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quarta-feira, julho 03, 2019

O pacote criminoso, a outra narrativa e o Movimento Autoritarismo Internacional

“Estou apavorada. A prisão preventiva virou uma espécie de arma à disposição dos juízes para calar. Isso é ditadura, desculpe. A ditadura está implantada de uma forma bem perversa. Tenho medo por todos nós”.
Daniela Thomas, cineasta em entrevista ao TUTAMÉIA 



Hoje, a Freedom of the Press Foundation soltou nota sobre a ameaça de investigação do jornalista Glenn Greenwald, que divulgou conversas ilegais entre juiz Moro e procuradores na Lava-Jato, pela Polícia Federal: “não é apenas um ataque ultrajante à liberdade de imprensa, mas um grosseiro abuso de poder”. 


Assisti ao debate sobre o chamado "Pacote Anticrime" apresentado pelo mesmo personagem, agora ministro da Justiça, no lançamento de uma campanha na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, assim como à Audiência Pública sobre o tema na Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara dos Deputados em Brasília.  



Do primeiro participaram Simone Schreiber, desembargadora federal, membra da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Maíra Fernandes, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Renata Neder, coordenadora de pesquisas da Anistia Internacional, Ivanir Mendes dos Santos, que teve seu filho assassinado pela polícia, da Frente Estadual pelo Desencarceramento, Emmanuel Queiroz, que coordena a Defensoria Criminal da Defensoria Pública do Rio, entre outros. 



Simone Schreiber lembrou a fala do atual presidente no Jornal Nacional em agosto de 2018: "O policial, se mata 10, 20 ou 30, ele deve ser condecorado. Vai dar florzinha pra ele? Tem que atirar”, disse o então candidato. 



Logo no início do debate se salientou que o projeto seria "mais do mesmo", sendo que se compromete fortemente o direito de defesa do cidadão, aumentando a segregação do jovem negro e periférico. 

Além disso, a nova lei iria dar validade jurídica às ações injustificadas atualmente em prática, aos abusos de autoridade e ao extermínio puro e simples. 

Acabaríamos por Ignorar as jurisprudências do Supremo Tribunal e até mesmo marcos civilizatórios como a presunção da inocência. Isso levaria à termos mais pessoas inocentes punidas, ou seja, pena de prisão sem pleno direito de defesa.

Como afirmou, na Audiência na Câmara, a defensora pública do Rio de Janeiro Lívia Casseres, já existe no Brasil um duplo padrão de condenação, uma subcidadania. Agora se reforça essa lógica de inimigo do estado, misturando a função do Exército, a defesa nacional, com a responsabilidade pela segurança interna, numa "guerra contra a população".

Segundo a deputada do PT, Erika Kokay, esse governo trabalha com "soluções mágicas". A desumanização simbólica, que leva à desumanização literal. "O Brasil vive reeditando as coloniedades, onde os seres humanos são considerados propriedades, e que, se se rebelam no seu ser como propriedade, devem ser eliminados". 

Parece que - na lógica da força - valeria tudo nessa "guerra", não haveria "direitos" do inimigo. Seria a política de segurança do "tiroteio", até mesmo a dúvida em saber se alguém é "cidadão de bem" justificaria uma morte.

Renata Neder, no debate no Rio, colocou que de certa forma os grupos progressistas não ouviram suficientemente o anseio legítimo da população por segurança, o que abriu espaço para soluções falsas e mobilização política do medo. 

Luiz Nassif afirmou esses dias no seu canal que a Justiça foi usada como ferramenta do estado para atacar adversarios. Parece que temos governantes em flagrante ataque à Constituição de 1988 e às instituições. 

Outra fala daquela entrevista ao Jornal Nacional deveria chamar a atenção: “Deixe os historiadores pra lá”, disse Bolsonaro. 
Penso que, na lógica das máfias, apenas uma autoridade é permitida. A autoridade da ignorância deve calar toda a autoridade baseada no convencimento. (Não ajuda o século XX ter criado uma suspeita tão grande quanto à verdade.) 


Até hoje, tivemos os "formadores de opinião", um grupo pequeno de especialistas, ativistas, jornalistas, artistas, tentando lutar contra a arbitrariedade de uma república desigual com séculos de violência estrutural. A cidadania avançou depois de duas décadas de império do terror alinhando o discurso legal ao padrão internacional, padrão estabelecido depois do Holocausto.  



