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quarta-feira, julho 24, 2019

Dike

Vocês me perguntam sobre como é ser essa carta.
A harmonia, o sentimento que conecta o todo, a identidade coletiva, Justiça.
Uma razão como acordo comum. Falando ao ouvido do Pai do Céu, olhos bem abertos.
Eu era Astréia, era filha de Zeus e Thêmis, distribuindo a beleza da verdade entre os homens, até que fugii para o céu, tornando-se constelação depois separada em Virgem e Libra.
Preservar a unidade. Evitar a destruição. Maat.
Sou infinita, o número VIII. Eu vi uma cena terrível: a mulher negra com seus seios cheios de leite, apanhando na lavoura e o sangue caindo. Um século depois, de novo. Punir.
A mulher torturada na delegacia de polícia, e o leite caindo de seu corpo.
Justiça se torna lei, técnica, racionalismo. Tirar o inimigo, isolar o perigo. A paixão da luta.
Justiça é fluir em conjunto.

Afonso Junior Lima

terça-feira, julho 23, 2019

Mercurius - part 1/4 (English version)

Mercurius - Fantastic Fiction - Part 1/4

Mercurius - part 1



Afonso Jr. Ferreira de Lima




Biblioteca Nacional



*

I felt anguish in my chest. Jonas. They were indeed macabre people, capable of everything.
- But what are vampires, anyway? This all seems so fanciful ...

- All cultures were afraid of the loss of the most precious liquid: the strix, the undead who feed on the bodies of the dead, incubus, and succubus relatives who visit at night, witches who cause malefic even after death, lycanthropes returning to feed themselves in their relatives... You must know that we all have vital energy. The ancestral peoples were much more aware of this energy and could even perceive at a distance the approach of a living being. There have always been people who can suck energy. But, in fact, it seems that blood has always been seen as the seat of the soul, the chalice of the vital principle of every creature. In the myth of Osiris, the god is trapped in a leaden tomb and reborn. Or he was represented by a round vase, on whose wing a snake was carved, representing the numen that transformed the god. It can be a symbol of the body as a place for the enhancement of consciousness.

- And what is Lord Kevin, anyway? Despite seeing him from my childhood, I could only feel his immense contemptuous contempt for me.
- What do we know? A demon who hates humanity, democracy, ties. He has several excuses, as you intuited. It is not only the expulsion of the population from the central areas of the city, for real estate speculation, the project that will transform the river and end the indigenous community on the outskirts of São Paulo. His conglomerates sell guns, work with privatized reconstruction and invaded countries... He preaches slave wage labor. His employees live almost below the poverty level and are prohibited from joining any representation entity. His private chains put a guard to take care of a block with 200 inmates, and two of them have already been murdered. You were right: your father was surrounded by monsters.

- Augusto Coligne, as you know, is a detestable man on his own merit, said Vampírica. He controls public opinion. He seems to have been an Enlightenment scientist. While Lord Kevin may invade a country for pleasure, Coligne wants wealth and will get anyone in his way. We are all despicable to him. When we started protesting against a Nazi organization that had killed a young gay man, did he write an article entitled "Vampirians or Psychotics?" Saying that we were "a result of the decrepitude of education" and that our protests were "jokes, black marketing, and gay politics ". "Only freedom guarantees diversity, and thinking that we must save the poor is a kind of fascism," he said.

- But that's just the beginning. We know they are in search of something and we know that your grandfather has to do with you.
- Do you have any information about my grandfather? Who was he anyway?

- No, almost nothing. But let's go to someone who knows. Today we are going to rescue the Pianist, a man who researched the Music of the Spheres and who we know has a lot of information about Lord Kevin. To the horror of all of us, he is trapped in the Tower, a place of torments of these demons.

- And we're going there?" But what will we do?

- Before we go to the forest, perform a ritual, said Vampírica. We need to evoke the cosmic forces for guidance. We know the surprise will be on our side.

-You know I do not agree, said the blond girl. Hello, my name is Ariel. I'm getting a feeling. Fairies are looking for us. They are terrible beings, who love to eat raw meat. They were probably what the Greeks called Lamiai, who attacked children and sucked their blood.
- We have the canis lupus, Vampírica replied.

I must have looked at her with an "enough  Disney" look. She smiled.

- You see, you must have heard that the Paleolithic hunters had a strange connection with certain animals they hunted. Some of these rituals involved the dismemberment and consumption of animals, ecstasies that lasted until the time of Dionysus. Certain tribes believed that using sacred masks in dances, they could access atavistic, ancestral consciousness, connected with generational and collective memories. And also with animal consciousness. They were not just the wolf tribe. They became wolves.

- And they will help us?
- If we call for them!
- Let's go. The moon is in the sky, Üle said. (...)

*

AJR, 2011
See too -

https://www.amazon.in/Vampires-other-assassinos-Mercurius-Portuguese-ebook/dp/B0054JJ6V6

