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quinta-feira, fevereiro 28, 2019

Iguais

Primeiro foram chacinas em bailes funk e grupos de samba.
Depois, ativistas do movimento negro e indígena assassinados de forma misteriosa.
Pessoas começaram a se mudar e falou-se em ameaças de morte.
As casas de alguns bairros estavam ficando abandonadas. Apareciam compradores de olhos azuis e pele branca.
Uma investigação mostrou que bairros inteiros haviam sido dominados por um exército de robôs.
O delegado foi enviado para bem longe.
Humanos chegaram com suas famílias.
Os moradores não-brancos fizeram uma manifestação, foram fuzilados.
Um jornalista desapareceu enquanto tentava descobrir a relação dos robôs com autoridades do Executivo.
Finalmente, um jornalista descobriu áudios reveladores. Uma empresa de inteligência artificial estava tendo reuniões com o governo. Outros jornais mostraram protótipos de peles artificiais com falsa melanina.
O presidente tinha fixação em filmes dos anos 1970 com mulheres loiras e magras, e homens fortes e loiros.
A nova cara dos bairros era carros grandes, hinos de igreja e mulheres vigiadas criando soldados para a guerra.

Afonso Lima

quarta-feira, fevereiro 27, 2019

The island (English version)

(This is a rush translation. Version may not be in its final form.)
Young teenagers decide to camp on the island.
They find hidden artifacts. Talk to shamans.
They return to the city very differently and begin to murder their relatives.

*
Shamanic songs were called demonic in the good day speech of the camp chief.
The goal was to unlink the body from any memory.
All of them in one building. It had artificial pools, long ice-colored corridors, high windows to get in the sun.
Finally they could participate in progress, the president said.
They ate little. They worked hard. The sick were taken to the infirmary and many never returned.
But tortures were the worst moments.
They saw in the cinema a display of their collars, ceremonies and sacred texts being burned, and the heroism of progress.
Ashes in numbered metal boxes.
Some guards began to have nightmares.
One of them killed all the comrades in his room with a hatchet.
The concentration camp has been closed.

Afonso Lima

A ilha

Jovens adolescentes decidem acampar na ilha.
Encontram artefatos escondidos. Conversam com xamãs.
Retornam a cidade muito diferentes e começam a assassinar seus familiares.

*
Os cantos xamânicos eram chamados de demoníacos no discurso de bom dia do chefe do campo.
O objetivo era desvincular o corpo de qualquer memória.
Todos eles num único prédio. Tinha piscinas artificiais, longos corredores cor de gelo, janelas altas para entrar o sol.
Finalmente podiam participar do progresso, dizia o presidente.
Comiam pouco. Trabalhavam muito. Os doentes eram levados à enfermaria e muitos nunca retornavam.
Mas eram as torturas os piores momentos.
Eles viam no cinema uma exibição de seus colares, cerâmias e textos sagrados sendo queimados, e sobre o heroísmo do progresso.
Cinzas em caixas de metal numeradas.
Alguns guardas começaram a ter pesadelos.
Um deles matou todos os camaradas do seu quarto com uma machadinha.
O campo foi fechado.

Afonso Lima

terça-feira, fevereiro 26, 2019

Cerimônia

Ele tentava tocar todos que passavam na calçada - seus cabelos loiros sujos.
Aproxima-se do jovem de mochila sentado no metrô - olhos negros e pele escura.
O homem ajoelhado com barba grande e clara - as mãos estendidas.
A mulher negra de cócoras fazendo suas necessidades na rua.
Ali estava a mulher, cabelo desgrenhado, olhos verdes, pedindo dinheiro com raiva.
O grupo chegou silencioso, deram as mãos.
Uma jovem cantou um canto melancólico.
Os outros acenderam velas.
O lamento tornou-se um coro.
Fizeram a dança do luto.
A mulher suja ficou de joelhos, assustada.
- Estamos chorando pelo seu abandono.
Orfeu tocou seu violino, e se foram em busca do próximo abandonado.

Afonso Jr. Lima

segunda-feira, fevereiro 25, 2019

Na parede

Ela estava cheia de trabalho. A neve caíra e, agora, ia derretendo ao sol cinzento.
A casa de seus pais era grande demais para ela.
Precisava de silêncio e de reclusão. Ela praticamente não subia mais aos quartos.
A gata era a verdadeira dona, circulando com empáfia pela sala.
Sentia preguiça de buscar diversão. Ouvia ópera e bebia café.
Cruzou pelo corredor ao lado da biblioteca. Observou como que uma rachadura na parede.
Odiava ser perturbada. O céu escuro prometia uma tempestade. Não fez questão de preocupar-se.
Na manhã seguinte, pensou ver uma luz avermelhada E azulada sair da rachadura.
Aproximou-se. Na verdade, era como se houvesse uma fenda.
Como podia ser aquilo? Cor emitida pela parede?
Caminhou em círculos e pensou em ligar para a polícia. As janelas tremeram. Ventava forte.
No outro dia, viu que a gata estava abrindo a fenda com as mãos. E entrou.
Ninguém está preparado de verdade para isso: não havia uma sala atrás, mas um espaço aparentemente infinito.
Ela decidiu esperar.
Deitou no quarto grande de cima. As fotografias horripilantes.
Não conseguia dormir. Aquela borda brilhante, vermelha e azul.
Estava vivendo um pesadelo. Como iria descrever isso? Quem se interessaria?
Pegou a lanterna e observou o buraco que parecia maior. A luz era sugada pelo brilho amarelado como se apontasse para o espaço.
Tentava imaginar uma explicação.
Devia ligar para alguém. Trovões. O vento arrancou galhos pela rua.
A gata não voltava. O que podia ser isso? Era um portal, um fenômeno físico desconhecido, uma alucinação?
E se ela nunca mais voltasse? E se fosse engolida?
Arrastou um móvel pesado. As raízes das árvores centenárias eram reveladas.
Ouvia ópera e bebia café.

Afonso Lima

segunda-feira, fevereiro 04, 2019

realismo fantástico

então, me perguntei o que seria realismo mágico quando um Império Colonial é governado por um palhaço assassino.


O inferno

A sala estava com um cheiro insuportável. Os legistas tentavam mapear a cena.
Ele podia sentir as vibrações no amplo recinto. No centro do altar, uma cruz nua.
Aproxima-se de um corpo e observa os símbolos na palma da mão.
- O que faz com que esses jovens se tornem terroristas? - pergunta o policial.
Ele sabia.
Nas ruas, uma manifestação.
O presidente falara pela rede contra os traidores, os inimigos da paz e do progresso. 
- Os recursos são poucos, não se pode aceitar a sobrecarga sobre a população produtiva.
O plebiscito se aproximava.
Primeiro, imigrantes foram proibidos. Depois, mulheres foram obrigadas a evitar a gravidez. Por último, havia a proposta de um deputado religioso de criar um estado só para mulheres, já que "sem crianças, elas são desnecessárias".
Mas a ideia do plebiscito foi aprovada.
Intelectuais e jornalistas debatiam a melhor forma de eliminar o custo para o estado. O "excesso" devia ser eliminado periodicamente.
Deputados humanistas diziam que o desemprego é fabricado.
Ele podia sentir que mais e mais fanáticos atacariam recebendo a influência da voz infernal.
Era preciso a redução populacional.
Tem um sonho. A barreira que protege a cidade do mar tem rachaduras.
Um deus militar fazia com que demônios e anjos atacassem a barreira.
O que ele não imaginava, era que os milhares de corpos na cidade teriam o símbolo nas mãos.

Afonso Lima