Mas o pouco investimento em educação, a censura corporativa e o bloqueio comunicativo dos meios cobram seu preço. 



"Só matando uns quantos" - quem nunca ouviu isso de algum taxista? Já vi taxistas de esquerda, mas esse profissional parece ser um símbolo do cidadão com algum ganho e pouquíssimo tempo de estudo, o tempo neoliberal que só admite investimento para o lucro. O mesmo do aposentado-monstro, cego com o medo de perder seu patrimônio. 



O pânico, a solução mais rápida, a ética do lucro criou a república dos taxistas, alinhada com uma facção da casta jurídica contaminada por preconceitos nunca questionados. O "abuso de poder" está sendo propagandeado como passaporte para a completa dominação numa certa classe média desejosa de se livrar de qualquer compromisso civilizatório.

O perigo é que a verdade não conte mais, apenas conte meu ódio e preconceito - "não importa, ele é um de nós" - como comenta Matthew D´Ancona em "Pós-verdade" (Faro editorial). A Lama Jato foi uma campanha publicitária para abrir espaço aos candidatos de direita pró-eles-mesmos livrando-se da esquerda pelo irracional.


Ainda falando sobre a entrevista no Jornal Nacional, lembremos que "o candidato a vice na chapa do ex-presidente Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad, não foi convidado". (Rede Brasil Atual - 29/08/2018). Isso nos fala da cumplicidade do sistema midiático-corporativo, o medo de uma outra eleição da esquerda. 

Agora, a massa miserabilizada será encarcerada. E depois de 350 anos de escravidão, abandono, fazer os encarcerados produzirem lucro, em prisões privatizadas, para o capitalismo.

"O progresso social dos últimos anos cria ressentimento nas camadas de cima que se veem ameaçadas em razão do progresso dos mais pobres..." (Paulo Moreira Leite, A outra história da Lava-Jato, p.100) Isso parece se confirmar com os xingamentos nos grupos do Facebook (em geral dos moradores de bairros que lutavam contra a especulação imobiliária 6 anos atrás) em que fui incluído - fico a me perguntar se temos mesmo uma classe média democrata, independente de direita ou esquerda.

Não é uma surpresa que o caçador jurídico seja também quem propõe um projeto racista de encarceramento em massa, com liberdade para matar e acordos sem julgamento. Às vezes, me pergunto se esse não é o projeto de país de grupos armados.

Infelizmente, isso ocorre em outras partes do mundo, o fomento ao autoritarismo e à supremacia “nosso povo”.

Na Índia, "os jovens mais frustrados estão a tornar-se uma tropa de choque “ao serviço do mais virulento nacionalismo hindu”, afirma o jornalista (Público, 03/03/2018)

"A Índia está testemunhando uma repressão maciça contra advogados, jornalistas, ativistas e defensores dos direitos humanos, que têm criticado o Estado", disse a Anistia Internacional (BBC, 28/08/2018). 

Na Hungria, segundo Ákos Hadházy (do partido LMP), o executivo investiu, nos dois anos anteriores à eleição parlamentar de 2018, mais de 320 milhões de euros de dinheiro público em propaganda destinada a 60% da população húngara. “A eleição não foi uma luta justa”, afirmou (Público, 9/04/2018).

Na Polônia, o partido de Jaroslaw Kaczynski, Lei e Justiça (PIS), já realizou profundas reformas no sistema jurídico. Afirma o cientista político Aleksandr Smola:

 “A promoção das origens cristãs e democratas é a base de sua ideologia, mas o partido também difunde um discurso de ódio contra o multiculturalismo, as mudanças sociais, os gays, feminismo e até os ecologistas".

10 anos depois do golpe de 2009, segundo o ex-presidente Manuel Zelaya, Honduras, atravessa uma ditadura.

