O futebol não é muito meu campo. Sou o que se poderia chamar de afutebístico.
Quando cheguei na Argentina via um rosto por todo lado e demorei algum tempo para saber que era o Messi.
Fui criado com a ideia de que os argentinos eram violentos em campo, eram "nossos inimigos".
Além disso, o mundo do futebol acabou significando para mim o entretenimento do homem banal, alimentado pela força da máquina publicitária.
Mas esse time me encanta. Muito pelo seu sorriso. Toda a ideia agora é compartilhar.
Eu vejo - naqueles dois minutos de Twitter - uma equipe que trabalha em conjunto.
Algo que não parece ocorrer com o Brasil.
Uma coisa que me chamou a atenção foi a forma que com que os argentinos torcem. Parece que, no Brasil, o jogo é um ruído só, um ritual de impulsionar e xingar coletivo.
Na Argentina, reina a concentração. Somente os gols geram barulho.
Mesmo as vitórias levam alguns minutos para serem processadas.
Eu vi uma casa com as janelas abertas para que a gente na rua pudesse ver o jogo.
No metrô, de repente, não são átomos sendo circulados pelo poder, mas uma esperança única em coro.
- Me quiero morir! La puta madre! - o sofrimento compartilhado retira o véu do eu ilusório.
Algo interessante, porque, em geral, se poderia ver a nacionalidade como uma construção de alguma elite preocupada em defender suas fronteiras e dirigir o ódio.
Mas de repente, no mundo brutal do capitalismo que tende ao seu ponto zero - a escravidão - surgem gestos de esperança e coletividade.
Os condutores do metrô e do trem buzinando nos dois sentidos antes da partida. O auto-falante cantando com os jovens de dentro.
Obviamente o sofredor coloca uma medalha simbólica de vitorioso - o que talvez ajude o sistema a seguir - e algum poder consegue cobrir-se com o brilho do vencedor na foto, mas além disso, existe uma generosidade no trabalho coletivo que abre um espaço. Por um momento as mentes trabalharam em conjunto e o desejo do eu era de que o todo triunfasse.
É a libertação da onda de hostilidade que fundamenta a luta na sociedade atomizada.
Minha raça, minha família, meus filhos, meu corpo. O homem comum está sendo treinado no domínio sem limite pelo poder que detesta o saber coletivo.
São bandeiras, espuma, crianças, muita festa pelas ruas. Antes de que o álcool torne tudo mais opressivo.
É algo que os seres humanos fazem e que não pode ser totalmente apropriado. Como a arte.
A arte da concentração desse time é espantosa.
E a percepção de Messi no tempo ínfimo de um pênalti transborda.
A alegria do povo é contagiante. Nessa alegria, a agressão do cálculo é desintegrada pelo menos num instante. O sonho da aristocracia é um pesadelo de tristeza para o povo.
O sorriso de Messi abriu, para mim, uma nova percepção do jogo.
De repente, futebol rima com o novo.
Ajr
Nenhum comentário:
Postar um comentário