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sábado, julho 20, 2019

Contos de (assustar) fadas - infantil - 3

Contos de (assustar) fadas

Afonso Junior Ferreira de Lima


Biblioteca Nacional
535801, em 03/08/2011

A CAVEIRA

Era uma vez um menino negro, que morava em um bairro distante da cidade. Havia ainda pelo lugar muitas matas, onde ele gostava de brincar. Um dia, viu um homem maltrapilho que levava um cachorro amarelo preso pelo pescoço com um arame. O pobre animal chorava, tinha os olhos cheios de sangue, estava manco de uma perna e, de tão magro, mostrava os ossos.  E gritava com ele:
 - Bicho dos infernos, tua dona vai te dar uma sova quando chegares, malevo fujão. 
O menino foi se escondendo atrás das árvores e ficou acompanhando o homem. Quando o viu parar na beira de um riacho, para beber água, deixando o cão amarrado em uma árvore, atirou umas pedras na direção oposta, e, vendo que o homem ia mais adiante ver o que era, foi pé por pé até o animal e, sorrateiramente, desamarrou-o, levando-o no colo. Escondeu-se novamente e observou o homem esbravejar, furioso, lamentando-se pelo seu destino.
Chegando a casa, disse ao pobre animal:
- Pobrezinho, pele e osso. Quem será essa tua dona que tanto te maltrata.
- É um ser diabólico, uma bruxa das Índias, disse o animal.
O menino levou um susto e indagou:
-          Falas, amarelinho?
-          Sim, falo e ainda sei latim e matemática. Na verdade sou um sábio árabe, fui escravizado por essa mulher nefasta. Ela não é uma mulher como as outras, é apenas uma caveira que, de dia, por meio de encantamentos, veste a pele de uma bela senhorita de olhos azuis, frios como o gelo, e uma pela macia de mármore. Os homens se apaixonam por ela e ela os prende nas galerias no subsolo de sua mansão, que é no meio do mato. Ela lhes deu uma poção que lhes dá uma vida muito longa, mas apenas pelo prazer de vê-los passar fome e sede. Ela me espanca quase diariamente, mas o pior é o que faz aos seus empregados. Todo dia corta um bebe o sangue deles para que fique mais viva. Dizem que era uma bela princesa indiana que, de tão bela, recusou todos os pretendentes, até que um mago lançou-lhe uma maldição - nunca poderia ser enterrada como as outras caveiras e deveria buscar pretendentes até encontrar um que lhe amasse no aspecto real, ou seja, como ossos. 
-          Que coisa horrível, e não há forma de combatê-la?
-          Sim, há. À noite não ficam criados na casa, e quando bate meia noite, ela entra no subterrâneo e adormece sobre uma sepultura de mármore. É preciso ir à noite às galerias e soltar os homens que estão nas celas, mas o último homem é preciso deixar preso. Trata-se de um espião e quem o soltar vai sofrer os reveses do destino. Além disso, é preciso roubar dela a pele mágica e enquanto ela dorme, atirar sobre ela uma tocha incendiada. Assim ela queimará e será libertada sua alma.
-          Eu irei, disse o menino, e o cão lhe fez prometer que não ajudaria o último homem.
            E também resolveu ir com ele e levar três artefatos, caso fosse necessário, uma faca, uma corda e um fósforo.
Assim fizeram e, pulando com cuidado o portão, esconderam-se no jardim em frente, onde o mato selvagem crescera, esperando uma oportunidade de entrar no casarão.
Quando as luzes apagaram, afinal, o menino acendeu uma vela, e entrou cuidadosamente.
- Na sala tem um alçapão em baixo do tapete. Mas cuidado, não faça barulho, disse o cão.
Quando entrou no subterrâneo, teve um estremecimento. Era gélido e escuro. Passou delicadamente pela figura que dormia sobre o mármore, avistou a pele sobre uma pedra.
-          Ali está a escada que dá para as galerias. A chave fica logo no último degrau.
Assim o menino foi descendo e, com cuidado, abriu a primeira porta, de onde saiu um homem barbudo, escuro, com roupas rasgadas e cheiro insuportável, que lhe mostrou um anel de ouro no dedo.
-          Obrigado, menino. No passado eu fui um soldado muito valente, e nos apaixonamos quando eu a vi dançar em um baile. Mas hoje, veja minha triste situação.
E dizendo isso, o homem sentou-se calado na beira da escada.
Da segunda porta saiu um homem loiro, de longas barbas, com um casaco azul esfarrapado.
-          Obrigado menino. Eu era capitão de um navio e nos apaixonamos quando ela foi ver minha chegada no porto. Eu era muito estrépito e conhecia várias terras fabulosas, tendo vencido piratas e descoberto tesouros, mas ela me transformou em um triste farrapo.
E, dizendo isso, juntou-se ao segundo.
Assim uma por uma das portas foram abertas e delas saíram reis, magos, sacerdotes, camponeses, escravos, poetas e ricos comerciantes, todos reduzidos a quase nada.
Da última porta saiu um velho, magro e triste, que disse:
-          Eu era um jovem feliz e saltitante. Gostava de tratar bem os animais e alimentar os peixes do lago. Era amigo dos pombos e dos cães. Um dia um sábio árabe descobriu que eu tinha o poder de falar com os animais e me convenceu a ir até o castelo de uma bruxa indiana, uma mulher amaldiçoada, sua inimiga, me prometendo um filtro da juventude eterna se eu a matasse. Mas a mulher era poderosa demais, me prendeu e transformou o sábio neste cão que vós levais.
-          Mentiroso - disse o cão.
-   A decisão é vossa, disse o velho. Podes deixar-me aqui se quiseres a morrer de fome e sede.
O menino decidiu levá-lo com os outros.
-          Ata pelo menos as mãos desse animal, para que, se quiser nos atacar, não possa ir muito longe, disse o cão. Assim fez o menino.
Foram todos em fila, passando passo por passo perto da caveira, que dormia. O menino pegou a pele e acendeu uma tocha da parede, pronto para jogar sobre o monstro. Mas, ao aproximar-se, o velho deu um grito:
Desperta! - e a caveira levantou-se quase matando o menino de susto. Em seguida lançou raios das mãos, matando os homens, que viravam cinzas. O cachorro, entretanto, tomou a tocha da mão do menino e lançou-se sobre ela, ambos prendendo fogo. O velho tentou atacar o menino com um ferro, mesmo com as mãos atadas, mas este lhe enfiou a faca. Correu então até a saída e pulou o portão e correu.
No meio do caminho, apareceu-lhe um fantasma branco e enevoado como a cerração.
-          Obrigado, menino, disse o fantasma. Eu fui um sábio que se apaixonou por essa princesa. Fazia todas as suas vontades e cheguei a pedir que ela me levasse consigo para onde fosse. Foi então que ela me transformou em cão e passou a judiar de mim todos os dias, já fazia mil anos. Agora volto para seguir meu caminho.
E, dizendo isso, desapareceu. O menino continuou a correr, e não parou até voltar à sua casa. 


AJR

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