Dizem que Picasso, ao ver, no Salão de 1907, o quadro "As Banhistas" de Cézanne, exclamou: "Aqui acaba a natureza e começa a arte!" Ele havia trabalhado até poucas semanas antes de sua morte na tela. Paul decidiu pintar de uma forma que mostrasse sua própria percepção porque achava que Manet já tinha dado o passo decisivo, nem guerreiros gregos, nem mercados turcos imaginários, não havia nada para contar. O jardim da burguesia, com moças elegantes, poetas e pintores sob as árvores, sua pincelada fria, deformante, foi duramente criticada em 1863. Manet foi grosseiro com o traço porque não gostava das damas rígidas e ricas, da minúcia de joias, o veludo e as flores nos panos dobrados de Ingres, com poses copiadas de Rafael e Herculano, soterrada há tempo. Ingres pintava para agradar os banqueiros, mas também porque achava que era preciso voltar às coisas em si, ao concreto do fato, numa época de ciência. Ele amava os espelhos e a fotografia e, acima de tudo, a Itália. Dizia que Tintoretto já usara metade de todo o vermelho e azul do mundo para deuses e estrelas, túnicas ao vento, seios e coxas, cupidos e pavões, suas narrativas fluídas, verdade da mentira, penduradas nos quartos de imperadores. Tintoretto - que disputava com Veronese o título de maior pintor europeu e as encomendas das cortes principescas depois da morte de Ticiano, em 1576 - não gostava nem um pouco das narrativas sólidas demais de Paolo Uccello, como a batalha que representara em 1438, onde cada coisa encontra seu lugar sob a luz, nada flui, tudo permanece onde Deus o colocou no Sétimo Dia: lanças fantásticas, cavalos de mármore, tecidos cor de sangue, metais pintados à ouro e prata. Picasso adorava o painel com a batalha entre florentinos e sienenses porque é imagem de uma ideia, cada coisa conservava sua individualidade e brutalidade, nada de harmonia cósmica, porque em nada parecia com a natureza.
Afonso Lima
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