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quinta-feira, dezembro 27, 2018

A esperança e o silêncio

Na sua autobiografia, Dom Paulo Evaristo Arns lembra do final da década de 70, quando os trabalhadores de São Paulo sentiam que "vinham perdendo o poder aquisitivo de seu salário mês a mês... a constante destruição da saúde, dos estudos, da moradia, afinal, da vida de suas famílias". Apesar das limitações do sistema militar, decidiram fazer uma greve de grandes proporções. Foram fechados os centros de reunião dos operários, e as reuniões passaram a ocorrer nos salões paroquiais.

Em 30 de outubro de 1979, quando estavam reunidos na cúria os membros da Comissão de Justiça e Paz, chega a notícia de que os operários reunidos na Capela do Socorro tinham sido expulsos com cassetetes, gás lacrimogênio e ameaças de tiros. O presidente da Pastoral Operária, Santo Dias da Silva, virou-se para os operários pedindo que não reagissem. Um tiro o atingiu pelas costas.  

Quarenta anos depois, parece que todos os piores pesadelos do Brasil estão vindo à tona: repressão para barrar demandas sociais, a ausência de senso republicano nos donos do poder econômico e formadores de opinião pública, conservadorismo nunca desafiado por educação de qualidade, expropriação total de recursos naturais por transnacionais...

Vejamos os notícias recentes: 

8/12 - Os dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Paraíba Rodrigo, Celestino, 38 anos, do acampamento Dom José Maria Pires, e José Bernardo da Silva, 46 anos, do assentamento Zumbi dos Palmares, foram executados. 

21/12 - Um cozinheiro que  rede internacional de hotéis na região do Paraíso, ofende um casal e diz: “seus gays, merecem morrer”. Depois, assassina um homem de 30 anos em plena Avenida Paulista. 

- O policial militar João Maria Figueiredo, 36 anos, foi morto com tiros de arma que deveria ser de uso exclusivo das forças militares brasileiras. João trabalhou como segurança da governadora eleita Fátima Bezerra (PT) e era um dos fundadores do Movimento Policiais Antifascismo.

23/12 - Milton Dinho, locutor da Rádio Cultural FM de Sorocaba e militante da União de Negros pela Igualdade (Unegro), foi alvejado por "supostamente não ter parado durante a abordagem realizada pela Polícia Militar (PM)".

26/12 - A GCM (Guarda Civil Metropolitana) reprimiu uma manifestação contra a reforma na previdências dos funcionários do município de São Paulo na tarde desta quarta-feira... os guardas tentaram retirar faixas dos manifestantes, que reclamaram e receberam em troca jatos de gás de pimenta. (ponte.org)

Que pode conectar esses fatos e dar-lhes sentido? 
A primeira ideia que me vem é a de dois eixos: opressão e desinformação. 

O brasileiro médio é, antes de tudo, um desinformado. A solução fácil (ilusória) é a "ordem" à qualquer custo.
Tenho conversado com pessoas de todos os tipos: temos o sistema de desinformação operando em vários níveis com a ideia de inimigo interno.

Existe o grupo de pouca escolaridade cuja visão de mundo é formada por chavões, preconceitos, frases-clichê que misturam impressões e tradições das mais conservadoras. Cuba, saudade dos militares, a arma como sonho de consumo. 
Existe o grupo técnico-proprietário, com chavões jornalísticos, informações sem conexão com o contexto e soluções baseadas no medo de classe. Nossa sociedade pode ser bem explicada por um sentimento de aristocracia branca, confortável com a existência de seres “inferiores”, que podem viver uma vida miserável e não devem participar das decisões.
Existe o orgulho do desinformado, a raiva desinformada, que repete a opinião simplória como "vingança". 

Você pode usar o medo e o ressentimento do desinformado para tomar o poder. Mas o preço da desigualdade é a violência - o Estado como controle, o crime como retomada dos meios de produção de vida, o dinheiro. 

Na nova ditadura de face Judicial, a razão comum, na qual diversas opiniões convivem e acham um centro possível, se perde em nome da busca de culpados fáceis, fruto da narrativa do sistema banqueiro-midiático, do reacionarismo autoritário anticomunista e do fundamentalismo religioso, que direcionam a raiva com a crise do brasileiro kamikaze desinformado para os movimentos sociais e as vítimas da opressão. 

opressão. A repressão opera também pela formação de uma certeza fanática. 
Para o tele-pastor Silas Malafaia, ser gay é "é uma questão de comportamento, um homossexual pode abandonar essa prática e tornar-se heterossexual; até porque, a maioria dos homossexuais tem algum grau de atração pelo sexo oposto”.

Em São Paulo, segundo a vereadora Juliana Cardoso, na aprovação do Plano Municipal de Educação, vendeu-se a ideia de que, se a discussão de gênero fosse incluída, culminaria com a extinção de banheiros masculinos e femininos, nas escolas. Um sistema de eleitores desinformados, políticos que respondem a essa tradição antidemocrática e líderes religiosos com projetos de poder derruba o acordo baseado no bem comum e no que é melhor para todos.

A expropriação dos recursos naturais (os camponeses são assediados por fazendeiros com propostas de arrendamento para monocultura) se dá até mesmo pela violência do abandono:

“Não há investimentos em estradas, habitação, escola, posto de saúde e nem em crédito. Porque, por mais que você tenha boas ideias, força de vontade e os braços para produzir, sem o subsídio do Estado isso é praticamente inviável', pondera Ayala Dias Ferreira é integrante do Movimento Sem Terra (MST)"

A opressão por instrumentos legais é a estrutura do Brasil oculto. A impunidade é a regra para a violência no campo, sendo que 54% da área total em conflito no Brasil fica em terras indígenas. 

