sexta-feira, dezembro 31, 2021
terça-feira, dezembro 21, 2021
sábado, dezembro 18, 2021
sexta-feira, dezembro 17, 2021
quinta-feira, dezembro 16, 2021
As Três Irmãs/ O jardim das cerejeiras - algumas impressões
As Três Irmãs é a obra sobre a passagem do tempo. Ou ainda a obra mais sobre a passagem do tempo.
Sua cor é o marrom da madeira das casas, o vermelho da lareira, a luz do crepúsculo.
A peça é muito densa, paira
sobre ela um determinismo talvez ligado à autocracia, ou à situação a mulher
nesse ambiente, talvez ligado ao determinismo “biológico” num mundo onde a
ciência era ainda pouco desenvolvida, uma sombra ameaçava constantemente a
vida.
"Em primeiro lugar, estou enferno. E agora sei que muito enfermo. Mas não posso fazer nada", escreve Anton Tchekhov em carta. "É quase um ancião, tem as feições contraídas, parece doente", falou com despeito Lydia Avilova nas bodas do autor (Henri Troyat).
Se diz que Schopenhauer era
leitura de Tolstoi, que - pouco antes de escrever Ana Kariênina - sentia que
sua vida "estava paralisada". Depois, sua cura será a fé e a obra social. (Mas o Círculo Chaikovski formava
grupos de operários, e as brigadas vermelhas abalavam o governo de Alexandre II
com "incêndios, roubos e assassinatos" - segundo Michael Knox Beran).
Aqui não apenas temos personagens que "perdem-se em reflexões", segundo o professor, marido de Macha - uns (Irina) são mais leves que outros (Macha).
(Outros são de tal forma ridículos que não ajudam a amenizar o clima - Solionii e Tchebutikin são instrumentos desafinados).
As inovações de Tchekhov - como os elementos de atmosfera que cada personagem emite no seu leitmotiv - estão aqui muito claras. Esperando Moscou. No teatro pós-dramático, o tema do leitmotiv é muito comum, porque une os fragmentos na ausência de um enredo.
Não são diálogos, são blocos
de sonhos. Parece que a fala se desencaixa do corpo - poder-se-ia encenar uma
espécie de dança, cada personagem com seu movimento. Isso porque o corpo não
está em ação, muito pouco interage com os outros, mas é suporte para a exploração
de uma paisagem interior, de uma estrutura. Diz Irina: "Se não vou para
Moscou... O que posso fazer?" Paradoxalmente, é ela que parece despertar
do sonho muitas vezes os personagens para avançar a história... "Fico
sozinha, sem nada para fazer, odeio o meu quarto".
Um tema pouco explorado é o
do soldado frustrado com sua vida de pouca ação. Tempo perdido. Jogo como vício
militar.
Tolstoi trabalha os
militares heroicos; aqui os militares e sua família estão decadentes, vemos o
machismo ridículo ("Eu mesmo lhe dou um tiro").
É difícil percebermos a
comédia porque o autor tem muita empatia, nos identificamos com o sofrimento. É
como se Tchekhov quisesse rir deles, mas acabasse amando-os.
Se, na Gaivota, fala-se do
egocentrismo da intelligentsia - da ingenuidade da menina que se deixa seduzir
pelo ouro falso, da vaidade - aqui é um ambiente "onde não se produz
nada" - "historia idiota" - como o duelo.
O casal impossível Macha - Verchinin nos atrai desde o começo por representar um bom senso e delicadeza muito humanos. Por um lado, está o Tchekhov como analista implacável - o método científico, no mundo pós-romântico que pergunta como as coisas funcionam; por outro, o poeta, solidário com o sofrimento e a injustiça, o professor que percebe o moldar aristocrático da realidade para que não haja igualdade.
Se olhamos com a distância
necessária, vemos o caso Macha - Verchinin
como reflexo da luxúria militar, homens solitários, muitos dos quais
zombam do "filosofar" como o faz Solionii - em zonas militares e
guerras, a situação da mulher é rebaixada, surgem prostíbulos. (As irmãs
trabalham, mas é o homem que pode levar a família a reencontrar seu antigo status
na sociedade).
Verchinin é o "major
apaixonado"; o encanto da "nobreza militar" (pessoas "finas
e educadas" para Macha) e o encanto que os letrados têm pra quebrar a
solidão, frustração da zona militar (ouvir suas "lamúrias") - mas
tudo dando em relação estéril - o ruído do fogão não nos deixa crer no amor
sublime que parece existir.
O Jardim das Cerejeiras é a
peça onde mais "nada acontece" - o que temos é um deslumbrante lirismo
e o foco nas relações humanas, ou em cada universo pessoal. Sua cor é o branco das flores. Cada personagem tem sua filosofia de vida, nos mergulha na sua linguagem. A romântica aristocracia
tinha um amor ao belo - o que falta à burguesia sem poesia - mas também era
tola a ponto de "viajar à Paris" com o dinheiro enviado para comprar a
casa. Cada um tem sua razão - não há forças para o embate dramático.
