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terça-feira, novembro 21, 2017

O leitor

Nunca saiu da minha mente essa imagem: o homem no seu terraço em frente ao rio, no qual passa um lento barco com sua luz amarela, o homem lê seu "Dom Quixote" buscando a solução para algum problema.

O passado somente não cria (nem o novo sem origem). Quando os amigos criticam seu romance de época, depois de dias de leitura incansável, dizem que deveria escrever mais como a "reprodução exata da vida", sobre um suicídio comentado, história de dívida e romance adúltero. "Olha, por que não escreve sobre o caso de madame Delaunay?"

Problemas da representação. O leito azulado e a noite sem lua. O que ele observa é todas aquelas histórias que já não refletem senão um hábito. O mundo da representação é loucura da leitura.

O velho leitor que lê mal e alucina como herói, com torneios, lanças, castelos, aventuras. Todo senso comum como ciência. O idealismo como império. A realidade como prisão da ficção. Os livros que não formam entendimento. A fome humana por transcendência que se torna má coleção.

Ler para conhecer, como pesquisa, sede de aventura. Ler porque se duvida. Ler por instinto. 

A angústia, a invasão: "Sinto ver as coisas falsas". Ele pensa sobre a clareza poética, a irrupção instantânea da memória, a alucinação tão necessária. "Eu sou Emma", porque tudo é fantasia e ironia, indústria e belas-artes na servidão, funeral da civilização.

Alguém fala, outro copia. Ser escritor, entre o colecionador e o cientista. Ele seria capaz de ler 1.500 livros para preparar um romance. Parece que ele grita as assonâncias e repetições no jardim, quer saber se a prosa tem poesia. 

A tradição era repetir as mesmas perguntas. Os falsos sábios pareciam não ter respostas para a crise, mas tinham púlpitos, narravam conceitos, velhos mestres, opressão da reprodução, duplo fantasmagórico, demoníaco, repetir.

O homem no seu terraço, o livro sobre livros. O professor, o juiz, o dono de comércio que são "bons" e não precisam duvidar de si mesmos. Podem esconder tudo que perturba numa crítica autoritária aos rebeldes. Sempre em movimento, sempre acumulando, não querem opiniões estranhas, apresentam isso como a defesa da moral.

O abandono do ascetismo levou ao materialismo vulgar e o próprio julgamento do livro é uma tentativa de nunca mudar a visão romanesca de si mesmo, de que se "pisa o pó de heróis", de que grandes homens e ideais humanitários se ocultam na aparência de filisteus preocupados com seus negócios.

A abstrata aventura das vidas agitadas e dos prazeres violentos (o que foi roubado como decoração) são o reflexo opaco de um acúmulo mesquinho de luxos dos sentidos. O mar, montanhas, música, todo o supostamente poético, paisagens que nos levam a rezar e campos com donzelas e adultérios, tudo evita que vejamos quem somos e o que realmente é desconhecido. 

E quanta dificuldade para expressar e lidar com sentimentos. E quanta opressão dentro das instituições, "crianças institucionalizadas", tristes, sozinhas juntas. 

Ler errado o mundo. Mesmo o advogado parece ter lido errado: “o livro mostra a autoridade imprudente de um pai que decidiu mandar educar em um convento uma garota nascida na fazenda e que deveria casar-se com um fazendeiro ou um camponês”. 

Ele lê o "Dom Quixote". Escreve: "Na alucinação pura e simples podemos perfeitamente ver uma imagem falsa com um olho, e os objetos verdadeiros com o outro. Aliás, é justamente esse o suplício”.

Afonso Junior Ferreira de Lima

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