Sobre a morte do policial João Maria Figueiredo, a Direção do MST-SP afirmou em nota:
"As autoridades brasileiras silenciam diante deste cruel tribunal das ruas, no qual a força policial reúne ao mesmo tempo a função de abordar, prender, julgar, condenar e submeter a pena, tudo em fração de segundos, no apertar do gatilho".

Segundo o portal Ponte Jornalismo, uma pessoa morre a cada três horas, apesar do investimento brutal em policiamento (R$ 8,9 bilhões em 2014 no estado de São Paulo, enquanto, em 2013, o investimento em cultura foi de R$ 1,09 bilhão, cerca de 0,6% do orçamento total); entre 2009 e 2016,  foram 21.897 vítimas fatais de violência policial, enquanto 4.224 agentes morreram. 

Também o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), seguem monitorando movimentos sociais. 

Conforme o The Intercept Brasil (dez/2016):
"A historiadora Nina Schneider considera preocupante que, sob o governo Michel Temer, a Abin tenha em mãos o banco de dados do GEO-PR. 'Nas mãos erradas, esses dados sensíveis podem facilitar a repressão política. Esperamos que isso não aconteça, porém há indícios preocupantes que exigem a nossa atenção', diz ela.

Ao cidadão "fracassado" no modelo de consumismo instalado é dada a opção de ser mais "forte" oprimindo um em pior situação: o imigrante,  o refugiado, o morador de rua...
Ao invés de criar igualdade pelos serviços públicos, ele crê que inflação (salários altos) e o "Estado" (patrimônio coletivo) são o problema. 

A ideia republicana de acordo está sendo retirada do sistema. Nossa longa tradição autoritária anistiada passou a ser desejo do pobre desempoderado pelo crime na parada de ônibus. Mas existem aí dois caminhos apontados: a informação e a utopia de uma sociedade menos opressora.

O cardeal da Esperança nos ensina com sua história. Em 1971, respondendo a alguns bispos que recolheram casos de violações, Dom Paulo teria audiência com o general Garrastazu Médici. Denunciou os "esquadrões do terror", ao que o presidente respondeu: "O senhor vem defender bandidos que matam inocentes. Seu lugar é na sacristia". Nessa noite, Dom Paulo fala no Seminário Anglicano conclamando o povo a "livrar o país da situação calamitosa em que se encontra e retornar à democracia".

Negligência do Estado, cortes de investimentos, controle da informação, ideologização das instituições, silenciamento - são muitos os desafios. O que é certo é que a humanidade tem também um sentido de solidariedade e de justiça, e esses valores prevalecerão porque são a luta pela vida. 


Afonso Jr. Ferreira de Lima
Filósofo, escritor

ARNS, Paulo Evaristo. Da esperança à utopia: testemunho de uma vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. 

https://ponte.org/policia-mata-uma-pessoa-a-cada-3-horas-no-pais-que-mata-um-policial-todo-dia/

https://ponte.org/todo-dia-pelo-menos-um-policial-militar-desiste-da-profissao-em-sp/

https://theintercept.com/2016/12/05/abin-tem-megabanco-de-dados-sobre-movimentos-sociais/

https://noticias.r7.com/sao-paulo/governo-de-alckmin-recebe-criticas-na-area-da-cultura-14052014

https://www.youtube.com/watch?v=bFoT_M_V0Y8&t=2997s

https://www.youtube.com/watch?v=kBsP0KkYPTs

https://www.extraclasse.org.br/exclusivoweb/2018/04/as-pecas-da-engrenagem-da-violencia-no-campo-grileiros-fazendeiros-e-o-estado/


terça-feira, novembro 27, 2018

recebendo o amigo

É preciso recolher o lixo.
A cama com novo lençol, água pura.
As folhas verdes têm terra úmida.

Os seres venenosos rastejam entre folhas e lama.
O frio penetra na ruína em que nasce mato.
A noite completa dos meus passos angustiados.

Eu nunca imaginei que me trairia assim.
Eu sou apenas um eu mais forte.

Eu coloco uma toalha nova, pratos limpos, perfume no chão.
É preciso alguma comida, banheiros impecáveis.
O sol em janelas translúcidas, sabonete novo.

Eu sentia o abismo, fundo demais, eu não queria.
Meu corpo vinha me atacar, eu não podia permitir.
Segurei as lágrimas.

Eu estava seguro em minha força e cai assim.
Eu sou apenas um outro eu fraco.

Minha pele estremeceu lembrando da sua.
Eu me desespero e observo como perco tudo que conquistei.
Minhas mãos inquietas pareciam vazias.

Eu nunca parei com a alegria que passa.
A coisa que me arrasta mais forte.

O sol se põe, minha alma pensa nas coisas que vão.
Eu levanto, eu sei que nada permanece, ir em frente.
A porta, é preciso alegria serena.

Alguma beleza.

