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quarta-feira, agosto 14, 2019

Reflexões sobre a doxa total no pacote da bala

As audiências públicas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) que questionam os projetos de lei sobre questões penais enviados pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, - o tal "pacote anticrime" - não tiveram acolhida dos senadores, apesar de inúmeros especialistas presentes. O senador Humberto Costa (PT-PE)  apresentara requerimento.

Por que não damos atenção à questão da segurança?

Políticos parecem interditar o diálogo com a sociedade.

A democracia precisa basear-se na melhor solução; ela contraria, muitas vezes, o senso comum, a doxa (opinião corrente), a desinformação baseada em preconceitos e medo. Existe a eterna batalha entre o que é correto - e permanece -e o que parece correto - e emociona. Quem pode ser "pelo crime?"

Podemos perguntar, quais os ganhos políticos do pacote nesse momento de pânico frente ao número da homicídios?

Quais os custos políticos de se deixar levar pela onda e aprovar sem debate um projeto que dá "licença para matar?"
Qual o papel da mídia na criação de uma sensação de "caos" que rebaixa o debate sobre direitos humanos? Estamos diante de uma indústria da insegurança?
A quem interessa o controle e uma sociedade punitivista?
O próprio ministro argumentou que o pacote não era para professores de Direito. Será apenas para a (abandonada) massa?
Podemos ter apenas um código penal Datena?

Ao mesmo tempo, como ouvir a demanda legítima atrás do pânico e da indignação? Como solucionar o problema da segurança pública?

A verdade é - sim - que o investimento é baixo e os policiais ganham muito pouco. Em alguns casos, a atividade de fim de semana, o "bico" na porta do mercadinho,  parece ter influenciado até mesmo na ideia de formação de milícias. É verdade que existe uma raiva justificada contra até mesmo governos de centro-direita, como o PSDB, que abandonaram o agente de segurança.

É como se o policial pensasse que, agora, diante da indignidade do permanente arrocho e da suposta "corrupção da esquerda", deve tomar o poder.

Como articular as necessidades de todos e evitar que inocentes sofram para ganhos políticos?

Recebi recentemente uma horrível fake news em que o "assassino de Marielle" era retratado como sendo "Negão macaco". Claramente, temos forças operando para ampliar o racismo e o punitivismo.

Que reflexos pode ter tal ausência de complexidade num ambiente de "política do inimigo" e pouco diálogo por parte do Executivo?

Método "pelo bem maior?" A repressão ao progresso e desejo de mais igualdade dos anos 1960 foi justificada como luta "contra o comunismo". Inclusive com técnicas de tortura usadas contra a luta anti-imperialista na Argélia para destruir redes "terroristas" e para prevenir a "luta armada".
Algumas manchetes recentes:

Para Bolsonaro, 'grupo terrorista' matou pai do presidente da OAB (G1)

O hackeamento do presidente Bolsonaro pode ser julgado como terrorismo? (BBC)

O presidente Jair Bolsonaro acusou os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff de trazer terroristas e ladrões ao Brasil (R7)

Bolsonaro quer classificar movimentos sociais como terroristas (PT)

PF vai apurar suposta ameaça de atentado terrorista na posse de Bolsonaro
No Twitter, Eduardo Bolsonaro defendeu neste domingo a criação de leis mais duras para a imigração e o combate ao terrorismo. (O Antagonista)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está na mira do novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), que promete tratar o grupo, um dos maiores e mais articulados de toda a América Latina, como uma "organização terrorista". (El País)


Lei de Segurança Nacional - Filho de Bolsonaro sugere aplicação de lei da ditadura por vazamento de mensagens (Rede Brasil Atual) 


A formação técnica pode dar um viés unilateral às propostas? Interessante notar que o relator do Projeto de Lei n° 1864, de 2019,  Senador Marcos do Val,  ministrou cursos para agentes do FBIDEAU.S. Marshalls, o grupo anti-terrorismo da equipe de Operações Especiais da NASA. 

