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quinta-feira, janeiro 18, 2007


Coli e Bishop: além da aparente contradição


No caderno Mais! de 14 de janeiro de 2007, Jorge Coli fala sobre uma entrevista de Claire Bishop, crítica e professora inglesa, sobre a Bienal, em dezembro. Ela havia levantado o tema da curadoria do alemão Alfons Hug: "minha sensação (...) é que o Brasil teve duas exposições conservadoras”.

O crítico rebate: “Conservador' torna-se não um conceito analítico ou classificatório, mas insulto supremo”.
Entretanto parece-me que a professora se referia à preponderância de expressões artísticas “clássicas”, ou, como explica, “pinturas, fotografias de grandes dimensões e esculturas objetuais”.
Coli e Bishop têm mais em comum do que admitiriam. Ambos falam do abandono da dimensão artística, em função do artístico-marketeiro-político. O autoritarismo que coloca como critério de arte o poder do dinheiro, curadoria ou patrocinador.

Bishop argumenta que vem criticando trabalhos que “(...) em nome do engajamento político direto- não enfrentam a questão de sua própria representação para outros públicos”. Coli fala de um autoritarismo modernista institucionalizado: “Servem-se de pressupostos indiscutidos. Valem-se das convicções próprias a um grupo que compartilha das mesmas idéias. Basta, nesse caso, a opinião por ouvir dizer.”

O que é mais criticável na arte contemporânea é sua intelectualização (nos temas) e sua banalização (na realização, na recepção). Arte como entretenimento, discurso, abandono.
A vanguarda do tédio aponta para o pior mal que a arte pode sofrer: desinteresse.

Porque também olhamos para arte pare perceber a presença de alguém, um julgamento sobre o mundo, que torna mais complexo nosso próprio parecer. Mas se tudo se torna um mar de "bons sentimentos", significa que tudo se tornou um bloco único de crítica deslocada do particular, desfocada, ou, pior, que a avalanche de informações destruiu nossa visão compreensiva do mundo.
Nosso mundo feito de gavetas isolou artistas e críticos fisicamente, enquanto percepção de tons e semi-tons cotidianos, das tragédias mais fortes do mundo (favelas, danos ecológicos, corporações...) e lhes deixou apenas com filosofia e textos, que substituem e recriam o mundo. A realidade foi recalcada. Volta como imagem simplificada e global. A arte é reflexo disso, apenas.

A arte representa, claro, uma reflexão e um ponto de vista sobre o mundo, que se apresenta de forma mais ou menos clara e dirigida (uma defesa da moral aristocrática na Grécia Clássica, uma defesa da Igreja militante na Contra-reforma barroca, um impulso de reforma dos valores burgueses do dinheiro e da religião, no modernismo).

O que ocorre algumas vezes é que o tema se sobrepõe ao efeito, e isso submerge a arte ao moral, ao lúdico ou ao falso político.
A atual proliferação, quando funciona ou não, é retomada do conceito do mundo como tema. Justamente o modernismo propôs um olhar autônomo para a arte, a preocupação plástica como suprema reflexão, depois do exagero, no contexto europeu, do projeto político Iluminista-Napoleônico do Neoclasicismo, do político-libertário do Romantismo ou de uma arte realista de denúncia da miséria.

O que banaliza é perda de referência nos meios propriamente plásticos, a invasão dos conceitos em camadas de realidade diversos: a política deve ser feita em opiniões públicas e em atos de urna e manifestação; a crítica em letras, a ciência no laboratório. Isso não breca o inevitável contágio das áreas na era da informação, mas faz pensar sobre o autoritarismo do "político" em âmbitos autônomos- todos os chineses em tûnicas azuis, como Mao Tsé-Tung.

O medo difuso de um mundo dominado cada vez mais por grupos anti-democráticos (religiões, impérios, crime organizado, hiper-corporações e indústrias globais de mídia) e o medo sem rosto da insegurança total de um Estado-mínimo, a invasão da indústria do entretenimento- que utiliza os efeitos estéticos com projeto de induzir a um modo de vida e ao consumo- a inércia da crítica modernista à tradição, a falta de um conceito ético que se oponha e debata um capitalismo que dominou os desejos, tudo isso nos leva a uma arte mais conservadora e também mais “revolucionária”, para nada.

Mas toda a arte acaba sendo "lixo" vanguardista? Não, obviamente.
Quando idéia e plástica conseguem transmitir algo sem impor, o cotidiano, a solidão, os problemas urbanos, ambientais, de minorias, podem se tornar arte utilizando novos meios e tecnologias. É o drama de Tolstoi (mas que já se faz presente no debate Voltaire X Diderot): a arte deve ensinar, ou representa nossas crises ocultas, nossa incompreensão, nossa fragilidade?
Como o imaginário foi dominado pelos desejos corporativos e uma política conservadora, um simples re-arranjo de imagens pode significar, às vezes, criação, e, portanto, reflexão.

Como coloca Coli:

“O álibi das intenções éticas e intelectuais não consegue substituir o interesse da criação(...)”
O impacto da multiplicidade de imagens, sem necessariamente um contexto ou narrativa que os ligue, reflete-se na arte como descritivismo sem nexo, abundância nula. Um vago "bom mocismo" une toda a filosofia -distante do ativismo real das escolhas políticas ou do trabalho nas comunidades- mas que se contenta com um "discurso" de abertura ao novo, ao outro.

A postura de Tony Blair, de criticar o racismo presente no Big Brother inlglês, ao invés de discutir o racismo presente na sociedade inglesa, faz um triste espelho da arte vã como substituição do político. O mundo pode explodir, porque a imagem o substituiu.

Afonso Junior Ferreira de Lima

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