"No alto da cidadela, Cassandra vê o que ninguém viu: o seu pai, o rei Príamo, traz o corpo do seu irmão Heitor. Sua voz potente exorta os troianos a realizarem um cortejo, última festa antes da ruína".
Assim acabava um conto no qual Brossolette estava trabalhando. A revista era rodada todo sábado à noite, e as esposas, namoradas, amigas dos articulistas, funcionários e editores se reuniam a eles na gráfica. Gide ou Malraux podiam passar por ali. Toda uma geração de literatos circula pelas ruas, acostumados a ir de casa em casa, café em café, editora em editora, discutindo, lendo novidades, conhecendo novos autores e consagrados clássicos. Sylvia Beach podia emprestar livros, ajudar nos saraus, publicar novatos como James Joyce.
Isso eu lia enquanto aguardava minha amiga na catraca do metrô. O caos, multidão do meio-dia, entram pessoas e seguem para a linha Amarela, ou para a Vermelha, pessoas aguardam outras pessoas, um velho pede dinheiro, um louco grita, alunos cantam.
E um homem chama o funcionário para liberar sua passagem com um cartão. "Esse cartão não funciona no metrô".
"Mas os funcionários sempre libera".
"Se liberam, estão fazendo errado".
"Moço, preciso pegar metrô".
"Já expliquei. Não posso".
"Pode sim. É casca grossa".
O funcionário conversa com um homem. Uma moça com um bebê fica aguardando que ele tire a corrente para sair.
- Brossolette era diretor-técnico da revista Marianne. Acabou fazendo parte da Resistência francesa. Com o editor da NRF, ocultava manuscritos das publicações clandestinas e os fazia circular.
"Meu senhor, estou aguardando faz tempo. Dá pra parar de falar e vir abrir essa porra?"
O funcionário retruca, ela sai atropelando com o carrinho do bebê uma senhora que entrava.
"Fomos processados por formação de quadrilha, cinco anos de processo", diz uma moça atrás de mim. "A sorte é que, quando invadimos, o reitor não estava, senão seria acusação de sequestro".
"Eles tratam educação como caso de polícia", disse a outra jovem.
- Brossolette foi pego pelos nazistas e torturado. Ele aproveita o horário de almoço de seu guarda, abre a janela do quarto onde está preso, atira-se do quarto andar. Não queria entregar os planos do general. Morre no outro dia no hospital.
"Cassandra foi assassinada por Clitemnestra com um machado ao lado da banheira na qual Agamenon jazia".
"Olá, desculpe o atraso. Tem uma manifestação".
Afonso Lima
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