Ao mesmo tempo, o terrorismo pode surgir de propaganda de supremacia branca que está disponível livremente online, em sites como “Stormfront.org”:

“Defensores solitários da supremacia branca representam a ameaça terrorista doméstica mais significante devido ao seu perfil e sua autonomia”, disse um relatório do Departamento de Segurança Interna emitido em 2009." (NYT, 2015) 

Em termos mundiais, no fim do século XIX e no século XX, se viu a maior participação das populações na política (antes, aristocrática) e oportunidades de desenvolvimento dos grupos excluídos, "aumento do proletariado e das classes médias assalariadas... o acesso crescente ao ensino superior, além da incapacidade do poder constituído para representar sociedades que se renovavam". (Antunes e Ridenti, 2007)

No Brasil, as manifestações sindicais e estudantis afloraram depois do golpe de 1964:


"Eles reivindicavam ensino público e gratuito para todos, uma reforma que democratizasse o ensino superior e melhorasse sua qualidade, com maior participação estudantil nas decisões, mais verbas para pesquisa – voltada para resolver os problemas econômicos e sociais do Brasil..." (idem) 

2019. A sociedade brasileira está com raiva. Não foram apresentadas claramente duas propostas de governo, caixa 2 dos empresários nas sombras ("R$ 12 milhões em cada contrato"), campanhas "personalizadas" pelo Whatsapp fomentaram uma certeza fanática.

O clima parece se repetir, com legislações autoritárias que simulam democracia:

"Entre as críticas da campanha 'Pacote anticrime: uma solução fake', as quais serão detalhadas no ato público do dia 15/08, estão: penas desproporcionais para crime de resistência; esvaziamento das audiências de custódia; desvirtuamento do instituto da legítima defesa; visitas sem contato físico; aumento das possibilidades de decretação de prisão preventiva em crimes menos graves e sem violência, falta de critérios para a progressão de regime."  (Campanha “Pacote anticrime: uma solução fake”)


Segurança e paz, lei e progresso, trabalho e justiça são faces do mesmo sonho. Podemos repetir um pesadelo colonial criminalizando metade da população e jogando irmão contra irmão em nome da falsa paz? Podemos condenar (e matar) inocentes em nome da defesa da propriedade?

A Doutrina de Segurança Nacional (DSN), elaborada na Escola Superior de Guerra desde os anos 1950, alimentada por cursos com os norte-americanos, gerou em 1968 a Lei de Segurança Nacional, que previa "combater qualquer espécie de revolta popular contra o regime imposto pelo direito da força" (Brasil Nunca Mais, Arquidiocese de São Paulo, 1985). 

Ataque ao pensamento divergente - extermínio do diferente. 



"Fortemente repressiva contra o movimento sindical, operário e popular, a ditadura militar brasileira decretou a ilegalidade de todos os partidos políticos, criando somente dois oficiais. Interveio em diversos sindicatos, proibiu a deflagração de greves, decretou a ilegalidade do CGT (Central Geral dos Trabalhadores), da UNE (União Nacional dos Estudantes), dos PCB e demais partidos de esquerda, iniciando-se um período difícil para o movimento operário no Brasil. " (idem)

Temos ataques a todas as instituições - Congresso com bate-boca e atropelo, desinvestimento das universidades para ficar sem crítica, fim de órgãos de avaliação como IBGE e Inep, serviços públicos e seguridade social vistos como inimigos - e, sem instituições, como diz Hannah Arendt, fica só a vontade do líder. O líder é o poder econômico pleno.  


O capital precisa de um capitão que reprima o desejo de mudança? Vamos repetir o terror?

Afonso Jr. Ferreira de Lima


Fontes:

Brasil Nunca Mais, Arquidiocese de São Paulo, Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1985. 
Campanha “Pacote anticrime: uma solução fake” - IBCCRIM e outras 70 entidades. Divulgação.
Escadrons de la mort l'école française - Disponível em: Acesso: 12 de ago 2019.
"O pacote anticrime proposto de Moro é patético”. Podcast Cafezinho. Entrevista com Jacqueline Muniz. Disponível em:
  Acesso: 9 de ago 2019. 
Ricardo Antunes e Marcelo Ridenti - Mediações • v. 12, n. 2, p. 78-89, Jul/Dez. 2007

Defensores da supremacia branca ampliam alcance através de sites. New York Times/ O Globo. Disponível em:: <https://oglobo.globo.com/mundo/defensores-da-supremacia-branca-ampliam-alcance-atraves-de-sites-16693565> Acesso: 14 de ago 2019.

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