sábado, julho 20, 2019

Contos de (assustar) fadas - infantil - 3

Contos de (assustar) fadas

Afonso Junior Ferreira de Lima


Biblioteca Nacional
535801, em 03/08/2011

A CAVEIRA

Era uma vez um menino negro, que morava em um bairro distante da cidade. Havia ainda pelo lugar muitas matas, onde ele gostava de brincar. Um dia, viu um homem maltrapilho que levava um cachorro amarelo preso pelo pescoço com um arame. O pobre animal chorava, tinha os olhos cheios de sangue, estava manco de uma perna e, de tão magro, mostrava os ossos.  E gritava com ele:
 - Bicho dos infernos, tua dona vai te dar uma sova quando chegares, malevo fujão. 
O menino foi se escondendo atrás das árvores e ficou acompanhando o homem. Quando o viu parar na beira de um riacho, para beber água, deixando o cão amarrado em uma árvore, atirou umas pedras na direção oposta, e, vendo que o homem ia mais adiante ver o que era, foi pé por pé até o animal e, sorrateiramente, desamarrou-o, levando-o no colo. Escondeu-se novamente e observou o homem esbravejar, furioso, lamentando-se pelo seu destino.
Chegando a casa, disse ao pobre animal:
- Pobrezinho, pele e osso. Quem será essa tua dona que tanto te maltrata.
- É um ser diabólico, uma bruxa das Índias, disse o animal.
O menino levou um susto e indagou:
-          Falas, amarelinho?
-          Sim, falo e ainda sei latim e matemática. Na verdade sou um sábio árabe, fui escravizado por essa mulher nefasta. Ela não é uma mulher como as outras, é apenas uma caveira que, de dia, por meio de encantamentos, veste a pele de uma bela senhorita de olhos azuis, frios como o gelo, e uma pela macia de mármore. Os homens se apaixonam por ela e ela os prende nas galerias no subsolo de sua mansão, que é no meio do mato. Ela lhes deu uma poção que lhes dá uma vida muito longa, mas apenas pelo prazer de vê-los passar fome e sede. Ela me espanca quase diariamente, mas o pior é o que faz aos seus empregados. Todo dia corta um bebe o sangue deles para que fique mais viva. Dizem que era uma bela princesa indiana que, de tão bela, recusou todos os pretendentes, até que um mago lançou-lhe uma maldição - nunca poderia ser enterrada como as outras caveiras e deveria buscar pretendentes até encontrar um que lhe amasse no aspecto real, ou seja, como ossos. 
-          Que coisa horrível, e não há forma de combatê-la?
-          Sim, há. À noite não ficam criados na casa, e quando bate meia noite, ela entra no subterrâneo e adormece sobre uma sepultura de mármore. É preciso ir à noite às galerias e soltar os homens que estão nas celas, mas o último homem é preciso deixar preso. Trata-se de um espião e quem o soltar vai sofrer os reveses do destino. Além disso, é preciso roubar dela a pele mágica e enquanto ela dorme, atirar sobre ela uma tocha incendiada. Assim ela queimará e será libertada sua alma.
-          Eu irei, disse o menino, e o cão lhe fez prometer que não ajudaria o último homem.
            E também resolveu ir com ele e levar três artefatos, caso fosse necessário, uma faca, uma corda e um fósforo.
Assim fizeram e, pulando com cuidado o portão, esconderam-se no jardim em frente, onde o mato selvagem crescera, esperando uma oportunidade de entrar no casarão.
Quando as luzes apagaram, afinal, o menino acendeu uma vela, e entrou cuidadosamente.
- Na sala tem um alçapão em baixo do tapete. Mas cuidado, não faça barulho, disse o cão.
Quando entrou no subterrâneo, teve um estremecimento. Era gélido e escuro. Passou delicadamente pela figura que dormia sobre o mármore, avistou a pele sobre uma pedra.
-          Ali está a escada que dá para as galerias. A chave fica logo no último degrau.
Assim o menino foi descendo e, com cuidado, abriu a primeira porta, de onde saiu um homem barbudo, escuro, com roupas rasgadas e cheiro insuportável, que lhe mostrou um anel de ouro no dedo.
-          Obrigado, menino. No passado eu fui um soldado muito valente, e nos apaixonamos quando eu a vi dançar em um baile. Mas hoje, veja minha triste situação.
E dizendo isso, o homem sentou-se calado na beira da escada.
Da segunda porta saiu um homem loiro, de longas barbas, com um casaco azul esfarrapado.
-          Obrigado menino. Eu era capitão de um navio e nos apaixonamos quando ela foi ver minha chegada no porto. Eu era muito estrépito e conhecia várias terras fabulosas, tendo vencido piratas e descoberto tesouros, mas ela me transformou em um triste farrapo.
E, dizendo isso, juntou-se ao segundo.
Assim uma por uma das portas foram abertas e delas saíram reis, magos, sacerdotes, camponeses, escravos, poetas e ricos comerciantes, todos reduzidos a quase nada.
Da última porta saiu um velho, magro e triste, que disse:
-          Eu era um jovem feliz e saltitante. Gostava de tratar bem os animais e alimentar os peixes do lago. Era amigo dos pombos e dos cães. Um dia um sábio árabe descobriu que eu tinha o poder de falar com os animais e me convenceu a ir até o castelo de uma bruxa indiana, uma mulher amaldiçoada, sua inimiga, me prometendo um filtro da juventude eterna se eu a matasse. Mas a mulher era poderosa demais, me prendeu e transformou o sábio neste cão que vós levais.
-          Mentiroso - disse o cão.
-   A decisão é vossa, disse o velho. Podes deixar-me aqui se quiseres a morrer de fome e sede.
O menino decidiu levá-lo com os outros.
-          Ata pelo menos as mãos desse animal, para que, se quiser nos atacar, não possa ir muito longe, disse o cão. Assim fez o menino.
Foram todos em fila, passando passo por passo perto da caveira, que dormia. O menino pegou a pele e acendeu uma tocha da parede, pronto para jogar sobre o monstro. Mas, ao aproximar-se, o velho deu um grito:
Desperta! - e a caveira levantou-se quase matando o menino de susto. Em seguida lançou raios das mãos, matando os homens, que viravam cinzas. O cachorro, entretanto, tomou a tocha da mão do menino e lançou-se sobre ela, ambos prendendo fogo. O velho tentou atacar o menino com um ferro, mesmo com as mãos atadas, mas este lhe enfiou a faca. Correu então até a saída e pulou o portão e correu.
No meio do caminho, apareceu-lhe um fantasma branco e enevoado como a cerração.
-          Obrigado, menino, disse o fantasma. Eu fui um sábio que se apaixonou por essa princesa. Fazia todas as suas vontades e cheguei a pedir que ela me levasse consigo para onde fosse. Foi então que ela me transformou em cão e passou a judiar de mim todos os dias, já fazia mil anos. Agora volto para seguir meu caminho.
E, dizendo isso, desapareceu. O menino continuou a correr, e não parou até voltar à sua casa. 


