Quando eles criaram a casa, quiseram colocar azulejos da cor do sol e do outono nas paredes e nos muros, de modo que o jardim se enchesse de cores quando refletido neles.
O Dono e a Dona (e Crianças) eram muito orgulhosos de sua conquista e convidaram uns Amigos para comer carne.
O Amigo e a Amiga e a Amiga dos Amigos decidiram não sair. O Dono ficou com sua família na parte Norte da Casa e todo dia atirava de sua janela na parte Sul onde viviam os Amigos. Ali, havia dois revólveres e munição do tempo da Colônia, se camuflavam no jardim cada dia mais cinzento. Quando suas balas acabaram, tiveram de esconder-se, os donos ganhavam território.
No começo, Dono passava horas no carro na porta da casa, fazendo mira, esperando. A Dona quebrou toda a louça branca que tinha para dificultar a movimentação dos Amigos. A louça foi aderindo aos azulejos que foram ficando invernais.
Por fim os Amigos foram absorvidos pelas paredes pelas quais se esgueiravam, e Dono e a Dona (e Crianças) já não dormiam para tentar ouvir passos.
Essas Crianças cresceram com o hábito de circular pela casa armados como seu pai, e o frio da louça que pisaram toda a sua vida lhes mudou a biologia. Procriaram. Depois de uma vida sem glórias, desfizeram-se em pó.
Os netos, as Novas Crianças, decidiram reformar a casa. Pintaram os azulejos, mas tudo que conseguiam foi um clima de pastel estúdio. Decidiram fazer um programa de televisão.
A cidade toda passou a assistir a transmissão de sua vida. Nada acontecia de verdade, de modo que o coração de toda a cidade foi parando, num efeito similar à hipnose. Mas iam regularmente abastecer suas necessidades de supermercado.
Assim que a cidade foi rapidamente emudecendo. Apenas um ruído contínuo gelava o espírito de algum pássaro perdido. O que mais chamava a atenção de quem, por engano, cruzava por ali era o estranho silêncio de seus habitantes, e a forma como tudo parecia na verdade ter absorvido o branco gélido da louça nas paredes.
Afonso Junior F. Lima
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