Eu lhe contava sobre Lizaveta
Nikolaievna, personagem de Dostoiévski, para mim uma histérica tão
perfeitamente retratada que poder-se-ia imaginar que Freud apenas deu
nome ao que o russo descrevera.
- Vou lhe contar uma coisa, ela
disse, é pessoal, mas nós somos amigos. Minha mãe me contou isso
com 92 anos, um dia que passeávamos pela Paulista a sentamos no
Parque Trianon. Meu avô era um rico barão do café, tinham uma casa
na cidade onde vinham aproveitar de vez em quando. Minha mãe foi
criada entre esse casarão e a "casa dos empregados" na
Frei Caneca, na época, zona pobre. Três parentas solteironas criavam
ali seus sobrinhos. A educação das moças era rígida, falar francês, tocar piano, não falar muito, não demonstrar sentimentos, costurar, rezar, ela foi proibida de rir de histórias que lhe contavam para não parecer leviana, andava na ponta dos pés, devia servir o chá sem ruídos e regar flores com um sorriso.
Mas um dia, quando o professor de piano bateu em seus dedos, ela teve um ataque de fúria, começou a quebrar toda a casa gritando - Eu quero homem! Eu quero homem! -e foi preciso dois criados para amarrá-la na cama. O padre veio, o médico, e até um amigo juiz. Decidiu-se enviá-la ao hospício, onde ficou um mês; depois, à casa do centro, para que ficasse longe de olhares e fofocas. Ela deveria ficar dentro de casa. Meu pai era um daqueles moços, pobre, mas que a olhava com respeito. Eles casaram em breve, viveram felizes, e é claro que o dinheiro da família nunca chegou até seus mãos. Eu nunca me arrependi, ela me disse.
Afonso Lima
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