AJR

The place to where the dreams fled (English version)

(This is a rush translation. The version may not be in its final form.)



The city without dreams, the dead towers and the gray sky. He had read in his room how mankind could turn back in evolution and terrible knowledge could survive. A boy had died in the street next door. He had gone pale and motionless, had not come alive in the hospital. He had drawn this boy in his notebook. He watched the skies at night on the terrace of the decrepit building with his telescope bought at a flea market. His author had a fascination with mysticisms that were also terrible horrors.

*

His father traveled the seas, sold things, was hospitalized in a hospice. He dreamed that a shadow would watch him on his bed. His mother always told him that it was the prostitutes who killed his father. "The Jewish Polish Sluts". His grandfather told him terrifying stories in his inner-city castle. About the medieval king's fight against the incursions of the pagans. About forests with skeletons and organically inferior individuals who would be innate criminals. "The great city is full of Jewish parasites." He always turned red with anger at seeing blacks in the streets, whom he called "semi-humans." Read in the scientific magazines on how the sun will grow, swallow the Earth and become a little dark star. And the darkness will fall on the cosmos. "The real monsters are invisible and they are in the air, they disintegrate the tissue and are called Progress." He had dreams awake in which he saw the sea monsters and the most bizarre creatures he imagined had driven his father to madness. He walked through the cemeteries and avoided talking to people on the street. The anonymity was scary, no longer responding to another face, they were not human.

*

The total shortage, his years of sexual desire having passed and gave place to an unusual disinterest, small translations that fed him. Badly. The laws of nature were an illusion, fate had annihilated his home, the gods were cruel creatures. He found a book that told the story of a boy who had read about a secret order. What we see is the result of the delicate psychic and mental instruments of each individual. He wanted to travel in time, not space. One day he felt himself out of his body. In this space, the dreams were abandoned. Magical and scary beasts, monsters, lost men who searched for strange realms and once familiar relationships. Banquet in the garden of the castle of three ramparts. Iraqi legends sang in the evenings, such as the one in which Alexander, to build his city, because monsters destroyed at night what the workers did during the day, had to go down to the sea and face these demons with a human body and head of beasts. Charlemagne traced the course of the stars. Le penseur lamented with his harp the absence of God. The philosopher commented drinking wine that in his day, nature had its powers, but the new faith had made it sad and passive.

*


Watch the sky, cold lights like lost islands. What if, after a long time, the bright, indifferent ice touched him? He knew there were horrors on the underground that could come up. On the table, the book with the Melaficium of Conrad of Marburg, Theosophy, and old editions of "Under the Moons of Mars". He thinks the ancient legends about women capable of flying had been studied in the fight against Satan. And if, somehow, evil materialized, was something created out of immense absence and emptiness? He believed now that a gate would open, something had been with him for some time. Then, noticing a black dot in space, he understood that Another Face was watching him, and without words to say it, he drew in his notebook.


Afonso Junio ​​Ferreira de Lima

quinta-feira, julho 18, 2019

Para onde fugiram os sonhos

A cidade sem sonhos, as torres mortas e o céu cinzento. Ele lera no seu quarto sobre como a humanidade podia voltar atrás na evolução e conhecimentos terríveis poderiam sobreviver. Um menino morrera na rua ao lado. Ficara pálido e imóvel, não chegara vivo no hospital. Desenhara esse menino em seu caderno. Observava os céus à noite no terraço do prédio decrépito com sua luneta comprada num mercado de pulgas. Seu autor tinha uma fascinação por misticismos que eram também terríveis horrores.

*

Seu pai viajava pelos mares, vendia coisas, foi internado num hospício. Sonhava que uma sombra vinha lhe observar na sua cama. Sua mãe lhe dizia sempre que foram as prostitutas que mataram seu pai. "As putas polonesas judias". Seu avô lhe contava histórias apavorantes no seu castelo de cidade de interior. Da luta do rei medieval contra as incursões dos pagãos. De florestas com esqueletos e indivíduos organicamente inferiores que seriam criminosos inatos. "A grande cidade é cheia de parasitas judeus". Sempre ficava vermelho de raiva ao ver negros nas ruas, a quem chamava "semi-humanos". Lia nas revistas científicas sobre como o sol crescerá, engolirá a Terra e se tornará uma pequena estrela sombria. E a escuridão cairá sobre o cosmos. "Os verdadeiros monstros são invisíveis e estão no ar, desagregam os tecidos e se chamam Progresso". Ele tinha sonhos acordado nos quais via os monstros marinhos e as criaturas mais bizarras que imaginava terem levado seu pai à loucura. Caminhava pelos cemitérios e evitava falar com as pessoas na rua. O anonimato era algo assustador, já não respondiam a outro rosto, não eram humanos. 

