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Seu pai viajava pelos mares, vendia coisas, foi internado num hospício. Sonhava que uma sombra vinha lhe observar na sua cama. Sua mãe lhe dizia sempre que foram as prostitutas que mataram seu pai. "As putas polonesas judias". Seu avô lhe contava histórias apavorantes no seu castelo de cidade de interior. Da luta do rei medieval contra as incursões dos pagãos. De florestas com esqueletos e indivíduos organicamente inferiores que seriam criminosos inatos. "A grande cidade é cheia de parasitas judeus". Sempre ficava vermelho de raiva ao ver negros nas ruas, a quem chamava "semi-humanos". Lia nas revistas científicas sobre como o sol crescerá, engolirá a Terra e se tornará uma pequena estrela sombria. E a escuridão cairá sobre o cosmos. "Os verdadeiros monstros são invisíveis e estão no ar, desagregam os tecidos e se chamam Progresso". Ele tinha sonhos acordado nos quais via os monstros marinhos e as criaturas mais bizarras que imaginava terem levado seu pai à loucura. Caminhava pelos cemitérios e evitava falar com as pessoas na rua. O anonimato era algo assustador, já não respondiam a outro rosto, não eram humanos.
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A total penúria, seus anos de desejo sexual tendo passado e dado lugar a um desinteresse incomum, pequenas traduções que o alimentavam. Mal. As leis da natureza eram uma ilusão, o destino aniquilara seu lar, os deuses eram criaturas cruéis. Achou um livro que contava a história de um rapaz que lera sobre uma ordem secreta. O que vemos é resultado de dos delicados instrumentos psíquicos e mentais de cada individuo. Queria viajar no tempo, não no espaço. Um dia sentiu desprender-se de seu corpo. Nesse espaço, ficavam os sonhos abandonados. Seres mágicos e assustadores, monstros, homens perdidos que pesquisavam reinos estranhos e relações um dia familiares. Banquete no jardim do castelo de três muralhas. Cantavam nas noites lendas iraquianas, como aquela em que Alexandre, para construir sua cidade, porque destruíam à noite o que os operários faziam durante o dia monstros, teve de descer ao mar e enfrentar esses demônios com corpo humano e cabeça de feras. Carlos Magno traçava o curso das estrelas. O pensador lamentava com sua harpa a ausência de Deus. O filósofo comentou bebendo vinho que no seu tempo, a natureza tinha seus poderes, mas a nova fé a fizera triste e passiva.
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Afonso Junio Ferreira de Lima
Observa o céu, frias luzes como ilhas perdidas. E se, depois de muito tempo, o gelo brilhante e indiferente o tocasse? Ele sabia que no subsolo haviam horrores que podiam sair à superfície. Sobre a mesa, o livro com o melaficium de Conrado de Marburgo, Teosofia, e velhas edições de "Sob as luas de Marte". Pensa que as lendas antigas sobre mulheres capazes de voar haviam sido estudadas na luta contra Satanás. E se, de alguma forma, o mal se materializou, algo fosse criado da imensa ausência e do vazio? Acreditava agora que um portão se abriria, algo o acompahava há muito. Então, observando um ponto negro no espaço, entendeu que uma Outra Face o observava, e, sem palavras para dizê-lo, desenhou no seu caderno.
Afonso Junio Ferreira de Lima
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