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quinta-feira, março 22, 2018

nullo tempore putrescit

Sombras nós éramos. Nenhum sótão e nem mesmo um porão. Era sempre noite lá dentro. Nessa casa, haviam pelo menos nove quartos, as luzes sempre amarelas que criavam muitos pontos de sombra.
A cidade estava sem luz elétrica há três dias. A tempestade interrompera também as comunicações das ilhas com o continente.
Quem eram aquelas quatro mulheres estranhas, que pareciam sem alma e dotadas de incrível energia intelectual?
Por que nós parecíamos dormir o dia todo?
Por que apenas servíamos para fazer os trabalhos de casa e receber "visitantes" de vez em quando?
Eu nem era capaz de dizer há quanto tempo isso durava. Eu tentava observar pelas janelas nossa posição, mas névoa espeça parecia trazer sempre um cenário cinzento, nem dia nem noite. Ou talvez fosse minha mente que tinha um véu permanente sobre ela. Era como uma alucinação que nunca tinha fim. 
"O tempo depende de onde você está" - nosso servo - praticamente cego - disse, uma vez.
Um dia, ou seria uma noite?, eu limpava um dos quartos e encontrei um bebê, de aproximadamente três dias, enrolado sobre a cama.
Meu grito chamou a atenção de uma das mulheres, que me disse apenas:
- Saia daqui. É uma maldição que você carrega por todas as gerações futuras.
Decidi que precisava sair da casa.
Pensei em não comer meu primeiro alimento - meu pão e chá.
Passei pelo depósito, cheio de vidros com animais no formol, e cheguei até a porta para o jardim.
Abri a porta, mesmo tendo sido sempre avisada do perigo envolvido.
Subi os degraus embarrados até um lugar em que já fora com a primeira mulher. 
Era uma espécie de estufa, coberta de um teto de vidro e uma rede que criava sombras. Assustei-me com o servo.
- Veja essas plantas. Foram combinadas. Não é apenas com o tempo que eles brincam. Essas mulheres sabem manipular as coisas vivas há séculos, ele me disse.
Ali ao lado, muitas pedras afiadas em fileiras como uma plantação. Uma chuva forte começou. Pareceu-me ver algo na terra. Eu cavei com as mãos.
Voltei para a casa assustada.
A terceira mulher olhou-me com ódio e me arrastou pelos cabelos. Fui colocada em um quarto estreito e escuro e lá fiquei por muito tempo.
No meu sonho, uma mulher me mostrava um fruto de casca verde - ela retirava sua semente com uma faca e colocava lá dentro um pequeno inseto. De uma colmeia saiam muitas abelhas. 
Então eu entendi. Iriam dizimar a raça toda. 
Acordei com o barulho da porta. O servo a abrira, com uma vela nas mãos gritou:
- Fuja agora. 
Eu corri, enquanto o homem ateava fogo a si mesmo para incendiar a casa. 

Afonso Junior Ferreira de Lima

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