Mares monstros

monstro mundo outro mar
controle sobre o que sei
a dura censura do rei
saber mas não hoje pensar

o poeta na prisão
sem o caos não se acha o ouro
pergunta move a razão
montanhas sem tantos muros

máquina de não lembrar
não saber sobre o não sei
esquecer sono hibernei
o nevoeiro do calar 

Afonso Lima 

segunda-feira, novembro 19, 2018

Na montanha

Abro a boca cansada hoje esse mundo invisível prisioneiro
o fundo do tempo caminhar o monumento que vem opaco
A esperança exausta da mulher espanto do novo manifesto brutal
o coletivo medo na terra limpeza os que sabem cor de pássaros ameaça
Caminhando no túnel sem vento perdidos no cimento chegando em grades e soldados
fervor dos corpos não estão entendendo nada

A esperança dos negros e o cão o sol ardente e as algemas do martírio
sobem os gritos da nova cela constelação de fantasmas vingadores
O trabalho espinho tropical a mulher marginal com a faca
a arte ferida na esquina homem branco perigo mortal
Depois da alvorada e livro e fala rimada se lança
eles como rebanho as mãos algemadas a pele como destino e não

O vigia as cabeças no pátio a mãe agachada eles tiram os canos
chuva negra não pode ser tanto por buraco eles riem da nossa cara
Presos no eco do passado o dourado divino o autômato
vitimas restos na mesa do banquete a festa do santo guerreiro
Bandeira lavada na água ruim de Ipanema militarizada
luar que perdeu o mar sangue pouca tinta da pátria apodrecida
Os aviões e o suspiro do cidadão da pátria mundo expulso

Poder o grupo a canção a liberdade nasce na montanha
Vem libertação na dança já é outra nação que levanta


Afonso Lima





quinta-feira, novembro 15, 2018

A marcha

A seca parecia pior com o por-do-sol.
"Fora daqui!"
A marcha dizia que eles merecem. Seremos minoria em breve.

Uma noite caía sobre a cidade, exausta pelo calor; soldados privados monitoravam as ruas.
Johv saiu sozinho e voltava para casa. Estava apaixonado. Estava confuso.
Seu tio o observou, serviu um chá. Eles conversavam pouco.

Seu tio havia vivido num campo de detenção quando seu barco chegou.
Parlamento operante, Justiça operando, ataques de drones, barcos cheios de gente, lares devastados, guerra.
- Por que não podemos falar sobre nosso medo?
- As festas místicas, eu já fiz isso.

Comeram.
Ele finalmente disse:

- Você sabe.

Eu vivia no caos e na confusão.

Prometeram me proteger. Eu tinha 19.

Tinha problemas com meus pais. Eles diziam que era auto-defesa. Foi lavagem cerebral.

Tivemos uma festa teatral, irmãos, mãos dadas.

Devíamos manter a desigualdade, era um ritual, desde crianças, bebês, a ordem ia voltar.

Nós éramos fantasmas do inferno.  A liberdade pedia atos de violência.

Havia um romantismo, no filme eram defensores da mulher perseguida por negros.

Os imigrantes, judeus, católicos e negros eram os culpados.

Eles queriam ganhar as eleições de 1944.

O tio acabou seu vinho. O vento da noite entrava pela janela.

Johv pulou a janela para dentro da casa dela.

Afonso Lima





domingo, novembro 11, 2018

luzes

eu sou muitos
e de tudo o que mais amo
é me contradizer
as coisas mudam elas precisam mudar
aprendemos com nossos erros
eu não sei tudo o outro não sabe tudo
eu tenho minha verdade ela tem sua verdade
o outro não é igual a mim isso me amplia
você não gosta do feminismo
pois é justamente sobre a opressão sobre as mulheres
que eu quero saber
você não gosta de falar da riqueza africana
pois é justamente a negritude bela, forte e inteligente que eu vou estudar
você não gosta de gays, lésbicas, trans, reflexões sobre gênero.
pois é sobre isso que vamos conversar
vamos pensar vamos criar vamos perguntar
o povo tem poder o povo é lindo

você pode acabar com as escolas, mas não com o livro
você pode destruir um livro, mas não pode silenciar a curiosidade
você pode destruir uma curiosidade, mas não pode silenciar a angústia
você pode prender, e o juiz pode consentir
mas você não pode conter uma nação
que pergunta

Afonso Lima

domingo, outubro 28, 2018

Why do the poor neighborhoods vote in Bolsonaro? - By Lennon

The 5 big reasons
(This is a rush transcript. Copy may not be in its final form.)
By Lennon - Brazilian Youth Union

After several dialogues with different people from the poor neighborhoods of São Paulo, I came up with the five great reasons that lead most of the peripheral voters to vote in Bolsonaro.

THE FIRST GREAT REASON - ANTIPETISM

Antipetism was fostered by the Traditional Great National Media. The media sold the idea of ​​the PT as an enemy of Brazil and the people, seeking answers to the crisis we are experiencing today, bought this idea. Following this line of reasoning, the peripheral electorate wants to elect anyone other than the PT. It is in this scenario that Jair Bolsonaro appears: "The Savior of the Homeland!", Presenting magical and contradictory solutions to the challenges faced in the periphery. With a language that talks directly with the common man, of equal to equal.

THE SECOND MAJOR REASON - POLITICAL RENEWAL

The people have a strong desire for political renewal, they want new faces. The question I ask is: Is it worth a renewal at any cost? Let us be cautious and think what kind of renewal we want.

THE THIRD GROUND REASON - THE PERIPHERY IS ABANDONED TO THEIR OWN LUCK

The abandonment by the public power to the peripheral population, generating the high rate of violence: assaults, rapes, robberies and murders makes people cry out for more security. In this sense, Bolsonaro answers the demand of the peripheral population for security, even if it is a questionable proposal, he saw this demand.

The ordinary working man from the periphery is tired of being robbed and seeing people die from a cell phone, one does not have justice on the periphery. Since the State does not provide public security policies capable of containing urban violence (which has also arrived in the countryside), Bolsonaro sells the idea that citizens should be responsible for their own security by making the Disarmament Statute more flexible and access facilitated by firearms. Still in the branch of Public Security, Justice and Citizenship, the common man from the periphery asks himself: "Where is Human Rights when a family man is killed in a robbery?"