*

A total penúria, seus anos de desejo sexual tendo passado e dado lugar a um desinteresse incomum, pequenas traduções que o alimentavam. Mal. As leis da natureza eram uma ilusão, o destino aniquilara seu lar, os deuses eram criaturas cruéis. Achou um livro que contava a história de um rapaz que lera sobre uma ordem secreta. O que vemos é resultado de dos delicados instrumentos psíquicos e mentais de cada individuo. Queria viajar no tempo, não no espaço. Um dia sentiu desprender-se de seu corpo. Nesse espaço, ficavam os sonhos abandonados. Seres mágicos e assustadores, monstros, homens perdidos que pesquisavam reinos estranhos e relações um dia familiares. Banquete no jardim do castelo de três muralhas. Cantavam nas noites lendas iraquianas, como aquela em que Alexandre, para construir sua cidade, porque destruíam à noite o que os operários faziam durante o dia monstros, teve de descer ao mar e enfrentar esses demônios com corpo humano e cabeça de feras. Carlos Magno traçava o curso das estrelas. O pensador lamentava com sua harpa a ausência de Deus. O filósofo comentou bebendo vinho que no seu tempo, a natureza tinha seus poderes, mas a nova fé a fizera triste e passiva.

*


Observa o céu, frias luzes como ilhas perdidas. E se, depois de muito tempo, o gelo brilhante e indiferente o tocasse? Ele sabia que no subsolo haviam horrores que podiam sair à superfície. Sobre a mesa, o livro com o melaficium de Conrado de Marburgo, Teosofia, e velhas edições de "Sob as luas de Marte". Pensa que as lendas antigas sobre mulheres capazes de voar haviam sido estudadas na luta contra Satanás. E se, de alguma forma, o mal se materializou, algo fosse criado da imensa ausência e do vazio? Acreditava agora que um portão se abriria, algo o acompahava há muito. Então, observando um ponto negro no espaço, entendeu que uma Outra Face o observava, e, sem palavras para dizê-lo, desenhou no seu caderno.


Afonso Junio Ferreira de Lima

terça-feira, julho 16, 2019

The miserables (English version)

(This is a rush translation. The version may not be in its final form.)


Literature went to Paulista to see the party.
- They say the prisoners were not terrorists and they have to have a lawyer. Bandit has no right!
- They have to arrest Lula tomorrow!"
- We do not go here to hear music, but to go to hell!
- The teacher can not say in class what the parents do not teach!
- A sticker, says the very blond girl in a yellow-green flag.
- No, Literature says.
Porn actors can be great thinkers, but this leader on the car scares.
She goes down the hill toward the people.
Hear two policemen talking:
- A lot of people. What more do they want?
- A lot of people just come and go with the family.

Gourmet fair, coconut water R$ 6,00 (a Burger King on promotion). Men eat lying in front of a closed shop. A small palace with closed windows, an imported car shop, two poor black boys looking through the shop window. Jugglers in front of Doblo 7 Places. Cypress trees alongside tall Greek towers.
There are few people in Largo da Batata. It was early. People marked by the exclusion, social movements, feminists with their drums and flags, gray-bearded gentlemen, girls with babies, white-haired ladies and blue-haired young women.
A lady glues you a sticker "Out Temer".

The helicopters fly in a circle over the crowd, the people signal "leave!", the policeman shakes. The noise mixes with the sound car, in which an activist speaks:
- They ended up with housing, we fought, they went back, but they did not have a contract yet, and if there is no contract, this country has to stop.

A lady sells whiskey and juice in a cart.
- There are 12 million families in precarious housing - the illegitimate minister says that anyone who revolts at the Olympics will be seen as a terrorist. We will not shut up.

- Why do they fly over the population?-  He asks a policeman.
He scowls and grabs the gun.
- Are not you the Literature?, he asks.
- Yes.
- Did not you have to be at Avenida Paulista?
- I have come to pay homage to my friend Hugo, she said.

Four police cars pull the protest. Twelve motorcycles behind them.
March alongside the purple band. Women holding hands ask for "home for all". A string of strong men with arm in arm. A black man in a red shirt is approaching.

- Are you from the homeless?
- Twenty years in this fight.
- I remember 1829 in Greece and 1830 in France. Dom Pedro fell in 1831.

The man looked at her and walked away.
A car decides to cross the road, the boy goes out of the window, demands his rights. A girl with a dog, who walks on the sidewalk, calls him a fascist.

A restaurant is dimly lit. Its owner had made propaganda to remove the president. In the bars around, a young man in a polo shirt and colorful shorts thanks to the waiter serving a vodka.

Misery is not good for poetry, she thinks. Napoleon III exiled Victor Hugo.

They want to get to the new president's house. "Bumbling traitor!"- someone shouts. A line of policemen accompanies the walkers on either side. She sees cops holding the gun. Resolve to observe. In another crossing a Citroën horn to pass. Ten more motorcycles close the procession. And four cars with red sirens. There are four kilometers of demonstrators. Follow.
The sky is turning pink.


Afonso Jr Lima, 2016
https://afonsojunior.blogspot.com/2016/07/os-miseraveis.html



domingo, julho 14, 2019

Brancos

corro 
o vidro nos separa
meu corpo sente frio

que palavras eu posso usar
na escada escura o vento
cabelos brancos cabeça baixa
sombra no muro do shopping

um mundo que tem fome
a cidade não os quer
sentem vergonha
por pedir um prato de comida
meu verso sai assim bruto

você tem fome?
tuas mãos estão sujas?
tua garganta arde?
teu corpo cansado se encolhe
que palavras que sentimentos eu posso ter
quando a noite te abraça


AJr

Sobre os dias que virão (2017)

Radiação em Fukushima; Lisboa, 1755; Tchernóbil, 1986.


"O Alto, o Meio, a Base.

A Aurora, o Meio-dia, a Escuridão.

