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terça-feira, novembro 27, 2018

recebendo o amigo

É preciso recolher o lixo.
A cama com novo lençol, água pura.
As folhas verdes têm terra úmida.

Os seres venenosos rastejam entre folhas e lama.
O frio penetra na ruína em que nasce mato.
A noite completa dos meus passos angustiados.

Eu nunca imaginei que me trairia assim.
Eu sou apenas um eu mais forte.

Eu coloco uma toalha nova, pratos limpos, perfume no chão.
É preciso alguma comida, banheiros impecáveis.
O sol em janelas translúcidas, sabonete novo.

Eu sentia o abismo, fundo demais, eu não queria.
Meu corpo vinha me atacar, eu não podia permitir.
Segurei as lágrimas.

Eu estava seguro em minha força e cai assim.
Eu sou apenas um outro eu fraco.

Minha pele estremeceu lembrando da sua.
Eu me desespero e observo como perco tudo que conquistei.
Minhas mãos inquietas pareciam vazias.

Eu nunca parei com a alegria que passa.
A coisa que me arrasta mais forte.

O sol se põe, minha alma pensa nas coisas que vão.
Eu levanto, eu sei que nada permanece, ir em frente.
A porta, é preciso alegria serena.

Alguma beleza.

Mares monstros

monstro mundo outro mar
controle sobre o que sei
a dura censura do rei
saber mas não hoje pensar

o poeta na prisão
sem o caos não se acha o ouro
pergunta move a razão
montanhas sem tantos muros

máquina de não lembrar
não saber sobre o não sei
esquecer sono hibernei
o nevoeiro do calar 

Afonso Lima 

segunda-feira, novembro 19, 2018

Na montanha

Abro a boca cansada hoje esse mundo invisível prisioneiro
o fundo do tempo caminhar o monumento que vem opaco
A esperança exausta da mulher espanto do novo manifesto brutal
o coletivo medo na terra limpeza os que sabem cor de pássaros ameaça
Caminhando no túnel sem vento perdidos no cimento chegando em grades e soldados
fervor dos corpos não estão entendendo nada

A esperança dos negros e o cão o sol ardente e as algemas do martírio
sobem os gritos da nova cela constelação de fantasmas vingadores
O trabalho espinho tropical a mulher marginal com a faca
a arte ferida na esquina homem branco perigo mortal
Depois da alvorada e livro e fala rimada se lança
eles como rebanho as mãos algemadas a pele como destino e não

O vigia as cabeças no pátio a mãe agachada eles tiram os canos
chuva negra não pode ser tanto por buraco eles riem da nossa cara
Presos no eco do passado o dourado divino o autômato
vitimas restos na mesa do banquete a festa do santo guerreiro
Bandeira lavada na água ruim de Ipanema militarizada
luar que perdeu o mar sangue pouca tinta da pátria apodrecida
Os aviões e o suspiro do cidadão da pátria mundo expulso

Poder o grupo a canção a liberdade nasce na montanha
Vem libertação na dança já é outra nação que levanta


Afonso Lima





quinta-feira, novembro 15, 2018

A marcha

A seca parecia pior com o por-do-sol.
"Fora daqui!"
A marcha dizia que eles merecem. Seremos minoria em breve.

Uma noite caía sobre a cidade, exausta pelo calor; soldados privados monitoravam as ruas.
Johv saiu sozinho e voltava para casa. Estava apaixonado. Estava confuso.
Seu tio o observou, serviu um chá. Eles conversavam pouco.

Seu tio havia vivido num campo de detenção quando seu barco chegou.
Parlamento operante, Justiça operando, ataques de drones, barcos cheios de gente, lares devastados, guerra.
- Por que não podemos falar sobre nosso medo?
- As festas místicas, eu já fiz isso.

Comeram.
Ele finalmente disse:

- Você sabe.

Eu vivia no caos e na confusão.

Prometeram me proteger. Eu tinha 19.

Tinha problemas com meus pais. Eles diziam que era auto-defesa. Foi lavagem cerebral.

Tivemos uma festa teatral, irmãos, mãos dadas.

Devíamos manter a desigualdade, era um ritual, desde crianças, bebês, a ordem ia voltar.

Nós éramos fantasmas do inferno.  A liberdade pedia atos de violência.

Havia um romantismo, no filme eram defensores da mulher perseguida por negros.

Os imigrantes, judeus, católicos e negros eram os culpados.

Eles queriam ganhar as eleições de 1944.

O tio acabou seu vinho. O vento da noite entrava pela janela.

Johv pulou a janela para dentro da casa dela.

Afonso Lima





domingo, novembro 11, 2018

luzes

eu sou muitos
e de tudo o que mais amo
é me contradizer
as coisas mudam elas precisam mudar
aprendemos com nossos erros
eu não sei tudo o outro não sabe tudo
eu tenho minha verdade ela tem sua verdade
o outro não é igual a mim isso me amplia
você não gosta do feminismo
pois é justamente sobre a opressão sobre as mulheres
que eu quero saber
você não gosta de falar da riqueza africana
pois é justamente a negritude bela, forte e inteligente que eu vou estudar
você não gosta de gays, lésbicas, trans, reflexões sobre gênero.
pois é sobre isso que vamos conversar
vamos pensar vamos criar vamos perguntar
o povo tem poder o povo é lindo

você pode acabar com as escolas, mas não com o livro
você pode destruir um livro, mas não pode silenciar a curiosidade
você pode destruir uma curiosidade, mas não pode silenciar a angústia
você pode prender, e o juiz pode consentir
mas você não pode conter uma nação
que pergunta

Afonso Lima