Dois metros de neve
Exercício – aula de Ricardo Marques –
Afonso Lima
1 - (Uma mansão vazia. Livros pelo
chão, taças de champanhe e garrafas vazias. Um grupo com roupas
retrô dança algo coreografado sem música.)
Atuante 1 – Senhoras e senhores.
Daremos início à nossa celebração. Mestre Um, por favor.
Mestre Um – Celebramos
hoje a morte. Do desejo. Tudo escureceu, a neve soterrou nossos
amigos. Somente a contemplação da arte. Aplaca o desejo. Tudo
escureceu, as árvores secaram. Desejar é inútil, a neve cobriu
tudo, tudo acaba em nada. O mundo lá fora é frio e triste.
Mestre Dois – Vencerá
o Super-homem. O melhor. O sol não se levanta. Um bebê está morto
no berço. Um homem corre nu em círculos. Lágrimas frias. Desmorona
o castelo. Um show de horrores começa. A ética é uma bobagem, para
reprimir os melhores. Senhores, vamos homenagear o niilismo. Começa
agora o happening: como não fazer nada.
(Todos se sentam no chão e ficam
imóveis. Música de Wagner sobe).
2 - (Um grupo de pessoas – homens e
mulheres- com terno e gravata sobre a grama de um jardim).
Homem 1 – Cena 1. Eles estão no
jardim e desistem.
Mulher 1 – A essência
do mundo? O absurdo. Nós somos a coisa-em-si. Mergulhemos.
Mulher 2 – (Cavando o chão com um
utensilho de cozinha). Dizer o quê? Para quê?
Mulher 1 - Eu poderia
contar a queda de um grande homem, como Lúcifer, um fidalgo honesto,
usou a Constituição contra seu Monarca absolutista. Não.
Mulher 2 – Cantemos.
Conhecer a verdade da vida, o sofrimento. Um pesadelo. A verdade da
tragédia, a abdicação da vontade de viver.
Homem 1 – Quadro branco
sobre fundo branco. Vamos esperar por ele. “Sou o império no fim
da decadência”. As estrelas pararam, frias, metálicas. A sombra
mama nos seios da virgem. Um homem morreu na neve. Um espelho
melancólico congela. A vida é um pesadelo. Vocês estão vendo a
essência.
(Coro faz gestos de espanto e medo)
Mulher 1 - A loucura
como essência. O anseio de não viver. Impulso cego, força obscura,
irracional, insconsciente. Cegos, andamos sem guia, com o frio sob
nossos pés.
(Coro tira pedaços de grama do
jardim).
Homem 1 – Onde enterramos o corpo?
Abrace-me.
Mulher 2 – A razão é uma sombra
sobre abismos e horrores.
Mulher 1 - Onde enterramos? A razão é
um órgão como qualquer outro.
Mulher 2 – Paisagem
deserta. Do sofrimeto ao tédio. Só tédio ao sofrimento. Uma coisa
é bela quando não nos interessa. “Sou o império no fim da
decadência”
3 – (Uma tempestade é vista através
de uma grande janela em uma casa antiga. Uma lâmpada à óleo).
Mulher 1 – Ela já morreu?
Mulher 2 – A tempestade acalma. O
mundo é impotente para nos dar qualquer satisfação.
Mulher 1 – Será que ela vai demorar
para morrer?
Mulher 2 – Odeio a arte que é bela.
Arte pelos olhos. Arte é uma posição.
Mulher 1 – Palha, pedras, lama,
metal. O aqui e agora. Será possível viver sem significar?
Mulher 2 – Devíamos buscar um
médico? Devíamos colocarum pano úmido na sua testa? Devíamos
tentar entender?