A Imaginação, O Corpo, o Outro Mundo".
Sobre os dias que virão (2017)


sábado, julho 13, 2019

Anarquía (ESP)

Una vez más pudiera llegar a casa, tuviera que llevar comida. Por la ciudad del desierto, solo hombres armados.
Dejó las cosas en la cocina, se quitó la ropa pesada y se acercó al fuego en la sala de estar.
"Háblame de los tiempos antiguos".
La cabeza blanca susurró:
"Antes no te golpeaban en la calle los borrachos. Antes, pude ver. Antes, las mujeres no eran atadas por sus maridos.
Tomó su té caliente. Había escuchado la voz del viejo doctor muchas veces, pero tenía que conocer las causas.
- La gente fuera alimentando la incredulidad en las leyes. La desigualdad genera desorden, queremos orden. Finalmente, las masas prefieren a los tiranos. Los tiranos fomentan el fin de las instituciones, la anarquía está dominada por hombres armados.
El fuego crepitaba. La lluvia comenzó a caer.
"Al principio... recuerdo que la corte habló con el acusador. Sorprendió a la gente, fue una sentencia sin pruebas.
Siempre había algo nuevo.
Estuvieron en silencio por un rato. Apretó la mano de su abuelo y salió en silencio para preparar la comida. Entonces el doctor lloró.

Afonso Jr. Lima

Anarchy (English version)

(This is a rush translation. The version may not be in its final form.)


Once more he could get home, he had to bring food. Through the desert city, only armed men.
He left things in the kitchen, took off his heavy clothes and approached the fire in the living room.
"Tell me about the ancient times."
The white head whispered:
"Before, you were not beaten on the street by drunks. Before, I could see. Before, women were not tied by their husbands.
He drank his hot tea. He had heard the old doctor's voice many times, but he had to know the causes.
"People have been nourishing disbelief in the laws. Inequality generates disorder, we want the order. Finally, the masses prefer tyrants. Tyrants foment the end of institutions, anarchy is dominated by armed men.
The fire crackled. The rain began to fall.
"At first ... I remember the court talking to the accuser. It shocked people, it was a sentence without proof.
There was always something new.
They were silent for a while. He squeezed his grandfather's hand and went out quietly to prepare the food. Then the doctor cried.

Afonso Jr. Lima

Anarquia

Mais uma vez conseguia chegar em casa, era preciso trazer comida. Pela cidade deserta, apenas os homens armados.
Ele deixou as coisas na cozinha, tirou a roupa pesada e aproximou-se do fogo na sala.
- Vô, conte sobre os tempos antigos.
A cabeça branca sussurou:
- Antes você não era surrado na rua por bêbados. Antes, eu enxergava. Antes as mulheres não eram amarradas por seus maridos. 
Ele bebeu o chá quente. Ele já havia ouvido a voz do velho médico muitas vezes, mas era preciso saber as causas. 
- As pessoas foram nutrindo a descrença nas leis. A desigualdade gera desordem, queremos ordem. Por fim, as massas preferem tiranos. Os tiranos fomentam fim das instituições, a anarquia é dominada por homens armados.
O fogo estalava. A chuva começou a cair.
- No começo... Eu me lembro do tribunal conversando com o acusador. Aquilo chocou as pessoas, era uma sentença sem provas.
Sempre surgia algo novo. 
Ficaram assim em silêncio por um tempo. Ele apertava a mão do avô e saia silencioso para preparar o alimento. Depois, o médico chorava.

Afonso Jr. Lima

quarta-feira, julho 10, 2019

The criminal package, the other narrative and the International Authoritarian Movement

"I am terrified, pre-trial detention has become a kind of weapon at the disposal of the judges to silence, this is a dictatorship, sorry, the dictatorship is implanted in a very perverse way, I fear for all of us"
Daniela Thomas, filmmaker, in an interview with TUTAMÉIA.

Freedom of the Press Foundation issued a note on the investigative threat of journalist Glenn Greenwald, who issued illegal conversations between Judge Moro and Lava-Jato prosecutors, by the Federal Police: "It is not just a scandalous attack on the press, but a serious abuse of power. "

I watched in the debate on the so-called "Package Against Crime" presented by the same personage, now Minister of Justice, launching a campaign in the Public Defender's Office of the State of Rio de Janeiro, as well as the Public Hearing on the subject in the Commission of Human Rights and Minorities. In the Chamber of Deputies of Brasilia.

The first was the participation of Simone Schreiber, federal prosecutor, member of the Association of Judges for Democracy (AJD), Maíra Fernandes, of the Brazilian Institute of Criminal Sciences, Renata Neder, research coordinator of Amnesty International Ivanir Mendes dos Santos, who murdered his son for the police, the State Front of Prison, Emmanuel Queiroz, who coordinates the Criminal Defender of the Public Defender of Rio, among others.

Simone Schreiber recalled the speech of the current president of the Jornal Nacional (Globo TV news) in August 2018: "The policeman, if he kills 10, 20 or 30, should be decorated, will he give them a small flower?"

At the beginning of the debate, it was emphasized that the project would be "more of the same" and that citizens' rights of defense are strongly compromised, increasing the segregation of black and peripheral youth.

In addition, the new law would give legal validity to actions currently unjustified in practice, abuses of authority and pure and simple extermination. 

Eventually, we would ignore Supreme Court jurisprudence and even the milestones of civilization, such as the presumption of innocence. This would lead to more innocent people being punished, that is, imprisonment without full right of defense.

As said by  Livia Casseres, public defender of Rio de Janeiro, in the Chamber hearing, there already exists in Brazil a double standard of condemnation, a sub-citizenship. Now this logic of enemy of the state is reinforced, combining the function of the Army, the national defense, with the responsibility of the internal security, in a "war against the population".