THE FOURTH GREAT REASON - THE POPULARIZATION OF TECHNOLOGY, INTERNET AND SOCIAL NETWORKS X THE PHENOMENON OF FAKENEWS (FALSE NEWS)

Today anyone can send instant messages via WhatsApp, including people with low educational level and not literate, because in addition to the possibility of communicating via text messages, we have the possibility to send videos, audios and images. On the other hand, most people still do not have the maturity to deal with fake news on the internet and on social networks. This combination of factors causes the spread of fake news very quickly.

THE FIFTH MAJOR REASON - SOCIAL INEQUALITY AND NEOPENTECOSTALISM'S ADVANCE IN THE PERIPHERY

It is known that life on the periphery is not easy, people here have a history of many violations of basic rights. Establishing thus the main challenges of the peripheral population: unemployment; low quality of public education; I wait for a long time in the long queues to do exams, appointments, surgical procedures and the lack of medicines in the public health system; the misery that leads to hunger; underemployment and low salary; The high prices: on bills of light, water and rent, gas cooking, fuel, basic basket items.

 Beyond the violence that haunts us and bleeds the periphery! It is in the face of these challenges that neo-Pentecostalism has grown that presents itself as a solution to all evils, presents the theology of prosperity and brings in its discourse the preconization of rigid moral values ​​against other ways of seeing and thinking the world.

They end up encouraging people on the periphery to close and become fascists, with antidemocratic and imperialist values. Guided by the neo-Pentecostalist discourse, they see in Bolsonaro the savior of the traditional Brazilian family, of morals and good customs. It establishes here a difficulty of accepting the diverse forms of being and being in the world.

In conclusion, analyzing the scenario of the current peripheral social conjuncture realizes how much momentum is conducive to the unbridled growth of the extreme right in the peripheries.


São Paulo, October 23, 2018.

quarta-feira, outubro 24, 2018

Por que a periferia vota em Bolsonaro? - Por Lennon


Por que a periferia vota em Bolsonaro?
Os 5 grandes motivos


Por Lennon - União da Juventude Brasileira

Após variados diálogos com diferentes pessoas da periferia paulista, cheguei aos cinco grandes motivos que levam grande parte dos eleitores periféricos votarem em Bolsonaro.

O PRIMEIRO GRANDE MOTIVO - O ANTIPETISMO

O Antipetismo foi fomentado pela Tradicional Grande Mídia Nacional. A mídia vendeu a ideia do PT como inimigo do Brasil e o povo, buscando respostas para a crise que estamos vivenciando atualmente, comprou está ideia. Seguindo essa linha de raciocínio, o eleitorado periférico quer eleger qualquer um que não seja o PT.

É nesse cenário que surge Jair Bolsonaro: “O Salvador da Pátria!”, apresentando soluções mágicas e contraditórias para os desafios enfrentados na periferia. Com uma linguagem que conversa diretamente com o homem comum, de igual para igual.

O SEGUNDO GRANDE MOTIVO - RENOVAÇÃO POLÍTICA

O povo tem um forte desejo de renovação política, querem novos rostos. O questionamento que faço é: Vale uma renovação a qualquer custo? Que sejamos cautelosos e pensemos qual tipo de renovação queremos.

O TERCEIRO GRANDE MOTIVO - A PERIFERIA ESTÁ ABANDONADA A PRÓPRIA SORTE

O abandono por parte do poder público para com a população periférica, gerando o alto índice de violência: assaltos, estupros, latrocínios e assassinatos faz povo o clamar por mais segurança. Nesse sentido, Bolsonaro dá uma resposta para a demanda da população periférica por segurança, mesmo que seja uma proposta questionável, ele enxergou esta demanda.

O homem comum trabalhador da periferia está cansado de ser assaltado e ver pessoas morrerem por causa de um celular, não se tem justiça na periferia. Já que o Estado não provém políticas de segurança pública capazes de conter a violência urbana (que também já chegou no campo), Bolsonaro vende a ideia de que o cidadão deve ser responsável por sua própria segurança através da flexibilização do Estatuto do Desarmamento e o acesso facilitado a armas de fogo. Ainda no ramo da Segurança Pública, Justiça e Cidadania o trabalhador homem comum da periferia se pergunta: “Cadê os Direitos Humanos quando um pai de família é morto num latrocínio?”

O QUARTO GRANDE MOTIVO - A POPULARIZAÇÃO DA TECNOLOGIA, INTERNET E REDES SOCIAIS X O FENÔMENO DAS FAKENEWS (NOTÍCIAS FALSAS)

Hoje qualquer pessoa pode mandar e enviar mensagens instantâneas via WhatsApp, inclusive pessoas com baixo nível de instrução escolar e não letradas, pois além da possibilidade de se comunicar via mensagens de texto, temos a possibilidade de enviar vídeos, áudios e imagens. Por outro lado, grande parte das pessoas ainda não tem maturidade para lidar com notícias falsas na internet e nas redes sociais. Essa combinação de fatores provoca a disseminação de notícias falsas de forma muito rápida.

O QUINTO GRANDE MOTIVO - A DESIGUALDADE SOCIAL E O AVANÇO DO NEOPENTECOSTALISMO NA PERIFERIA

Sabe-se que a vida na periferia não é fácil, as pessoas aqui tem um histórico de muitas violações de direitos básicos. Estabelecendo assim os principais desafios da população periférica: desemprego; baixa qualidade do ensino público; o aguardo durante muito tempo nas longas filas para fazer exames, marcar consultas, fazer procedimentos cirúrgicos e a falta de medicamentos na rede pública de saúde; a miséria que leva a fome; subemprego e baixo salário; Os altos preços: nas contas de luz, água e aluguel, gás de cozinha, combustível, dos itens da cesta básica.

