Pronunciamento
na Audiência Pública pela declaração de utilidade pública do
Cine Belas Artes – Assembleia Legislativa de SP – 25 de abril de
2012
Nobres
deputados, representantes.
Nobres
cidadãos, representados.
Começo
com uma citação:
“Dante
(Ancona Lopez- um dos sócios fundadores do Belas Artes) foi nosso
melhor exibidor. Sem seu exemplo São Paulo não se teria tornado uma
capital do cinema, uma Cinecittà”.
Augusto
Calil – Secretário Municipal de Cultura
Meu
nome é Afonso Jr. Lima, historiador, Mestre em filosofia pela PUC,
escritor.
Sou
gaúcho e moro em SP desde 2007, quando me tornei sócio do Cineclube
Belas Artes, assistindo dezenas de clássicos praticamente de graça.
Hoje
eu falo em nome de uma população inteira.
A
cultura nos ajuda a criar uma sociedade mais tolerante, uma
consciência coletiva e a recriar o mundo, através da imaginação.
Sem cultura – a nossa tradição local e a herança universal - nós
nos desumanizamos.
Poucas
vezes se viu um tema com uma unanimidade semelhante: todas as classes
sociais, todas as idades.
Se
estamos aqui hoje é porque a cidade foi abandonada por seus
representantes à nível municipal, porque a vontade da população
foi ignorada.
Alguns
números:
90
mil apoiadores na página do Facebook criada pelo estudante de
direito Thiago Albejante em janeiro de 2011, antes do fechamento.
16
mil assinaturas somente no abaixo-assinado virtual criado pela
jornalista Caroline Santos. Há muitos outros.
Uma
floricultura pediu aos clientes que escrevessem uma mensagem ao
Belas Artes. Mais de 450 depoimentos – inclusive de celebridades -
foram então pendurados em uma àrvore, na entrada do cinema, e
rosas colocadas no mezanino do prédio.
O
Movimento colocou uma banquinha no Conjunto Nacional recentemente:
colhemos em média 800 assinaturas por dia do fim de semana; quase 7
mil assinaturas em sete dias.
Esse
fechamento foi eleito o maior erro do ano pela enquete da Folha, com
quase 4 mil votos.
1.800
pessoas frequentavam o BA em cada dia do fim de semana e dias de
promoção. Inúmeros festivais, cursos e palestras se realizaram
alí.
Apresentarei agora
exemplos do poder público investindo no cidadão e defendendo a
identidade cultural.
O
jornal Valor Econômico de 20
de maio de 2011 noticiou:
O
número de livrarias no Quartier Latin passou de 225 para 124 na
última década. (...)
Para
estancar esse esvaziamento e evitar a descaracterização do bairro,
a prefeitura de Paris decidiu
incentivar a abertura de livrarias. O método utilizado é simples:
apoio financeiro aos comerciantes, com aluguéis abaixo dos níveis
de mercado.
Na
Argentina, atualmente, o cinema mais importante da Aamérica Latina,
tendo inclusive ganho um OSCAR, sabe-se que:
Desde
os anos 1990, o Instituto de Cinema Argentino (ICAA) investia em
algumas salas urbanas para criar um espaço dedicado exclusivamente
ao cinema argentino. Mas, em 2003, optou-se por expandir essa
prática: além da Sala Tito Merello, o Instituto alugou o Cine
Gaumont e o Teatro de La Comedia.
A
ideia por trás desses cinemas era a de livrar-se dos caprichos dos
exibidores, que, em geral, consideram os filmes nacionais mais
arriscados e menos lucrativos que os de Hollywood. Desde 2004, há
uma iniciativa para abrir esses cinemas públicos em escala
internacional. Em abril de 2004, um foi aberto em Madri, em seguida,
foram abertos similares em Roma, Paris e Nova York.
Em
2005, José Serra- então
prefeito da cidade de São
Paulo, desapropirou um edifício abandonado, no número 210 da Praça
Roosevelt ao lado do teatro Espaço dos Satyros 1, a atual SP Escola
de Teatro.
A
casa da família Buarque de Hollanda, na rua Buri, 35, no bairro do
Pacaembu, foi desapropriada e tombada como patrimônio público pela
Prefeitura em 2002.
O
Rio tem projeto para salvar cinemas de rua. Noticia o site BOL de 9
de outubro de 2011:
Em
pouco mais de um ano e meio, seis tradicionais cinemas de rua terão
voltado a funcionar no Rio e em Niterói.
O
governo do Rio quer reativar o cine Olaria, transformando-o em 2012
em centro cultural, assim como a prefeitura fará com o ex-cine
Imperator, no Meier.
"Ali
há uma relação artística e mais ampla com o cinema do que nas
salas do shopping. (…)
Fazem
parte da identidade cultural e memória afetiva da cidade",
diz
Professor de cinema da PUC-Rio Hernani Heffner.