Aqui, tudo é agitação. Temos um comerciante, jovens senhoritas, um contador, um criado malandro, um velho criado, um estudante, proprietários... Parece que Holbein usou uma técnica de "câmera clara" no seu quadro "Os Embaixadores", que era a colage de múltiplos reflexos espelhados para formar um todo. Seria uma tapeçaria de fragmentos da luz. Todos estão entrando e saindo, a comédia é mais visível. (Mesmo assim, muitas vezes prometem ir e nunca vão). Todos têm seu aspecto de ridículo.
Mas o século XX não parece
poder ver aqui muito humor. "Quero viver ou dar um tiro na cabeça?" -
diz Epikhodov. O peso do real ("Em agosto, a propriedade será
leiloada") talvez soe, para quem já viu Hiroshima, muito além de uma
"punição pelo riso".
Tchekhov, o mestre do amor universal, descreve em suas cartas com certa frieza irônica seus personagens: Irina é "uma criança, alegre do início ao fim"; Vária é "uma mulher limitada, de roupa preta, que parece uma freira chorona, etc..."
Mas me
parece que a forma correta de interpretá-las é justamente buscar esse outro
lado - Liubov não como "criatura de moral duvidosa", que dá um dinheiro
que não tem (o que aparece por si só se não for enfatizado), mas como uma
pessoa comum, perdendo sua juventude, tentando lidar com sua perda, negando-se
a aceitar o novo mundo "vulgar". A grande dama triste nos emociona
por não aceitar cortar suas cerejeiras... Ela acolhe o "camponesinho"
que chora. Tão humana e capaz de dizer: "E agora, como rareia seu
cabelo..."
Há uma fala do estudante Trofimov que parece um ponto central, ainda que tudo em Tchekhov seja relativo, e nunca se possa encontrar a "moral" definitiva: aqui, ele diz, todos "filosofam e discursam sobre temas elevados" enquanto "os trabalhadores se alimentam como animais". Mesmo relativizado pelo ponto de vista de um estudante que quer “mudar o mundo”, a crítica é contundente. É perigoso amar a arte mais que a vida. Tchekhov vivia a época em que a colônia penal servia para explorar as minas de carvão - denunciou como o Estado servia a interesses privados. Enquanto a mística do Império falava no Pai de Todos, imagem de Deus.
A peça é plena de luz e graça - névoa, flores e álamos. Uma orquestra inteira que faz poesia. A nobreza - mesmo com a hierarquia fixa da monarquia - parece ter uma diversidade de valores: hoje, a riqueza demonstra achar que a cultura atrapalha, é inútil. A ameaça do progresso, que pode ser pior; a cidade contemporânea é demolição e reconstrução - o ruído é nosso novo cantar de pássaros; o jardim das cerejeiras vendido num leilão é a verdadeira tragédia. Ainda mais para nós, que pedimos um pouco de beleza, enquanto a ambição semeia milhões de mortos.
Acabamos amando cada um desses seres imperfeitos como amamos a natureza - também ela plena de luz e sombra. Obra-jardim, nos coloca num estado poético, como se víssemos o nascer do sol. “Oh meu belo jardim... Minha vida... minha juventude... Adeus. Adeus!”
Afonso Jr. Lima
domingo, dezembro 12, 2021
VIDA
Rita Hayworth estava estreando seu novo filme. Rubens lançava sua novo game.
Era quase Dia da Edição, quando você podia rever seu ano e ficar com os melhores momentos. Nessa festa, na qual cada casa tinha sua árvore de luz, era realizada uma cerimônia criando um avatar para um "real" capturado recentemente. O discurso do Presidente do Conselho contava do mundo horrível antes da duplicação.
As pessoas tinham no máximo 17 anos. Quando chegavam aos 18, O Ano de Despedida, a memória era atualizada, ficando apenas 30% do registro. Era o necessário para programar, vender e comprar. Pelo eixo dos olhos duplicados se sabia o desejo. O sequenciamento também era obrigatório para viver em VIDA. Foi o fim das cirurgias plásticas.
domingo, dezembro 05, 2021
hoje você não
eu também desapareço
estava você
e não
vieram os soldados
vieram as bombas
meu coração
tinha paredes de metal
que você fez
frágil fortaleza
o mundo não é do grito
é das manhãs, que persistem
Afonso Jr.
faça você verde
bicho tinha o rio
bebia o rio
água mãe
bicho sabido subiu
ponte de vidro
pro céu fumaça
queimou rio
foice na face
bebe sujo bicho
lixo no fluxo
bicho contra bicho
bicho exportação
fome de bicho
roer o próprio osso
rio pesado
veneno na veia
laços de sangue
cantiga do rio de dentro
rio na veia
laço no próprio pescoço
água que corre
mata a sede
bicho mata bicho
na corrente
ao vivo se acha o bicho
caule pouco vivo sozinho
se perde estéril estrada
água se vende
sempre tem outro bicho
tem pé memória
contra a corrente luta a história
alvorada na nova cidade?
outro monstro?
Afonso Jr