 Além da violência que nos assombra e e sangra a periferia! É diante destes desafios que têm crescido o neopentecostalismo que se apresenta como solução para todos os males, apresentam a teologia da prosperidade e e trazem em seu discurso a preconização de valores morais rígidos contra as outras formas de ver e pensar o mundo.

Acabam por estimular as pessoas da periferia se a fecharem e tornarem-se fascistas, com valores antidemocráticos e imperialistas. Guiados pelo discurso neopentecostalista, enxergam em Bolsonaro o salvador da tradicional família brasileira, da moral e dos bons costumes. Se estabelece aqui uma dificuldade de aceitar as diversas formas de ser e estar no mundo.

Concluindo, analisando o cenário da atual conjuntura social periférica percebe o quanto o momento é propício para o crescimento desenfreado da extrema direita nas periferias.


São Paulo, 23 de outubro de 2018.

terça-feira, outubro 23, 2018

A ideia de democracia

Quando Aristóteles escreveu sua Política, usou expressões como "excelência", "justo" e "boa vida".

Ele valorizou o conjunto e achava que os homens eram melhores coletivamente.

O Estado devia promover a vida completa, auto-suficiente, a liberdade. Por isso, o atributo maior era a razão, espaço de diálogo e de contenção da força e do corporativismo.

A sociedade da guerra é apenas o poder do mais forte. Todo movimento social de uma sociedade desigual será "terrorismo". Afeito pós-11-set.

A esquerda progressista demorou a perceber que o jogo democrático tinha sido abandonado pelo puro marketing do ódio.

Um amigo foi agredido ao tentar entregar um panfleto. 

O marketing foi responsável por liberar os preconceitos de sua contenção social, na medida em que recebia-se material reforçando preconceitos: efeito manada.

Ódio da classe média que ignora o social - acostumada a privilégios coloniais, como definir o discurso pela educação para "eleitos".

O ódio do pobre que luta por sua própria extinção. Se o "corrupto" apanhar, a massa se alegra com a limpeza.

A democracia une o voto e a razão.

A fragilidade das instituições é chocante: a Justiça e polícia militar parecem poderes sem nenhuma relação com os eleitores.

Lembremos algumas manchetes recentes:

- Cunha recebeu R$ 1 mi para 'comprar' votos do impeachment

- Grupo Globo atinge 100 milhões de pessoas por dia

- Não se tem respeito por instituições, diz Marco Aurélio de vídeo contra Supremo

- Ministério Público - Depois de terem virado heróis nacionais por força de midiática atuação à margem da Constituição e das leis processuais, querem se assenhorar do Estado como um todo, avalizando, ou não, quem se candidate a cargo eletivo. (Eugênio Aragão)

- Responsável por investigar crimes cometidos por policiais militares, o coronel que comanda a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo faz postagem de vídeo em apoio a Bolsonaro

- Empresas compram pacotes ilegais de envio de mensagens contra o PT no WhatsApp, diz jornal -

De acordo com a apuração do jornal, os contratos chegam a 12 milhões de reais e, entre os compradores, está Luciano Hang, dono da Havan.

- Wall Street Journal pergunta a Rosa Weber: uma acusação como essa [sobre uso ilegal do WhatsApp] pode levar ao cancelamento da eleição e à deposição do presidente eleito? O resultado do primeiro turno teria sido diferente se as redes não tivessem disparado rumores falsos?
 
As classes privilegiadas não buscam acordo. Querem dominar e moldar sem diálogo, o autoritarismo latente é engolido pelo autoritarismo exteriorizado da infiltração militar.

Antes, era a luta contra o fim das escolas e da saúde. Agora, contra a guerra às drogas e aos ativistas. 

Recebi um "meme" de calúnia de mulher que foi torturada na ditadura. Porque ela falou de sua experiência na campanha do outro partido. 

A fome de abrir espaço para a direita prendendo candidatos de cunho popular não levou em conta o fator internet, que derramou a corrupção de direita pelos celulares.

Agora se fala abertamente em fechar o Supremo e acabar com o MST. A classe oligárquica pode achar ótimo. Até perceber que vive no Talibã - e no Talibã não tem lei.

São muitas as pessoas incapazes de mudar. 

Jovens de origem pobre que não têm consciência dos próprios interesses. A dominação total mental não é democracia.

Eu quero perguntar:
"Colômbia, o Brasil do futuro? Você quer viver numa cidade militarizada?"

Patrocinadas por forças econômicas que mandam no país há 60 anos, paramilitares de extrema direita expulsam pessoas, separam famílias, eliminam ativistas sociais, arrasam a democracia e os direitos humanos (Rede Brasil Atual)

Há uma fala agressiva de pessoas muito boas, pessoas querem ditadura porque não conhecem a História e são incapazes de pensar por que democracia é melhor. "Agora toda a violência é culpa do Bolsonaro" diz uma aposentada.

O anti-inteletualismo criou a onda de que artistas, professores, ativistas são "esquerdopatas". Se pensa que a realidade é simples... não se precisa de argumentos.

Alguns acharam que iam lucrar com o novo regime autoritário: seria bom para o mercado menos interferência popular no Congresso ou um pulso firme em reprimir manifestações. Mas o monstro pode engolir até a mídia.