According to the PT deputy, Erika Kokay, the Bolsonaro´s government works with "magic solutions". Symbolic dehumanization, which leads to literal dehumanization. "Brazil lives by re-establishing the colonial methods, where human beings are considered properties, and if they rebel because they are property, they must be eliminated."

It seems that in the logic of force, it would be worth everything in this "war", there would be no "rights" of the enemy. It would be the security policy of the "shooting", even the impossibility of know for sure if someone is a "good citizen" would justify death.

Renata Neder, in the debate in Rio, pointed out that somehow the progressive groups did not listen to the legitimate desire for security of the people, which opened space for false solutions and political mobilization of fear.

Luiz Nassif said these days in his Youtube channel that Justice was used as a tool of the State to attack opponents. It seems that we have rulers in a flagrant attack on the Constitution and institutions of 1988.

Another speaks of that interview with the Jornal Nacional should draw attention: "Don't listen to historians," said Bolsonaro.
I think that, in mafia logic, only one authority is allowed. The authority of ignorance must silence all authority based on convincement. (It does not help the twentieth century have created such a big suspicion about the truth.)

To this day, we had the "opinion formers," a small group of experts, activists, journalists, artists, trying to fight against the arbitrariness of an unequal republic with centuries of structural violence. Citizenship advanced after two decades of a dictatorial terror empire aligning the legal discourse with the international standard, established pattern after the Holocaust.

But the little investment in education, corporate censorship, and the communicative blockage of media are taking their toll.

"Just killing a few" - who never heard it of a taxi driver? I've seen leftwing taxi drivers, but this professional seems to be a symbol of the citizen with some gain and very little formal education, the neoliberal time that only admits investment for profit. The same as the retired-monster, blind with the fear of losing his property.

Panic, the fastest solution, the profit ethic created the cabdriver republic, aligned with a faction of the legal caste contaminated by prejudices never questioned. "Abuse of power" is being propagandized as a passport to complete domination in a certain middle class desirous of getting rid of any civilizing commitment.

The danger is that the truth no longer counts, just count my hatred and prejudice - "it does not matter, he is one of us" - as Matthew D'Ancona comments in "Post-truth: the new war on truth" (Faro editorial, 2018). The "Lama Jato" operation was an advertising campaign to make room for right-wing candidates (pró-themselves) by ridding themselves of the left-wing for the irrational.

Still talking about the interview in the  Jornal Nacional, let's remember that "the vice candidate on the plate of former President Lula, the former mayor Fernando Haddad, was not invited." (Rede Brasil Atual - 08/29/2018). This tells us about the complicity of the corporate media system, the fear of another victory of the left.

Now the miserable mass will be incarcerated. And after 350 years of slavery, abandonment, let´s make the prisoners produce a profit, in privatized prisons, for capitalism.

"The social progress of recent years creates resentment in the upper layers that are threatened by the progress of the poorest ..." (Paulo Moreira Leite, The Other Story of Lava-Jato, Ed. Geração, p.100)

This seems to be confirmed with the hate speeches in Facebook groups in which I was included (usually neighborhood residents fighting against big constructors speculation 6 years ago)- I wonder if we even have a democrat middle class, regardless of right or left.

It is no surprise that the "legal hunter" former judge is also the one who proposes a racist project of mass incarceration, with the freedom to kill and agreements without trial. Sometimes I wonder if this is not the country project of armed groups.

Unfortunately, this occurs in other parts of the world, the promotion of authoritarianism and the "our people" supremacy.

In India, "the most frustrated young people are becoming a shock force at the service of the most virulent Hindu nationalism," says journalist Jorge Almeida Fernandes. (Público, 03/03/2018)

"India is witnessing massive repression against lawyers, journalists, activists, and human rights defenders, who have criticized the state," Amnesty International said.

In Hungary, according to Ákos Hadházy (of the LMP party), the executive has invested more than 320 million euros of public money in advertising for 60% of the Hungarian population in the two years preceding the parliamentary election in 2018. "The election was not a fair fight," he said (Público, 4/9/2018).

In Poland, the party of Jaroslaw Kaczynski, Law and Justice (PIS), has already carried out deep reforms in the legal system. Says political scientist Aleksandr Smola:

 "The promotion of Christian and Democratic origins is the basis of their ideology, but the party also spreads a hate speech against multiculturalism, social change, gays, feminism and even ecologists."

10 years after the 2009 coup, according to former President Manuel Zelaya, Honduras, is undergoing a dictatorship.

"Here, there are military laws that invade the civil sphere. Constitutional guarantees have been suspended, power has been centralized, the debate as well as democracy ... Violated the constitution: the president could not run for a new term and, Instead, he did it and now he's winning the elections with fraud. There's a dictatorship set up here and it's approved by Washington. " (Brazil de Fato, 11/11/2017)

According to Rodrigo Lentz, former coordinator of the Amnesty Commission and doctoral student in political science at the University of Brasília, the political activism of the Brazilian military has come from the founding of the Escola Superior de Guerra in 1949, which thinks the Armed Forces in relation to the "national objectives". For him, the military could even be behind the technological war in the election campaign, since they formed officers to act in social networks.

He claims:

"Brazil has always been at war in the military's eyes ... Lava Jato Operation herself used methods that were widely applied by Brazilian criminal law, especially against poor blacks... There is a geopolitical alignment with the United States that is doctrine and has a long tradition. " (Sul21 - 24/06/2019)

Afraid of global conflict, automatic alignment with the US, defense of corporate myth. For those formed in the 1970s, multipolarity was not accepted. For a colonial army, the people are the enemy ...

