Num hotel de luxo em Harrogate, fui recebido por Sir Arthur e Mary Clarissa. Ela se desculpava por ter comentado sobre um tema delicado com o velho escritor em uma festa em sua casa, mas chegara a imaginar que o espiritismo me ajudaria. Por acaso, Sir Arthur havia recebido uma carta em que uma senhora contava uma história muito parecida.
Quando eu era Chefe de Polícia em Bruxelas conheci a jovem Miller que passava por Paris com sua mãe em direção ao Oriente. Nós nos encontramos novamente por acaso durante da Guerra quando cheguei à ilha como refugiado. Ela trabalhava como enfermeira na época.
Ela me convidou a sua casa. Na conversa, entre bolinhos e chá, contei-lhe de um menino que adotara na Bélgica, órfão.
- Eu sempre disse, Mary Clarissa, que o porquê do crime é o que hoje se busca; que sou especialista, na verdade, na psicologia dos assuntos criminais. Pois bem, é justamente o porquê que aqui me falta.
O menino, muito alegre e sempre disposto a ouvir lindas histórias, desaparecera misteriosamente durante uma viagem de navio que fizemos pelo Adriático. Houve uma tempestade, as ondas pareciam prestes a virar a embarcação; na confusão, eu deixei o menino na cabine enquanto ajudava a acalmar os passageiros; quando voltei já não estava. Revistamos todo o navio, o capitão e eu, depois que as coisas se acalmaram, avisamos a polícia ao desembarcar, por meses tive esperança de que o encontrariam.
Depois, eu e ela ficamos sem nos falar algum tempo. Um dia, recebi sua ligação. Ela perdera sua mãe, seu marido a abandonava, ela me disse que devíamos nos encontrar. A. C. D. estaria presente.
Eles me contaram que Sir Arthur recebeu de uma amiga sua em Dublin uma carta em que ela contava que sua vizinha, sra. M., estando adoentada, resolvera contar-lhe a verdade sobre seu filho adotivo. A senhora veio a falecer, e a dama perguntava ao escritor se deveria por fim contar o segredo como a outra solicitara.
Há muitos anos, em viagem pelo Adriático, em meio a uma tempestade, um menino de seis anos, de origem belga, se refugiou em sua cabine. Ele lhe contou que um homem o havia sequestrado e o mantinha cativo. Ela acabou falando com o capitão, e ambos decidiram esconder a criança. No dia seguinte, o menino começou a dizer que era tudo uma brincadeira, e que queria seu pai. O capitão achou tratar-se de uma espécie de "síndrome de amor ao criminoso", ou mesmo de medo de ser descoberto. Um médico presente no navio foi consultado. Ao mesmo tempo, desconfiaram do policial belga com cabeça de ovo que circulava pelo navio muito nervoso. Ele resolveu medicar a criança, e ele passou praticamente desacordado até saírem do navio, o que se deu o mais rápido possível.
Somente depois de chegados na Irlanda, na sua propriedade ao lado da cidade, ela foi percebendo que a história do pai adotivo poderia ser real. Mas, nesse momento, seu marido já se afeiçoara à criança, e ficou com muita vergonha de revelar isso a todos. Por fim o menino foi se adaptando, e seu passado ficou como uma aventura distante.
Mary Clarissa, nesse momento, foi surpreendida por um músico da orquestra do hotel, que lhe perguntou:
- A senhora não é aquela escritora de mistério?
Sabíamos que nossa paz havia acabado. Nos separamos, e eu decidi ir a Dublin conhecer meu filho.
Afonso Jr. Lima
Um comentário:
Adorei a história! Triste para uns, alegre para outros!
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