"O judiciário influenciou esta eleição especialmente na reta final. Tudo isso seria tratado como escândalo em qualquer democracia séria, mas nós já estamos acostumados com esse faroeste tropica".

https://theintercept.com/2018/10/07/judiciario-fake-news-bolsonaro-eleicao/


Processo contaminado. Se não se denunciar internacionalmente agora, vamos amargar a fake-eleição de um fantoche que vai recolocar o Brasil numa Guerra Fria, calando o povo.

No fundo, não é uma eleição. Porque democracia é quando as ideias circulam e são comparadas, e os rumos são decididos com base na melhor opção. Aqui, parece apenas justificação de uma tomada do governo do poder econômico com ajuda dos militares.

A técnica fascista de calar o outro. O mundo estaria dividido entre China (o mal) e Estados Unidos (o bem). Não adiantaria mais defender nossas riquezas. Altera-se a regra para que a campanha seja curta. Cria-se o culpado de tudo e o inimigo interno pela mídia de voz única (na espera de uma direita que transforme o Estado em apenas polícia).

O "antipetismo" cria o "robô anticorrupção". Surge um líder militar fundamentalista "carismático" que representa a mudança (conservadora) e, um projeto de estado para os bancos (num golpe mais à extrema-direita).

Quem quer ampliar a democracia, críticos, são calados. Nesse pesadelo colonial, a supremacia branca extermina os não-brancos para ter colônias e lucrar economicamente. A polícia diz que a suástica é um símbolo budista e o altos cargos da Polícia dizem que nunca houve tortura. Não são regras democráticas. Hora de campanhas internacionais.

Afonso Lima

Livro: "Paris: a festa continuou (1940 -1944)" - de Alan Riding


quinta-feira, outubro 18, 2018

Livro: "O ódio como política" - de Esther Solano


O fascismo e a luta

A democracia é o governo da maioria com respeito à princípios básicos. Não pode a maioria
ir contra a civilização. Por isso se diz que a Justiça seria contra-majoritária.

"O MP é uma ideologia de classe média alta, de quem está numa redoma de bem-estar social, e não tem muita preocupação senão valorizar seu serviço", diz Eugênio Aragão em "O Cafezinho".

Pode haver agora uma ligação entre fundações do exterior, empresários, publicitários, relações públicas e intelectuais, redes de moldadores culturais que corrompem a democracia manipulando as pessoas que deixaram sem educação. Em algum momento um candidato que faz apologia ao fechamento do Congresso e à tortura deveria ter sido barrado. O mais grave é pensar: nossa Justiça não se importa com a democracia?

O que se mostrou trágico foi que temos uma massa de pessoas sem nenhuma informação (f*d#-se a Amazônia), algumas sem outra mensagem que a dos fanáticos religiosos e, ao que parece, sua aliança com a indústria de armas israelense, mas não de todos os judeus ("Pastor americano ligado a Trump vê Bolsonaro como defensor de Israel" - Portal Guiame ), e a mídia totalitária está fechando junto.

Há alguma ligação com o modelo de militarização da vida, contenção do "inimigo interno" dos governantes de Israel e de sua WARdústria e expertise. "Israel arrecadou mais de US$ 3,5 bilhões em venda de armas só em 2003" (GRAHAM, Cidades sitiadas, Boitempo).

R$ 4,9 bi (2010 -17) - Governo de SP gasta com materiais de segurança três vezes valor de educação e cultura juntos - R7

- Choque recebe blindados israelenses no valor de R$ 30 milhões em SP (G1 -2015)

https://noticias.gospelprime.com.br/apoio-de-bolsonaro-a-israel-e-a-chave-desta-eleicao-afirma-pastor/

Brasil é um dos principais compradores de tecnologia e treinamento militar israelense
https://www.brasildefato.com.br/2017/02/03/brasil-e-um-dos-principais-compradores-de-tecnologia-e-treinamento-militar-israelense/
- Donald Trump é o "garoto propaganda" da indústria de guerras e mortes em série - Wlter Santos - Brasil 247
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/waltersantos/331459/Trump-trama-em-favor-da-ind%C3%BAstria-armamentista.htm

Os bancos/mercado parecem festejar as tais "reformas" - e a repressão é apenas um efeito colateral.
Bancos e rentistas vão dar fim à democracia?

"A democracia para esse tipo de elites econômicas é um acessório. Se a democracia começa a ser incompatível com seus interesses, será atacada". (Esther Solano - Voz Ativa)

Temos um sistema jurídico comprometido.
Por ex: "Domínio do fato e delação premiada: vírus estrangeiros no sistema jurídico brasileiro - André Motta Araújo - GGN).

Lá fora, o fascismo existe. Jornais brasileiros estão apoiando quem vai destruir artistas, jornalistas, escritores e professores? Silenciar a outra voz, silenciar a contradição?

Foi anunciado: “Preparem-se, esquerdopatas: no que depender de nós, seus dias estão contados” - Rodrigo Amorim (PSL)

Imaginamos que a Globo, que atinge 100 milhões de pessoas por dia, não seria extrema-direita a ponto de derrubar presidentes eleitos e calar sobre a ameaça fascista...
NYT: Jair Bolsonaro prometeu patrocinar o poderoso setor de agronegócio de seu país, que busca abrir mais florestas para produzir a carne bovina e soja que o mundo exige.

