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sábado, junho 29, 2019

Contos de (assustar) fadas - infantil


Contos de (assustar) fadas

Afonso Junior Ferreira de Lima


Biblioteca Nacional
535801, em 03/08/2011



A CABEÇA

A seca castigava a Cidade. As crianças da vila estavam passando mal, não havia água encanada. Havia só um córrego fino que passava por entre as casas, mas ali era jogado todo tipo de coisa, lixo, esgoto, tudo. Na mata ali perto tinha uma fonte de água, as pessoas faziam fila para pegar. Então o dono da terra, que era homem muito ambicioso, decidiu fechar o terreno, e botou guardas para cobrar por cada balde de água. As pessoas não podiam pagar e fizeram protesto na frente da fonte, mas os guardas deram tiros pra cima e todo mundo correu. A seca não perdoava, e as pessoas começaram a desmaiar. A mãe de João Pedro ficou tão fraca que ele foi ate a mata, onde havia uma pedra com um buraco no meio, onde se havia posto uma imagem da Senhora coroada de estrelas:
-          Santa Senhora, se existe mesmo, faça minha mãe ficar forte e ter água de beber.  
E ficou assim rezando um tempo quando ouviu um assobio
-          Hei, menino. Hei, você ai.
-          Quem esta falando - olhou João Pedro para todos os lados.
-          Sou eu o João de Barro. Eu ouvi seu choro e vim lhe ajudar.
-          Seu João de Barro veja meu problema, não tem água aqui na vila, somos muito pobres, e o dona da terá, malvado, fechou a fonte que tinha.
-           Na verdade esse não é um dono de terras, é um feiticeiro. E os guardas não são homens, são cães que ele transformou em servos. Mas à noite, eles voltam a ser bicho, e o homem tem de tirar sua cabeça e pendurar em um gancho na entrada de seu casarão. Vá de noite a sua casa e roube sua cabeça, que e apenas de encaixar, enquanto a cabeça estiver longe do corpo, nem a cabeça nem o corpo podem acordar, ate o sol nascer, e cante e seguinte canção:

Cabeça minha cabecinha
Veja bem que vou lhe levar
Durma, durma sossegada
Pra sede do povo eu matar

Depois vá ate a fonte e cante para os cães a seguinte canção:

Eu sou homem – sim senhor
Mas vocês são bichos, que eu sei
Durmam agora cãezinhos
E água daqui levarei

Depois coloque a cabeça do homem no casarão e volte com a água, cantando a seguinte canção:

Cabeça de feiticeiro
Tão malvado e ambicioso
Deixe eu levar essa água
Que salvará o meu povo

Assim o menino fez. Pegou a cabeça do feiticeiro, cantou para os cães, pegou a água em sete baldes, levou até a vila, devolveu a cabeça no castelo. O povo da Vila quando amanheceu, percebeu sete baldes cheios de água e cantou de felicidade:

Salve, salve Santa Senhora
Que milagre será este!
Ontem o sol nos matava
Hoje matamos nossa sede

O feiticeiro ficou furioso e mandou que os guardas vasculhassem as casas da vila procurando se alguém guardava alguma pista. Em vão, pois não acharam nada. 

 Na próxima noite o menino pegou a cabeça do feiticeiro, cantando:

Cabeça minha cabecinha
Veja bem que vou lhe levar
Durma, durma sossegada
Pra sede do povo eu matar

Voltou à mata e cantou para os cães:

Eu sou homem – sim senhor
Mas vocês são bichos que eu sei
Durmam agora cãezinhos
E água daqui levarei

Pegou a água em sete baldes, levou até a vila, devolveu a cabeça no castelo, cantando:

Cabeça de feiticeiro
Tão malvado e ambicioso
Deixe eu levar essa água
     Que salvará o meu povo

O povo da vila quando amanheceu, percebeu sete baldes cheios de água e cantou de felicidade, novamente:

Salve, salve Santa Senhora
O milagre se repetiu
Ontem o sol nos matava
Hoje cantamos no estio

Depois de sete noites, o feiticeiro, já possesso da vida, resolveu ele mesmo se transformar em pássaro e ficar por sobre a àrvore observando se alguém se aproximava do castelo.
Mas deixou em seu lugar um boneco de pano, transformado pela mágica em uma cópia quase perfeita de si mesmo. Entretanto, quando o menino chegou perto do castelo, ouviu um assovio diferente:

Cuidado meu menino
Nada é o que parece
Na vida é preciso cuidado
E olhar com olhos abertos

O feiticeiro, que estava como pássaro, ouviu o canto do João de barro e, em um vôo rápido feriu de morte o passarinho.
João Pedro se lembrou da voz do João de barro e decidiu ficar de olhos bem arregalados. Quando chegou perto da cabeça, que era a do boneco, percebeu que algo estava errado. Portanto ao invés de cantar a canção, criou outra mais adequada.

Cabeça minha cabecinha
Vim aqui todas as noites 
Pedir a ti com carinho
Que me dês um pouco de água
Para o meu triste povinho.

Toda noite você me diz
Que posso ir lá pegar
Que odeia o feiticeiro
Que gosta de lhe usar
E que depois de sete dias
Vamos juntos lhe matar
Você me disse o feitiço
Que lhe hei de fazer queimar
Eu guardei lá em um tonel
Antes da vila sair
Vou pegá-lo agora, cabecinha
Para o mago destruir

E, dizendo isso, foi até o fundo de sua casa, fez uma pequena fogueira ali perto se escondendo entre na mata. O feiticeiro voou até a vila, procurou o tonel no pátio e transformou-se de novo em homem colocando a cabeça no tonel. Neste momento o menino, usando uma vara comprida, deu uma marretada no pescoço e fez a cabeça rolar. Pegou a cabeça correndo e jogou na fogueira. A cabeça transformou-se em fumaça vermelha enquanto cantava.

Queimar-me era minha esperança
Era uma vez um feiticeiro
Feito de fogo e de fel
Cortou minha cabeça

E me fez um mago cruel
Agora acaba a maldição
E minha alma descansa

Neste momento João Pedro ouviu o assovio do João de Barro, que ganhara vida de novo, e o latir dos cães, agora livres para sempre.

Parabéns menino valente
Aprendeste a lição
Coragem e prudência, juntas
Nunca serão em vão.

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