quarta-feira, dezembro 30, 2020
sábado, dezembro 26, 2020
quinta-feira, dezembro 24, 2020
domingo, dezembro 20, 2020
Dramaturgia - Estado de emergência
Carro.
Prólogo
Notícias do dia, coladas nas janelas. Do lado de dentro e do lado de fora.
- Deputada que falar contra o machismo vai ser morta! Anuncia partido do presidente.
- Último povo indígena exterminado com sucesso na floresta amazônica.
- Campo de trabalho forçado para professores foi inaugurado na última sexta-feira.
- Conselho de Direitos Humanos distribui uniformes azuis nas escolas prometendo que os
meninos nunca virarão meninas.
- Policiais recebem “licença para matar” todas as 24 cores de pele do Brasil, menos uma.
Cena 1
Mulher 2, de moleton e tênis, entra no carro. Olha as notícias coladas nas janelas.
Batidas na janela. Mulher 2 abre a porta. Entra Mulher 1, de salto alto, chapéu, frasqueira.
Mulher 1- Pára o carro!
Mulher 2- A gente nem saiu.
Mulher 1- Eu sei. Mas pára. Não to mais agüentando tudo isso.
Mulher 2- Isso o quê?
Mulher 1- Você. Sei lá. O trânsito.
Mulher 2- A gente não saiu.
Mulher 1- Por isso mesmo. É muito sufocante aqui dentro.
Mulher 2- Eu tenho pastilhas. As que refrescam.
Mulher 1- Eu não consigo respirar.
Mulher 2- Quando eu saio com o MEU carro, aquele incrível possante, eu me sinto muito bem.
Mulher 1- Eu não consigo respirar.
Mulher 2- Eu ligo o ar no talo. E o som. Liga o rádio no último volume.
Mulher 1 abaixa o som.
Mulher 2- Por que você abaixou o volume na melhor parte? Ela ia dizer que ama e que vai voltar.
Mulher 1- Eu não consigo respirar nesse trânsito com música.
Mulher 2- Nós estamos paradas.
Mulher 1- Mas há uma expectativa. Duas pessoas sentadas num carro. O arranque.
Tempo
Mulher 2- (Tira a chave da frasqueira) Então lá vai!
Mulher 1- Espera! Pra onde a gente vai?
Mulher 2- Dentro da frasqueira tem um envelope.
Mulher 1- Dentro do envelope há um endereço.
Mulher 2- Temos um alvo.
Mulher 1- E um GPS.
Mulher 1 abre o envelope.
Mulher 1- Por isso que eu não gosto de sair com você. Não tem nada escrito dentro do envelope.
Mulher 2- É feriado! Abre a frasqueira. Vasculha. Pega óculos escuros. Pronto. No feriado as pessoas se divertem. Vamos nos divertir! Liga o som.
Mulher 1- (Desliga) De que pessoas você está falando? Eu nunca me divirto em feriados. Fico entediada. Não tenho dinheiro. Eu quero sair daqui.
Mulher 2- Pois é. Todos querem sair deste lugar. Ainda mais agora.
Mulher 1- Agora o quê?
Mulher 2 – Nada. (Tira o moleton. Fica só de camiseta).
Mulher 1- Dá a partida! Você tem a chave.
Mulher 2- Eu?
Mulher 1- É. Você tem a chave o volante a embreagem o freio a buzina.
Mulher 2- Mas o carro é seu!
Mulher 1- Por favor! Eu não consigo.
As duas se olham. Mulher 2 não se mexe. Mulher 1 vai pra cima de Mulher 2. Embate. Elas trocam de lugar. As duas se olham.
Mulher 2- Se eu me sento aqui preciso do seu chapéu.
Mulher 1- Eu quero seus óculos de sol.
Cena 2
Mulher 1 com óculos de sol. Mulher 2 de chapéu. Mulher 2 tira da frasqueira folhas de papel com paisagens maravilhosas. Praia. Montanha. Deserto. Cola as paisagens nas janelas do carro.
Mulher 1- O que é que isso vai mudar?
Mulher 2- (Colando) A gente precisa se livrar do peso das notícias iniciais. Na vida real sempre existem janelas. E paisagens.
Mulher 1- Na vida real tem sempre uma janela aberta pra se jogar um pedaço de pão ou um abajur. Um cachorrinho ou carrinho de bebê.
Mulher 2- Ahn?
Silencio.
Mulher 2- Há um lugar! Aquele que todo mundo quer ir. Onde se contam carneiros
pulando acima de um arco-íris. Arranca!
Mulher 1- (Vendo o celular que tirou da frasqueira) Não posso. Acabei de ler mais uma. A bala atravessou a menina no trânsito. Ainda bem que não saímos daqui. Me parece mais seguro.