- FP - Ao contrário das formas anteriores de populismo (à esquerda e à direita) que abraçaram a democracia e rejeitaram a violência e o racismo, o populismo de Bolsonaro remonta ao tempo de Hitler.
https://foreignpolicy.com/2018/10/05/bolsonaros-model-its-goebbels-fascism-nazism-brazil-latin-america-populism-argentina-venezuela/

Le Monde - FRA - Eleição presidencial no Brasil: democracia ameaçada - Nós não podemos colocar o PT e Jair Bolsonaro em pé de igualdade. Lula e seus herdeiros nunca colocaram em risco o processo democrático no Brasil.

https://www.lemonde.fr/idees/article/2018/10/09/election-presidentielle-au-bresil-la-democratie-menacee_5366701_3232.html


Uma mulher em protesto é presa e tem de dizer "elesim" para sair.
Uma travesti foi esfaqueada em pleno centro de São Paulo por gente gritando o nome "dele". Sabe aquele odiosinho guardado pelo seu vizinho, colega ou parça do futebol - que faz Muay Thai?
A classe média conservadora acha que é fácil viver num mundo totalitário se você tem dinheiro; mas qualquer crítico perde é "inimigo", a direção não e mais exercida pela razão comum dialogada, mas pela escolha do bruto e corrupção do absoluto. 

Financial Times - O jornal britânico Financial Times publicou uma reportagem em que avalia a existência do neonazismo no Brasil e destaca o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) como exemplo da extrema direita.

https://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/274689/FT-v%C3%AA-crescimento-do-neonazismo-no-Brasil-e-cita-Bolsonaro.htm

"Agentes de segurança pública aparecem entre mais votados - R7".
Se a esquerda não falar o que está interessando à massa (segurança) não vamos melhorar. 
Para isso é preciso descolonizar o pensamento com a louvação anglo-eurocêntrica e ouvir aqueles tratados como "não-pessoas". É preciso saber que o punitivismo do pai de família que quer mais gente no presídio, junto com o abandono do estado, está levando a super-lotação que gera exércitos de assaltantes dispostos a "salvar os irmãos". 
O uso colonial da violência - contra as "espécies inferiores sem o apoio da lei" - volta-se para dentro, contra os habitante locais - com o "precioso status de seres humanos". (Paul Gilroy, historiador britânico negro).  

Como a publicidade política está refazendo a democracia?  Como temos dito, desde a vitória do prefeito de São Paulo, temos um jogo bizarro no qual a razão foi soterrada por publicidade do mal.
São pessoas que ouvem, mas não escutam. É biológico. É o autoritarismo do ignorante, alimentado pela pesquisa de opinião. O controle da opinião deixou milhões sem contexto para refletir sobre as notícias.

As técnicas de publicidade caiu sobre os abandonados da globalização. e esses podem ser pessoas formadas, viajadas, mas sem leitura, sem informação diversa. A Justiça deveria cassar a candidatura, mas o abuso de poder econômico será punido?

- O Breitbart News foi fundado em 2007 pelo comentador conservador Andrew Breitbart, tendo conhecido uma rápido crescimento e popularidade, principalmente durante a liderança de Bannon e durante a campanha presidencial norte-americana de 2016 onde prestou apoio a Donald Trump. O site ficou, no entanto, ligado à divulgação de várias notícias falsas e teorias de conspiração inventadas com o objectivo de marcar a sua agenda política. Muito do conteúdo publicado nesta plataforma de notícias foi considerada racista, xenófoba, sexista e um veículo de comunicação da extrema-direita.
 
https://www.publico.pt/2018/01/09/mundo/noticia/steve-bannon-deixa-o-breitbart-1798746

RFI – Como se explica que os eleitores de Bolsonaro minimizem a gravidade do discurso de ódio, misógino, que o candidato emprega, dizendo que “é só um jeito tosco e grosseiro de se expressar”?

Isso é um processo de banalização do discurso de ódio. Esses eleitores não enxergam, não identificam um discurso de ódio e, sim, um exagero, até uma coisa folclórica do candidato. Eles inclusive falam que Bolsonaro é um candidato honesto, que não se deixa levar pelo marketing eleitoral, pela roteirização da política. “Ele fala o que quer e tem liberdade de expressão”, alegam. Esse eleitor rejeita a tirania do politicamente correto. Temos aí uma trivialização do discurso de ódio do Bolsonaro.

A direita radical quer dizer que existe excesso de estado num país em que metade da população não tem ensino médio ou esgoto. Existe um embate entre falsas ideias e ideias boas. Nós tentamos fingir que não e acabamos com obscurantismo fanático.
Jovens mobilizados, minorias apavoradas/ativas, feministas criando movimentos.
"Ainda dá tempo" está colado na parede de um teatro. 
façamos nossa parte. 

Afonso Lima

Luis Nassif - A saída pela via militar estava prevista desde o início do impeachment. E a peça central sempre foi o general Sérgio Etchgoyen, nomeado para Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
- GGN - 19/02/2018 https://www.youtube.com/watch?v=r9Sye4rf_7w 

segunda-feira, outubro 15, 2018

Carta a uma jovem mãe

Muitos vídeos na rede e os adolescentes embarcam.
- A tática consiste em fazer críticas de forma agressiva, algumas vezes por meio de palavrões e insultos, as mensagens dos textos são contundentes e com ataques pessoais a figuras públicas dos quais divergem ideologicamente.
(Rodolfo Borges, El País)

O que eles estão fazendo é tirar o debate racional e substituí-lo pelo fanatismo. São pessoas que dizem: "Eu li, eu tenho
provas". Mas não tem maturidade para contextualizar.
O absurdo é tanto que vemos os brasileiros defenderem que nazismo é de esquerda. Contra a embaixada alemã. Piada mundial.
- Ao lado de membros de outro grupo, chamado Direita Curitiba, Arthur é acusado pelos estudantes de entrar de maneira forçada nas dependências da escola, além de abusar sexualmente de uma jovem, que abriu um Boletim de Ocorrência na Delegacia da Mulher após o caso. (Francisco Toledo, Democratize)
Antes de mais nada, o Jair é visto como extrema direita no mundo, fanático e louco, mas no Brasil estão deixando passar.
"The Economist" e "Washington Post", os jornais mais direita do mundo o condenam.
Nem a Líder da direita extrema da França consegue apoiar suas falas.
Como os brasileiros caem nessa?

