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terça-feira, junho 22, 2021

Alexandre Boer - in memorian

Não é fácil entrar na casa de um gaúcho. De uma palestra, passamos a ser amigos, eu não estava sozinho.

O gaúcho tem fama de ser desconfiado, até mesmo arrogante e inflexível. Então, para qualquer jovem, tentando encontrar seu caminho, é importante esta figura de referência, que, sem segundas intenções, sabe acolher e está disposto a construir junto. Assim era Alexandre Boer.

Podemos dizer que fez parte dessa geração que construiu um espaço democrático, que forçou o país a ter leis e limites, que teve coragem de crer que era possível participação e igualdade. 

Incansável, esteve presente em seu tempo quando a epidemia de AIDS afastou uns dos outros; quando (me mostrava nas fotos) se ia com roupas espaciais recolher os falecidos por puro pânico. O grupo Somos (éramos cinco numa sala) agora pode ser visto como um lugar de acolhimento para os jovens gays que vivem sob a opressão atual. 

Também fez alguns jantares na sua casa nos quais ele, eu e seu marido Cléber, debatíamos política, ativismo, relacionamentos e cachorros. Compartilhamos ideias progressistas, confirmamos suspeitas e insatisfações. Somente com pessoas inteligentes podemos ter esse prazer, essa riqueza, com pessoas sem ilusões banais, com pessoas que afirmam a verdade com decisão. 

Numa praça, respondi a suas pesquisas. Num encontro, numa roda, falei de minha experiência para orientar políticas públicas. Fomos juntos a palestras sobre Direito da Família. Cheio de energia, cheio de alegria, sempre com argumentos perspicázes. 

Lá estava eu quando ele fundou a "ala gay do PT", pego de surpresa, recebendo os Tarsos e Olívios enquanto ele preparava as mesas. 

Anos depois, quando tive uma discussão num relacionamento, sai pela rua em direção... à sua casa. Com ele descobri livros e autores. Havia um universo no qual eu cabia, assim como eu era, havia uma história na qual eu cabia. Havia que estudar. Eu valia a pena. As pessoas valem a pena. Ele dizia que eu era uma "fonte de infinitas ideias".

Não deve ter sido fácil para Alexandre ver a cidade de Porto Alegre abandonada como está; para mim não foi. Mas assim são as ondas da história. Cada geração aprenderá com suas dores. Uma das coisas mais bonitas é ver que o Somos continua, que novas pessoas levam sua bandeira porque puderam deixar ali sua marca. 

Acima de tudo, Alexandre era uma pessoa interessada em planificar a mudança. Mas a política é feita de afeto também, de confiança, de generosidade. Ele sabia o que era preciso fazer, ele tratava de buscar aliados. 

Assim são os homens públicos, e este foi um homem público. Graças a eles, a comunidade prospera, e temos de semear sua memória para que um novo dia nasça. 

Afonso Junio Lima 








2 comentários:

Unknown disse...

Delicado e forte teu texto.

afonsojunior disse...

Obrigado!