Mulher 2- Sim. Do lado de dentro.
Mulher 1- Ou do lado de fora? Ela estava do lado de dentro e...
Mulher 2- Me dá um medo de sair.
Mulher 1- Eles conseguiram. Me dá um medo de ficar.
Mulher 2- Dividiram a gente.
Mulher 1- Escolhem quem fica vivo e quem fica morto.
Mulher 2- Eu me recuso. Arranca!
Mulher 1- (Chave nas mãos) Você não ouve a imobilidade do ar. As folhas não dançam de um lado para o outro.
Mulher 2- Então?
Mulher 1- Eu vou! Tem um cigarro? Me dá mais coragem. Cinto de segurança, ok. Janelas fechadas, ok. Eu posso fumar?
Mulher 2- Se eles não se importarem?
As duas olham para o público no banco de trás.
Mulher 1- Ela, a menina de oito anos, do lado de dentro da Kombi, voltava pra casa com a sua mãe.
Mulher 2- Cheiro de fumaça no banco. Será que já somos o alvo?
Epílogo
Mulher 1 liga o carro. Tempo. O carro não sai.
Fim.
sábado, dezembro 19, 2020
quinta-feira, dezembro 17, 2020
O Evangelho de Josefo
- O primo profeta do Rio, percebe a verdadeira natureza de Yeshua. Ele lhe protege com sua magia para que tenha uma nova chance.
Angustiado, Yeshua parte pelo deserto. Ouve uma voz. Quer atirar-se do templo.
Ele começa a fazer perguntas. Juntam-se para ouvi-lo. Ele ensina a expulsar os demônios.
Condenado, Yeshua amaldiçoa o Céu, e é deixado para ser devorado pelas aves e feras.
Josefo sonha com um demônio, que o faz ir até o Palácio de Pilatos.
O Pai envia o Anjo da Presença, chamado Kristo, para conversar com Yeshua.
Eles viajam até o passado.
A Emanação viu que era Luz e queria ser o governante do mundo sombra.
O Pai o joga desde cima, e ele cai em um corpo de virgem.
Yeshua recebe a tocha do Portador da Luz, que desaparece.
Josefo de Arimathea vigia o corpo na caverna, Kristo acorda, seu corpo brilha - Josefo engole a Tocha.
quarta-feira, dezembro 16, 2020
Traduzindo William Blake - A voz do antigo bardo
A voz do antigo bardo - de Songs of Experience - 1818
The Voice of the Ancient Bard
Youth of delight, come hither
And see the opening morn,
Image of truth new born.
Doubt is fled, & clouds of reason,
Dark disputes & artful teasing.
Folly is an endless maze,
Tangled roots perplex her ways.
How many have fallen there!
They stumble all night over bones of the dead,
And feel they know not what but care,
And wish to lead others, when they should be led.
*
Jovem em flor, vem cá
Veja a manhã que brilha
Imagem da verdade agora-nascida
A dúvida fugiu, e as nuvens da razão,
Disputas sombrias e astuta provocação
A loucura, labirinto sem fim,
Raízes enredadas nos caminhos.
Quantos caíram nesse vão!
Eles tropeçam a noite toda em ossos putrefatos
E sentem que nada sabem senão preocupação
E desejam liderar, quando deviam ser guiados.
Versão: Afonso Jr. Lima
sábado, dezembro 12, 2020
sexta-feira, dezembro 11, 2020
quinta-feira, dezembro 10, 2020
quarta-feira, dezembro 09, 2020
Catalepsia
Segundo golpe foi na elite cosmopolita-banqueira para eleição do militarismo-religioso.
Assim, rapidamente, as mulheres foram subjugadas e estabeleceu-se uma sociedade de castas.
Ela, herdeira de uma família aristocrática, foi designada para acompanhar a expedição como cronista e tradutora.
O general era um homem atraente, melancólico, dado a explosões de fúria. Mas sabia agradar a seus homens. O que prometiam era acabar com a “cidade dos molestadores de crianças”, um reino do deserto.
Ela viu que alguém entrou em sua tenda na primeira noite no deserto. Sacou sua espada, mas foi dominada por dois outros homens.
O general a estuprou, deixando sobre a cama uma joia.
Ela tomou banho e não derramou nenhuma lágrima.
*
À medida que avançavam, ela ia se tornando mais e mais respeitada. Ela passara a buscar a companhia do general, o instruíra em saberes que só uma mulher rica podia chegar a conhecer.
- Não é, como em geral se traduz, apenas verdade. Catalepsia é a capacidade de unir o fantasma dos sentidos e o juízo correto, unindo os modelos prévios, a particularidade dos objetos e as regras lógicas de aceitação do real.
- Nós, homens da guerra, precisamos estimular aversão e evitar união, disse o general.