The new Army mission, to which the past years are added under the positivist influence, seems to be to maintain the "internal order" and to "preserve the homeland" of its internal enemies ...

The French military model developed during the Indochinese war is applied in Algeria and responds to a conflict prevention requirement, based on a reflection on the political role of the Army, according to researcher Rodrigo Araujo (University of Toulouse 2).

It seems that reserve militia, with a sense of fear of change, or "subversion," are even in shock with the conservative but realistic thinking of the active military. This does not invalidate a more or less automatic corporate union in the face of external/internal "danger", buying the narrative of corruption in a single party.

There are many statements by members of the Executive against Congress (designed in the period of re-democratization after 1985), which during progressive governments was a barrier to social advancement, but now shows that it can be a barrier to tyranny.

While a police state is being created, government popularity drops, football fans jeer the president and the Justice Minister visits the US spy agency. It is the struggle of the Planalto (the Executive) pen and its police-congressmen (PSL party) against the networks of organized society. The challenge now is to know to what extent institutions and "public opinion" can survive the onslaught of a privatized government machine and the advance of lying propaganda.

Afonso Jr. Lima

sábado, julho 06, 2019

Contos de (assustar) fadas - infantil - 2

Contos de (assustar) fadas

Afonso Junior Ferreira de Lima


Biblioteca Nacional
535801, em 03/08/2011

A GARÇA

Ele morava em uma terra que fora de um grande Barão. Era um terreno que começava com um barranco, por onde entravam todos, cheio de lixo. As ruas eram lama, fios de esgoto com todo tipo de sujeira. Seu irmão havia se envolvido com gente má e fora encontrado morto. Sua mãe morrera de tristeza. Ele tentara por algum tempo cuidar do pai e ficara no barraco que haviam construído, do qual se podia ver o lado de fora pelas frestas entre as tabuas. 
Mas o homem, caindo no alcoolismo, acabara por enlouquecer, morando na rua. Então o menino decidiu sair mundo afora e desceu o caminho que dava para a mata, pensando em chegar até o Lago Guaíba, que o povo chamada de “rio”, quem sabe lá do outro lado haveria uma vida melhor. A única coisa que levava consigo era uma faca de prata, um tesouro que escondiam muito bem e fora de seu bisavó, que lutara em revolução.
O entardecer era magnífico, rosa forte e laranja, e se via todo o verde dos morros da cidade. Dormiu na mata a primeira noite, e, por sorte, achou o que comer em uma laranjeira ali perto.
Ao amanhecer, um homem velho estava na estrada, com um cão imenso, branco, com o corpo tomado por manchas de sarda.
-          Pobre cão, por que está tão doente? O senhor devia dar banho nele!
-          Eu não, disse o homem - já tentei de todo jeito fazer curar esse bicho, mas é ruim que só vendo.
-          Até mesmo a morte seria melhor, veja como sua pele está vermelha e como sente coceira. Está sofrendo muito com tanta comichão.
-          Para isso teria de ter um revólver. E não tenho revólver aqui.
-          Então, quem sabe, o senhor me dá esse animal. Vou levá-lo até o rio e matá-lo.
-          Fique com ele. Seja feliz. – e desapareceu na estrada.

O cão olhou quase triste para o menino, que teve pena.
-          Pobre amigo. Não tenho remédios para te curar, mas venha comigo.


Andaram muito pelo caminho, e chegaram, enfim, até a beira do Lago. Dali se enxergava uma enorme baía, e o menino ficou contente de respirar um ar diferente, que nunca havia sentido. Sentou na areia e ficou olhando a água.
-          O que você faz aqui? - disse uma voz.
-          Quem esta falando?
Ele olhou por todos os lados e não pode acha ninguém.
-     Sou eu. A garça branca.
-          Garça! Você fala?
-          Sim, não sou uma garça como as outras... mas me responda, o que fazes aqui?
-          Eu e esse cão estamos sozinhos e não temos nem o que comer. Pensei se do outro lado do rio não poderíamos ter mais sorte.
-          Bem, atravessar esse lago é perigoso. Se você tentar nadar, vai se afogar.  Além do mais, a água é muito suja. Mas faça o seguinte: espere o pôr-do-sol, e eu falarei com minhas amigas. Duas de nós levaremos você e duas o seu amigo cão.
O cão mexeu o rabo todo faceiro.
Assim ele esperou pacientemente. Quando o sol baixou, quatro garças brancas vieram e fizeram com que voassem até as ilhas do lago.
- Aqui é nosso Arquipélago. Quase ninguém vêm a essas ilhas, e aqui e tão escondido pelo mangue que ninguém pode nos ver. E, dizendo isso, as garças desceram em um pequeno Forte abandonado, onde estavam reunidas muitas outras da sua espécie.
            Dentro da Fortaleza havia um rico mobiliário antigo, com tapeçarias, mesas douradas, quadros e até mesmo peças de porcelana e cortinas. As garças colocaram sobre  a mesa peixes variados, colhidos pelas ilhas longínquas onde iam, e o menino acendeu o fogo na lareira para prepará-los. Serviu-se muito bem e ao seu amigo cão e depois deitou-se num amplo divã.  Dormiu um pouco. Ao acordar, ouviu uma garça dizer:
-          Na verdade eu não sou uma garça, disse ela. Sou a filha do Barão, que foi dono de toda a extensão de terra daqui até o lugar onde você mora. Meu pai tinha muitos escravos, que roubaram um baú de ouro e fugiram para dentro das ilhas, formando um quilombo. Meu pai, que era um homem muito raivoso, decidiu persegui-los e acabou incendiando o quilombo, mas uma ninfa das águas, que estava observando, lançou uma maldição sobre meu pai. Eu me transformei em garça, assim como todos os homens que iriam morrer. Infelizmente, só eu posso falar, de modo que niguém mais sabe onde pode estar o tesouro. Por isso ele construiu um Forte nesse lugar e o mobiliou com o bom e o melhor.
-          E não há como desfazer a maldição?
-          Há sim. A ninfa disse que se fosse achado o baú de ouro, poderíamos voltar à forma humana.
-          E onde estaria esse baú?
-          Esse é o perigo. O baú está guardado por uma serpente terrível, muito maior que as outras, que anda com o peito reto como um humano, cujos olhos parecem fogo e leva na cabeça uma crista como a de um galo - e que já matou todos quantos tentaram se aproximar do tesouro. Seu olhar transforma em pedra tudo quanto se aproxima dela.
-          Não tenho escolha. Tenho comigo uma velha faca. Devo ir. Andarei pelo Arquipélago procurando a tal cobra.
-          Espere - disse a garça - leve esse espelho. Quando se aproximar do animal, nunca o olhe de frente, mas pelo reflexo.