"Aqui, há leis militares que invadem o âmbito civil. Foram suspensas as garantias constitucionais, tem-se centralizado o poder, o debate, assim como a democracia... Violaram a constituição: o presidente não podia concorrer a um novo mandato e, ao invés disso, ele o fez e agora está ganhando as eleições com fraude. Aqui há uma ditadura montada e está aprovada por Washington". (Brasil de Fato, 11/12/ 2017)

Segundo Rodrigo Lentz, ex-coordenador da Comissão de Anistia e doutorando em ciência política da Universidade de Brasília, o ativismo político dos militares brasileiros vem desde a fundação Escola Superior de Guerra, em 1949, que pensa as Forças Armadas em relação com os "objetivos nacionais". Para ele, os militares poderiam estar até mesmo por trás da guerra tecnológica na campanha eleitoral, já que formaram oficiais para atuar em redes sociais.

Ele afirma:

"O Brasil sempre esteve em guerra, na visão dos militares... A própria Lava Jato fez uso de métodos que eram largamente aplicados pelo direito penal brasileiro, especialmente contra negros pobres.... Há um alinhamento geopolítico com os Estados Unidos que é doutrinário e tem uma longa tradição". (Sul21 - 24/06/ 2019)

Com medo do conflito global, alinhamento automático com EUA, defesa do mito corporativo. Pelos formados na década de 70, a multipolaridade não foi aceita. Para um Exército colonial, o povo é o inimigo...

A nova missão do Exército, à qual somam-se os anos passados sob influencia positivista, parece ser a de manter a "ordem interna" e preservar a pátria de seus inimigos internos... 

O modelo militar francês desenvolvido durante a guerra da Indochina é aplicado na Argélia e responde a uma exigência de prevenção de conflitos, baseada numa reflexão sobre o papel político do Exército, conforme o pesquisador Rodrigo Araujo (Universidade de Toulouse 2).

Parece que os miltares da reserva, com um sentimento de medo diante das mudanças, ou "subversão", estão até mesmo em choque com o pensamento conservador, mas realista, dos militares da ativa. O que não invalidada uma união corporativa mais ou menos automática em face do "perigo" externo/interno, comprando a narrativa da corrupção num só partido. 

São muitas as declarações dos membros do Executivo contra o Congresso (desenhado no período da redemocratização), o qual durante os governos progressistas foi uma barreira ao avanço social, mas agora mostra que pode ser barreira à tirania. 



Enquanto vai se criando um estado policial, cai a popularidade do governo, torcidas de futebol vaiam o presidente e o ministro de Justiça visita a agência de espionagem americana. É a luta da caneta do Planalto e seus congressistas policiais contra as redes da sociedade organizada. O desafio agora é saber até que ponto as instituições e a "opinião pública" podem sobreviver ao ataque de uma máquina governamental privatizada e ao avanço da propaganda mentirosa.  



AJr

https://www.youtube.com/watch?v=wa19hQB55Gc

https://www.facebook.com/pg/pacotefake/posts/?ref=page_internal

https://www.youtube.com/watch?v=87b3k7pkdxE

https://www.brasildefato.com.br/2017/12/11/ha-uma-continuidade-do-golpe-de-estado-de-2009-em-honduras-diz-manuel-zelaya/

https://www.publico.pt/2018/04/09/mundo/noticia/no-inclinado-terreno-hungaro-foi-orban-quem-mandou-1809723

https://www.bbc.com/news/world-asia-india-45328323?fbclid=IwAR1tSL_HZAvcIGTBqllgEttWgdWMNUAR8f3iooS_kos5DPAwY-bf0-LMFwE


https://www.publico.pt/2018/03/03/mundo/analise/pesadelos-da-india-1805239

https://www.democracynow.org/2019/5/23/india_loses_again_and_the_world

https://tutameia.jor.br/prender-preta-e-injusto-e-vil-diz-daniela-thomas/?fbclid=IwAR1FrYYh-6V6zw5W385cN09IEvUUi3GSpQe0psjaldV_a9N_CrN5-lMXlYI 

ARAUJO, Rodrigo Nabuco de. A influência francesa dentro do Exército brasileiro (1930 – 1964): declínio ou permanência?. Esboços: histórias em contextos globais, Florianópolis, v. 15, n. 20, p. 245-273, abr. 2009. ISSN 2175-7976. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/2175-7976.2008v15n20p245>. Acesso em: 04 jul. 2019. doi:https://doi.org/10.5007/2175-7976.2008v15n20p245.

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