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sexta-feira, março 29, 2019

O país da mentira e a pornografia como política

Mônica Bergamo
‏- Abaixo, o guru de Jair Bolsonaro:
Olavo de Carvalho
‏"O Nhonho quer articular c* com p*a. A p* dele e o c* nosso."

Assim estamos argumentando no país hoje. Não é apenas o carnaval gritando sua revolta.
Pessoas que nunca vi falarem palavrões ou agirem de modo grotesco agora mandam memes com pornografia política.

As imagens de sexo são hoje parte da cultura, pornografia de escritório, podem ser parte de uma visão menos cristã do corpo, desconectando sexualidade e vida eterna, pecado e prazer. Não é disso que quero tratar. Nem mesmo do pornô como escândalo, uma crítica à "falta de moralidade".

Quero falar da pornografia como "res extensa" e mentira, como fabricação de uma cena de fantasia que não existe no real.

O pornográfico é o mundo sem argumentos, mera repetição, fantasia de dominação. Uma materialização do pornô seria o abuso e a violência, a falta de diálogo.

Como esses senhores não respeitam os opositores como seres complexos, seus argumentos são armas e isso nos reduz a respostas também pobres. O imaginário político do autoritário trabalha com obediência, certezas, determinação: zero de objetos imaginários e muitos "objetos" a serem explorados. Semelhante ao imaginário nazista que transformou o ser humano em animais na "luta entre raças". Semelhante à ambição predadora e amoral dos acionistas que aceitaram a governança atual como se a privatização justificasse tudo.

A mensagem de um grupo fascista é sempre: "Nossa gente primeiro". Daí surge a ideia da desumanização, a ideia de escravidão, de Império. Isso simplifica a Europa e o Ocidente como "branco cristão". "Nosso modo de vida é superior a outros modos de vida" diz o líder do partido belga "Vlaams Belang", Filip Dewinter. (The Guardian)

Tudo começou com a televisão e sua fórmula de transformar o Brasil no país da mentira. E, na sociedade em que a lei é o espetáculo, todos nós temos senso comum suficiente para concordar com aspectos da mensagem propagada pelos populistas autoritários. A "democracia" brasileira foi a pobreza de argumentos de uma televisão banqueira que ridiculariza os progressistas.

Vemos um jovem repórter chamar um entrevistado afirmando que "em 1964 até os liberais apoiaram o golpe". Refere-se aos militares, industriais ou os "liberais" da família Marinho?

Como a mentira pode vencer? Vejamos o ensino médio:

"Em matemática, 71,67% dos alunos têm nível insuficiente de aprendizado. Em português, 70,88% dos dos alunos têm nível insuficiente de aprendizado, sendo que 23,9% estão no nível zero, o mais baixo." (G1)

Agora temos um mecanismo operando mentiras de massa, achando a mentira particular, capaz de fazer pessoas progressistas divulgarem notícias sobre "direita e esquerda seres iguais" (para que surjam heróis procuradores ou militares) ou que "o Supremo Tribunal Federal é um grupo de bandidos" (para que se possa destruir a Justiça, já tão corrompida por interesses privados).

O mecanismo pode minar as instituições:

"O atual presidente do Senado (Davi Alcolumbre) já está acostumado ao descumprimento de decisões judiciais e ao enfrentamento do STF.... Sim, a lama da cassação politiqueira também pode alcançar as togas do Supremo Tribunal Federal. Se praticarem crimes de responsabilidade, os ministros respondem da mesma forma que o presidente da República, e recebem as mesmas penas. A guerra fria entre Senado e STF começou." (The Intercept - Brasil)
Logo após o tiroteio em uma escola, o que levaria a um questionar do discurso à favor das armas, circulava nas redes "o verdadeiro culpado": a falta de Deus no coração. Assinatura falsa com o nome de um padre popular.

Uma conhecida afirma que a educação estaria bem pior na mão dos "esquerdopatas". Mas, e os fatos dizendo o contrário?

No YouTube, milhares assistem à tese de que as revoltas contra a opressão são "marxismo cultural", que controla imprensa, museus, teatro e cinema, associações (exemplo da Associação Brasileira de Recursos Humanos), "ONGS e seus recursos" e a Igreja.

Nosso chanceler consegue afirmar novamente que o "nazismo é de esquerda" - o que é falta de estudo ou de caráter.

Negar a ditadura ou criar um "pacote anticrime" punitivista é apenas um passo nessa nova sociedade feudal-fake da manipulação do ressentimento.

Prisão e sangue como solução. Senador Lasier Martins (Pode-RS):
— Isso não impede que o projeto anticrime seja também discutido, porque envolve uma das maiores prioridades do Brasil... haja vista que nós não conseguimos ainda nos livrar de uma criminalidade que se dissemina dia a dia por todo o Brasil. É preciso, então, que haja uma legislação que regulamente melhor e que puna melhor — disse.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, no Senado, tenta acusar os senadores de se aposentarem com "20 vezes o que ganha um trabalhador". E tenta impedir a senadora Kátia Abreu de corrigi-lo.
A sociedade de controle mental da televisão se torna, para quem percebeu que existe a massa sem informação e com voto, a sociedade da repressão do pensar, onde cada fato descontextualizado serve num xadrez de controle total.

Milhões de mentiras por WhatsApp colocam em risco a democracia? Parece que a democracia não estava preparada para combater as massas desinformadas alimentadas por sutil propaganda de guerra de classes.

