.
Os jornais estampam sua foto na capa nas paredes de vidro: "A Dama do Crime", "Segurança nacional x Idealismo", "Os inimigos da ordem".
Ela sai e dá entrevistas:
- "Todo ato pode ser crime. Vivemos um terrorismo de papel".
Ursula tinha uma coruja robótica e um jornalista a chamou de "Ave de Rapina".
Ainda responde processo.
Ativistas denunciam que um congressista patrocinado pela indústria de armas propõe uma lei para liberar a venda de armas a doentes mentais. No jornal, um colunista levanta a hipótese dos ativistas contra armas de fogo serem parte de um esquema para vender leis; logo, em cada prédio e pupila.
O irmão de Ursula - que vive na ilha subaquática Bramo 2 - é preso por ordem de uma juíza depois que imagens do circuito de segurança do banco mostram seu saque do caixa eletrônico.
"Desvio envolvendo inteligência artificial"? - diz a manchete, o texto especula sobre as verbas recebidas para financiar pesquisas com animais extintos. As acusações são absurdas, mas o irmão fica perturbado. "São robôs que espalham mentira pelas redes" - Ursula diz.
- Vamos ficar paranoicos, ele responde.
Viraliza um vídeo em que ele alimenta um dimetrodon e diz: "quanto dinheiro faremos com os dentes-de-sabre domésticos?"
Um segundo juiz não vê crime e manda que o soltem. Ele é internado numa clínica psiquiátrica.
Um promotor percebe que Ursula é um réu inocente.
- Você não vai destruir sua carreira, vai ser acusado de colaboração com a corrupção - diz a esposa.
O promotor lembra de um colega afastado por "suspeita de organização criminosa".
Mas onde está ela?
Mais de cem pessoas comparecem no protesto.
Ursula foi vista pela última vez em um café na fronteira do estado.
Afonso Jr. Ferreira de Lima
domingo, outubro 01, 2017
O estado policial
Devem ter colocado escutas. Devem ter visto seus dados.
- Mas vocês não podem me obrigar a dar minha senha - dizia Ölah ao policial.
- A lei nos permite.
- Qual lei?
- A nova.
Eles haviam invadido sua casa antes do sol nascer. O ativismo da Ölah estava nas águas do oceano. Mas as companhias que fabricavam plástico não gostaram quando ela denunciou que milhares de animais foram levados pela onda gigante em detritos humanos, gerando desequilíbrio em ecossistemas à milhares de quilômetros.
A nova lei incorporara o que era provisório desde as bombas.
Ela começa a duvidar de sua própria consciência. Até que ponto sabiam sobre ela? A juíza falava.
- Os pobres querem segurança, eles produzem, precisam da lei.
Havia sido julgada rapidamente pelo código de emergência, lembra-se de ter tomado uma pílula, de ter dormido.
O campo de trabalho ficava numa cidade bem ordenada, uma das maiores notas em termos de produção.
Era o Dia da Liberdade e milhares marchavam nas ruas festejando a Libertação. Placas contra os "inimigos internos". Ela pensava se os inimigos seriam os homens negros mortos sem razão pela polícia. Se eram os manifestantes que protestaram contra e foram demitidos.
Ela acordava na noite. Parecia perceber outro mundo, depois caía no sono.
Buscava na mídia notícias para entender. Era inútil.
- Você não entende, dizia uma interna processada por anarquismo - Eles estão promovendo o terror, precisam do terror. Os refugiados carregam cicatrizes das bombas.
Ela estava mudando. Ela não se reconhecia mais. As coisas ao seu redor se tornavam ameaçadoras. Eram como objetos cênicos. Mesmo a família ia se tornando algo distante. E a matéria, um campo de energia. Ela estudara os quarks, os glúons, os campos quânticos. Nada dela permanecia. Queria explodir.
Estariam invadindo suas redes pessoais, estariam induzindo sua percepção sobre si mesma? Algo que ela pensava aparecia na tela horas depois, ela encontrava na biblioteca. Ela tinha dúvidas sobre seus perfis nos dispositivos, teria escrito aquilo, teria estado naquele lugar, teria conhecido aquela pessoa?
Quando cavava a terra, teve um derrame e foi enterrada numa capsula no pátio de cimento.
Afonso Junior Ferreira de Lima
- Mas vocês não podem me obrigar a dar minha senha - dizia Ölah ao policial.
- A lei nos permite.
- Qual lei?
- A nova.
Eles haviam invadido sua casa antes do sol nascer. O ativismo da Ölah estava nas águas do oceano. Mas as companhias que fabricavam plástico não gostaram quando ela denunciou que milhares de animais foram levados pela onda gigante em detritos humanos, gerando desequilíbrio em ecossistemas à milhares de quilômetros.
A nova lei incorporara o que era provisório desde as bombas.
Ela começa a duvidar de sua própria consciência. Até que ponto sabiam sobre ela? A juíza falava.
- Os pobres querem segurança, eles produzem, precisam da lei.
Havia sido julgada rapidamente pelo código de emergência, lembra-se de ter tomado uma pílula, de ter dormido.
O campo de trabalho ficava numa cidade bem ordenada, uma das maiores notas em termos de produção.
Era o Dia da Liberdade e milhares marchavam nas ruas festejando a Libertação. Placas contra os "inimigos internos". Ela pensava se os inimigos seriam os homens negros mortos sem razão pela polícia. Se eram os manifestantes que protestaram contra e foram demitidos.
Ela acordava na noite. Parecia perceber outro mundo, depois caía no sono.
Buscava na mídia notícias para entender. Era inútil.
- Você não entende, dizia uma interna processada por anarquismo - Eles estão promovendo o terror, precisam do terror. Os refugiados carregam cicatrizes das bombas.
Ela estava mudando. Ela não se reconhecia mais. As coisas ao seu redor se tornavam ameaçadoras. Eram como objetos cênicos. Mesmo a família ia se tornando algo distante. E a matéria, um campo de energia. Ela estudara os quarks, os glúons, os campos quânticos. Nada dela permanecia. Queria explodir.
Estariam invadindo suas redes pessoais, estariam induzindo sua percepção sobre si mesma? Algo que ela pensava aparecia na tela horas depois, ela encontrava na biblioteca. Ela tinha dúvidas sobre seus perfis nos dispositivos, teria escrito aquilo, teria estado naquele lugar, teria conhecido aquela pessoa?
Quando cavava a terra, teve um derrame e foi enterrada numa capsula no pátio de cimento.
Afonso Junior Ferreira de Lima
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