O menino foi-se mangue adentro, com o seu fiel amigo cão, que sofria horrivelmente pela coceira da sarna. Ele observava a natureza, o céu azul, e pensava que tinha sofrido bastante em sua vida. Mas havia outras pessoas que também haviam sofrido. O mundo era realmente misterioso e era preciso abandonar velhos pensamentos como roupas que não servem ais, quando a gente cresce. O cão olhava para ele como se tivesse entendido seus pensamentos e parecia sorrir. É, amigo, não podemos desistir, parecia dizer.
De repente, aparece uma mulher desgrenhada, com um olhar terrível e uma foice nas mãos.
-          Que querem por aqui?
-          Eu estou a procura da Cobra Grande, e quero matá-la
A velha deu um sorriso maldoso.
-          Grande heróis aqui já morreram. Venham comigo à minha casa e lhes darei um veneno tão terrível quanto o da cobra.
O menino ficou receoso, mas decidiu acompanhar a mulher. Chegou a uma cabana imunda. Vidros estavam pendurados nas àrvores ao redor, contendo líquidos esquisitos e também bonecas de porcelana, sem cabeça, horripilantes.
-          Venham, venham, aqui está o veneno.
Dentro havia um caldeirão com um cheiro insuportável. Mal o menino se aproximou a velha pegou um longo bastão e deu três bordoadas em sua cabeça fazendo com que caísse no chão desmaiado. O cão fugiu correndo.
A velha amarrou o menino em um buraco fundo no chão. Quando acordou sentiu o cheiro úmido da terra, e suas mãos doloridas colocadas para trás. Na boca tinha algo amargo, talvez pingado ali para ficar mais sonolento.
- Para minhas poções preciso de sangue novo. Vou realizar sangrias em você.
Assim o jovem acabou dormindo, com muitas dores.
Sonhou que os homens do Quilombo, dançando, lhe mostravam onde estava o tesouro, bem abaixo do caldeirão da mulher.
A velha, enquanto o lago se tornava azulado e os pássaros gritavam um novo dia, havia tirado o garoto do buraco, aproveitando-se de sua fraqueza, e o pendurado por sobre o caldeirão em uma vara. Preparava-se para cortar seu punho com um punhal.
-          Não! - gritou o garoto quando percebeu sua situação. Que mal eu fiz a você?
Mas a velha, com um sorriso malvado, levantou a arma alegremente.
Nisso, ouviu-se um barulho assustador e a terra tremeu. Era como o rolar de um grande rio, um sibilar assustador que punha tudo a balançar. E eis que a velha grita, apavorada
-          O Basileu! O Basileu!
E, dizendo isso, começa a esverdear, com seus ossos tornando-se visíveis porque da cor de chumbo,  enquanto sua pele ia acizentando em um espetáculo horrendo. O menino, mais que depressa, fecha os olhos e fica imóvel, esperando que o ser medonho acabe por achar que está morto.

A terra continua a tremer ao redor do caldeirão, o fogo tornando-se cada vez mais intenso e o menino fazendo força para conter sua curiosidade e manter os olhos cerrados. Subitamente, um barulho de vidro se quebrando, um grito monstruoso, a Serpente parece contorcer-se, o menino abre um olho: é a serpente que geme e se retorce à beira da morte. O cão havia atirado o frasco sobre ele sem olhá-lo de frente. 
As garças vieram voando e viram a morte do terrível inimigo, soltando em seguida o menino. Este, logo se refez, derrubou o imundo coquetel do caldeirão e, apagando o fogo, cavou sob o local. Abriu em seguida o baú e, no mesmo momento, aparecereu a ninfa das águas.
-          Você acabou de encontrar o que ninguém ousou. Agora esses seres podem voltar à vida humana.
E ao dizer isso as garças tornaram-se pessoas de novo, e a linda filha do Barão caiu aos pés do menino agradecendo-lhe.
-          E a esse bravo cão eu concedo o direito de se tornar homem e ter suas chagas curadas, para que viva feliz ao lado da filha do Barão – diz a ninfa.
Assim o pobre cão torna-se um belo jovem.
-          E você, menino, agora pode viver e ajudar seu velho pai. Derrame sobre ele o conteúdo desse frasco. É uma essência do esquecimento, e ela apagara todos os dias infelizes. Mas cuidado, se colocar demais, ele perderá até mesmo sua própria identidade. Depois disso, volte para cá e eu lhe ajudarei a arranjar uma bela casa para vocês, com o tesouro do Barão.

Assim foi feito - o menino curou seu pai, e viveram felizes em uma bela casa à margem do Lago.   

AJR

Parte 1