Diz
a Constituição, no seu artigo 21, sobre o direito à propriedade
privada:
1.
Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode
subordinar esse uso ao interesse
social.
A
urbanista, professora da FAU, Raquel Rolnik, comenta:
"Estes
cinemas (de rua) fazem parte do ethos cultural das cidades e bairros,
são pontos de encontro, rituais de escape, divertimento, sonho e
reflexão que extravasam das salas para as calçadas ao redor. Lutar
pela permanência destas salas, portanto, deveria ser objeto de
políticas urbanas e culturais das cidades, estados e do governo
federal”.
O cinema, assim como a
escrita, é uma linguagem que garante acesso à experiências
enriquecedoras insubstituíveis. Isso porque acessamos outras
consciências, outras lógicas, e despertamos nossas reflexões
emocionais.
Atualmente os dois ou
três cinemas de arte de São Paulo – como o Unibanco Augusta e o
Reserva Cultural (com ingressos entre R$17,00 e R$ 24,00) não dão
conta da demanda de filmes e estes ficam pouquíssimo tempo em cartaz
ou não são exibidos. O Cine Sesc oferece apenas uma sala de cinema.
Regredimos.
Preço
de ingresso de cinema em São Paulo é um dos mais caros do mundo em
torno de R$ 25 reais.
O
cineasta Nelson Pereira dos Santos afirma:
“O
problema é que o cinema saiu da rua foi para o shopping center, para
pessoas que podem ir a esses locais”.
Ele
credita ao fato o afastamento da população mais simples das salas
de cinema.
No
Belas Artes, o Cineclube cobrava apenas R$ 60 ao ano.
Era
um projeto com sessões diárias sempre às 19h, sempre com quatro
filmes ao mês (um por semana), integrando ciclos temáticos, como
homenagens a grandes diretores, atores ou atrizes, por vezes
realizando debates na sessão de encerramento.
Havia
cinco salas – as lendárias MARIO DE ANDRADE, CARMEN MIRANDA, VILLA
LOBOS, ALEIJADINHO e OSCAR NIEMEYER.
Tinha
meia entrada acessível à aposentados e estudantes. No site antigo
temos os valores do ingresso em março de 2011.
“Às
segundas-feiras, qualquer pessoa que apresentar carteira de trabalho
(mesmo estando desempregado),
ou
cartão de aposentado paga R$ 5,00.Quartas-feiras:O
valor do ingresso é de R$ 10,00.
Com a apresentação da
carteirinha de estudante, será cobrada meia-entrada.Nos
demais dias (terças, quintas, sextas, sábados e domingos)o
valor do ingresso é de R$ 18,00.
Com a apresentação da
carteirinha de estudante, será cobrada meia-entrada (R$ 9,00).
Além
disso, o acesso fácil o diferencia da Cinemateca e MIS – na
prática frequentados pelo público que possui carro.
Além
de que – e talvez principalmente - o Belas Artes faz parte do
charme da Avenida Paulista.
Há
que se levar em conta também o impacto de valorização da nova
estação Paulista do metrô contruído
pelo governo estadual (o
que o Estatuto da Cidade obriga avaliar).
Uma
das nossas maiores preocupações é com o que eu chamo de
"periferização do centro", quando a elite vai para
condomínios fechados fora da cidade e os equipamentos culturais
(assim como bares, restaurantes, etc.) quebram por causa da
supervalorização. É o estilo de vida "prisioneiros do
concreto" onde cada um fica na sua casa, sem trocas e sem
diversidade. Uma cidade de “guetos”, a era do bloqueio
comunicativo, sem comunicação significativa.
Propomos
então a declaração de utilidade pública e criação de um Centro
Cultural Belas Artes, com salas de exibição para filmes
brasileiros, de arte, documentários, animação e curtas-metragens.
Que
tenha uma Livraria (a lendária livraria Belas Artes funcionou por 15
anos), um café, como centro de convivência, sala de exposições,
auditório para debates e cursos, como previa o projeto original de
1967 dos empresários Florentino Llorente e Dante Ancona-López (de
quem Leon Cakoff, criador da Mostra Internacional de São Paulo foi
assistente no BA)
Florentino
Llorente diz à Folha de São Paulo em 09/04/1967:
“Mais do que
um cinema será um centro de cultura inteiramente aberto ao debate,
oferecendo, para isso, tudo o que a inquietação intelectual de
nossos dias está exigindo”.
Por
fim um investimento desse porte não se trata de doação, já que o
mercado da cultura em São Paulo movimenta 40 bilhões de reais ao
ano. Investir na Economia criativa, além de criar uma sociedade
saudável, é lucrativo. As futuras gerações nos agradecerão.
Afonso Lima