Por fim, chegaram próximos à cidade, os mensageiros enviaram uma flecha inteligente e deram dois dias para a cidade se render. Ajudava muito as imagens da destruição de Hubes. As mulheres foram vendidas como escravas, e os soldados que resistiram foram obrigados a mergulhar em água fervente.
Ela observava a cidade ao longe. Torres douradas. Parecia estranhamente calma. Era como se não houvesse mais ninguém.
- Onde estarão eles, ela perguntou a sua serva.
- Não sei senhora, mas podem estar em túneis subterrâneos.
- Que queres dizer?
- Sabemos que esse é o povo que tem o ouro, respondeu a mulher idosa.
- Eu nunca soube disso.
- Não são molestadores de crianças, disse a mulher. Quando eu era pequena, minha babá foi um deles. Foram os sacerdotes que criaram isso.
Ela não deixou transparecer sua emoção. Sabia que era um tipo de opinião que podia matar. Manteve o olhar firme e disse que precisava de um banho perfumado.
*
Ela deitou ao lado do general derramando seu perfume sobre a cama. Ela lhe fez uma massagem.
Fizeram amor, e ele dormiu. Luas finas iluminavam a madrugada.
Ela aqueceu o óleo quente.
Quando o homem gritou, ela enfiou um pano em sua boca.
Bolas de fogo começam a cair sobre o acampamento, gritos.
Ela saiu em meio ao tumulto com sua bagagem nas costas.
domingo, dezembro 06, 2020
A peste e as lentes
As pessoas abandonadas nas ruas.
Os religiosos no exército de vanguarda. As pulgas que habitam as ruas.
Eles estão na torre de sua casa.
O monge cientista e o médico.
O rei já solicitou aos professores da universidade uma explicação.
São os astros influindo na atmosfera, nada se pode fazer.
As lentes mostram que há germes.
Um monge está inflamando a cidade com sermões sobre a penitência, sobre lembrar-se da morte e fugir do pecado.
A feira de domingo no cemitério traz os palhaços vestidos de Morte, bispos e reis com máscaras de caveira.
O médico tenta convencer a multidão de que a doença veio em navios, de que é preciso fugir da gente, de que Galeno sabia menos que os modernos.
- Os astros que se cruzaram em 1345 não são a causa da pestilência no ar. Nem Deus quer nos punir.
As autoridades o levam até uma cela.
O monge é punido com a transferência para as montanhas do Norte.
Os aristocratas começam a culpar os judeus por envenenar a água.
Afonso Jr. Lima
Xenofobia en la calle Europa
Siempre me he enfrentado a los prejuicios contra los que tienen cabeza de escarabajo. Afortunadamente, la ley está de nuestro lado. Pero nadie puede evitar al dueño de una tienda de telas en una calle con casas antiguas del centro de Montevideo.
Mi solicitud fue extraña. Respondió algo más.
La anciana que apareció me gritó.
Intenté seguir mi compra. Dejé caer accidentalmente la tela del dispositivo colgante.
Gritando, el hombre se me acercó y me empujó. Olvidan que tenemos poderes psíquicos.
Salí de la tienda para evitar a la policía y llamé a mi amigo de cola oscura.
Se suponía que ese animal lo paralizaría durante días y bebería su sangre poco a poco hasta la muerte, a menos que el agujero que haría en su techo ayudara a que le cayera un poco de agua.
*
Afonso Jr. Lima
A xenofobia na rua Europa
Sempre enfrentei o preconceito das pessoas com os que têm cabeça de besouro. Por sorte, a lei está de nosso lado. Mas ninguém pode evitar um dono de loja de tecidos numa rua de casas antigas no centro de Montevidéu.
Meu pedido era estranho. Ele respondeu outra coisa.
A mulher idosa que apareceu gritou comigo.
Tentei seguir minha compra. Sem querer, deixei cair o pano do mostrador no qual estava pendurado.
Aos gritos, o homem veio para cima de mim e me empurrou. Eles esquecem que temos poderes psíquicos.
Eu saí da loja para evitar a polícia, chamando meu amigo de cauda escura.
Aquele animal iria paralisá-lo por dias e beber seu sangue aos poucos até a morte, a não ser que o furo que eu faria no seu teto ajudasse a cair um pouco de água.
*
Afonso Jr. Lima
sábado, dezembro 05, 2020
Cartas de Teatro e Peste - SATYRIANAS 2020 - Episódio 1
Dramaturgia/Vozes: Lisa Reis (Cabo Verde), Jorge Palinhos (Portugal), Armando Nascimento Rosa (Portugal) e Afonso Junior Ferreira de Lima (Brasil/Uruguai).
Direção: Mario Sergio Medeiros (Brasil).
Duração: 3 episódios de aproximadamente 7 min.