No twitter, um grupo de 5.843 perfis atua para defesa do governo.

— Os dados revelam que perfis atuam deliberadamente tentando impor uma narrativa em relação aos fatos. Como essa rede parece não ser 100% orgânica, ou seja, não é uma rede plenamente espontânea, isso leva a crer que há um mecanismo forte agindo por trás dessa máquina — afirma Sergio Denicoli, diretor de Big Data da AP/Exata, empresa especializada em análise de redes sociais. (O Globo)
Em 2011, dizia Manolis Glezos, representante da esquerda, sobre as medidas de austeridade trágica que favorecia os bancos alemães e franceses donos da dívida grega:

“Foram decididas pela União Europeia e pelo FMI. Agora, estamos sob supervisão externa, o que coloca questões sobre nossa independência econômica, militar e política”.

A tática de Steve Bannon é vender o que se quer comprar: fala de "administrar seu próprio destino" (quando, como vimos, tanto a globalização como a União Européia parecem reféns de banqueiros/acionistas), mas o presidente colonial (que não participou de debates) vai submeter-se ao mestre Trump e entregar o Brasil nas mãos de uma potência estrangeira.

A televisão noticia que uma rede de pedófilos foi desmascarada ("100 pessoas"). O nome "USP" aparece. Os detalhes ficam ocultos no fluxo. A resistência à selvageria colonial do pensamento argumentado é apagada pela notícia pornográfica.

A diretoria da FFLCH responde:
"Por que o aluno não foi preso na sua residência, como seria típico de um flagrante? Para quê interromper aulas com armas à vista na Universidade? Para quê mobilizar duas dezenas de policiais uniformizados e com uso de metralhadoras para prender o acusado nos prédios da USP?"

Afirma o jurista Lenio Streck:

O interessante é que, hoje, o juiz ou tribunal, para conceder HC, sente vergonha e tem medo da opinião pública (quem é ela, afinal?). Teme-se também o primeiro comentário (eles sempre sabem antes de todos) disparado pela Globo News... Na escala “Richter-Raiva” de terremotos discursivos, dos jus filósofos Merval e Camarotti, uma concessão de HC alcança facilmente os 8 pontos dessa escala. (Conjur)

Bannon teria percebido que existem milhões de jovens brancos que vivem uma realidade paralela e usam o tempo em jogos. Muitos "se reúnem em fóruns de discussões na internet, onde falam sobre sua solidão, sua insegurança ou sobre a frustração por não conseguirem se relacionar." Alguns atentados foram promovidos por esses "incels" (celibatários involuntários), que encontram no mundo virtual "uma subcultura que os incentiva a afundar na própria amargura" (BBC).

Segundo SergeantIncel, o administrador da página incels.me: "Na prática, isto vai além de simplesmente fazer sexo e entra no reino de não ser capaz de encontrar um parceiro, seja para obter validação, amor ou aceitação." (El País - Uruguai)

Como deixamos que tantas pessoas não se sintam capazes de lidar com a realidade? A verdade dessas vidas não encontrou significado para fugir ao ódio.

Mobilizar o instinto e simplificar, num mundo irreal, a teia das relações. A verdade parcial sem contexto é pornográfica.

O mecanismo de exclusão fascista fala em "lei e ordem", "Ocidente judaico-cristão", "família tradicional", "estrutura da sociedade", "guerra contra o marxismo cultural"... O que falta?

"Alguns dos artigos publicados (no portal Breitbart) lembram com nostalgia da bandeira confederada do sul escravagista na Guerra de Secessão e beiram o antissemitismo." (RFI)

Já foi dito de Bannon que planeja assumir "os establishments de ambos as partidos, os capitalistas de camaradagem." (Joshua Green)
Seu filósofo inspirador Julius Evola (teorista de Mussolini) falou em "restaurar ao Ocidente uma civilização tradicional" que estaria sendo destruída desde o Iluminismo. (As teorias da conspiração são alimentadas nesses grupos).

Para Julius Evola, os nazistas seriam admiráveis por pregar "a reconstrução da autoridade do Estado e a ideia de superar o conflito de classes em direção a uma formação hierárquica e corporativa, em certa medida, de um estilo militar e disciplinado dentro da nação, além de algumas de suas propostas anti-burguesas". (Democracy Now).

A sociedade pós-colonial pode estar sendo demolida pela ideia de superioridade de raça e liberdade total da elite para extrair lucro. Com seu apego ao "sangue e solo" de tom nazista, o cristianismo de combate parece não deixar saída para aquela parte da humanidade que precisa fugir da guerra, da opressão ou da miséria.

Como disse Bernie Sanders, a democracia tem a ver com decisões baseadas na verdade. A verdade é sempre complexa, a raiva cega. A opinião pública parece estar sendo moldada sem reservas por interesses poderosos, que ajustam táticas diariamente mirando alvos na escalada pela tomada de poder. Somente a luta pela verdade

Afonso Lima

https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/08/30/7-de-cada-10-alunos-do-ensino-medio-tem-nivel-insuficiente-em-portugues-e-matematica-diz-mec.ghtml

https://www.conjur.com.br/2018-jan-18/senso-incomum-lavajatolatria-carnaval-habeas-corpus-gilmar


https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/03/27/para-moro-tramitacao-do-pacote-anticrime-pode-comecar-pelo-senado

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