- Apesar do que diz a carta magna, no Brasil há uma grave situação de concentração monopólica da mídia: poucos grupos privados e menos de dez famílias são donos dos meios de comunicação. (Intervozes)
Lembro de um café de coreanos bem bonito aqui perto. O dono falava mal da Dilma, não queria pagar impostos. Com o aprofundamento da crise - devido à uma política de desinvestimento e cortes - o café fechou. Não há impostos numa economia na qual não há dinheiro. Apenas bilionários - e grandes empresas - ganhando com juros dos títulos da dívida nos bancos.

Haddad fez uma prefeitura fantástica em São Paulo. Ganhou prêmios pelo mundo.
É muito triste ver como Folha e Globo participaram da construção do fanatismo. Mesmo Haddad tendo criado mecanismos de controle da corrupção, preferiram agredir como inimigo político - p. ex. loucura anticicliovia - e deu nisso. Vergonha mundial.

- Facebook comprometeu dados de mais de 50 milhões - O objetivo dessa equipe era fazer com que cada um desses conteúdos atingisse o maior número possível de pessoas suscetíveis a ele, por quaisquer meios.

Poderiam ser posts patrocinados no Facebook, novos blogs ou sites - a equipe garantia que as pessoas-alvo seriam expostas àquele conteúdo de maneira suficiente para mudar a opinião dela para qualquer coisa que os clientes da Cambridge Analytica quisessem.

A empresa buscava especialmente aqueles indecisos, que se mostravam capazes de alternar sua opinião sobre como votar no caso do Brexit ou das eleições americanas.
(Olhar Digital)

O Mamãe Falei. Não é sobre os vídeos, o que ele fala ou não fala, até aí são ideias - mas que - num ambiente de pouca leitura e pluralidade - podem reforçar preconceitos até o fanatismo em mentes que desconhecem o mundo.

Ele ficou conhecido por ir nos eventos de protesto e debochar, gravar vídeos humilhantes, pela arrogância em ridicularizar pessoas que lutam por algo. Criminalização preventiva.

"Ao longo dos anos, a Atlas e suas fundações caritativas associadas realizaram centenas de doações para think tanks
conservadores e defensores do livre mercado na América Latina, inclusive a rede que apoiou o Movimento Brasil Livre
(MBL)".
https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/

O MBL provavelmente é é um grupo pago para mobilizar a juventude - contra...
contra investimentos públicos, políticos envolvidos com serviços públicos.

Os bilionários moldando a opinião pública para não pagar impostos.
Qualquer pessoa que entre nas pautas contemporâneas e progressistas é comunista.

Agora a polícia mata 8 vezes mais jovens negros.
O que se deseja é mais escolas, mais hospitais. Isso só com investimento
público, com presença do Estado.
O que o "coiso" prega é o contrário.
Infelizmente a "direita hoje" é "arma pra todo mundo" e deixar a "liberdade" do abandono.

Ler Olavo de Carvalho tão jovem, é como se ele tivesse lido Lenin aos 14 anos. Só.
Recentemente li sobre a vida de Heinrich Himmler, o pior nazista da história. Ele viveu num mundo de controle mental total, ideias sobre ser elite. Ele começou saindo na rua para bater em comunistas.

Quando o Estado se ausenta da vida pública, o resultado é uma massa de pessoas miseráveis e radicalizadas, que servem de lucro para a indústria de segurança. Os bilionários pagam segurança privada e a classe média tem de conviver com violência nas ruas. Além da questão de que todo ser humano merece uma vida digna, isso leva à guerra social e regimes de Estado Policial.

- O patrimônio somado dos bilionários brasileiros chegou a R$ 549 bilhões em 2017, num crescimento de 13% em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, os 50% mais pobres do país viram sua fatia da renda nacional ser reduzida ainda mais, de 2,7% para 2%. (Oxfam)

- Policiais militares do Estado de São Paulo mataram 11.358 pessoas nos últimos 20 anos. No mesmo período 1.248 policiais militares foram mortos. O número é maior que o cometido de todas as polícias do EUA, no mesmo período. - “Naturalizaram o extermínio na periferia” - diz o rapper Eduardo (Ponte)

Por isso, em 1947, o Plano Marshall, o Programa de Recuperação Europeia, deu muito dinheiro aos países destruídos pelo fascismo da Segunda Guerra justamente para que não houvesse miséria.

Hoje temos um candidato que diz: “O erro da ditadura foi torturar e não matar” (Em entrevista à rádio Jovem Pan, junho de 2016) Ou: “Se eu chegar lá, lá, todo mundo terá uma arma de fogo em casa, não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”.
Nós estamos como em 1960 - “Subversivo” era todo aquele que pensasse diferente do poder..." (Hildegard Angel - Jornal do Brasil)
https://www.jb.com.br/colunistas/hildegard_angel/2018/10/944546-sou-aquela-que-sobreviveu-para-contar.html

Uma sensação de caos toma conta dos milhões envolvidos pela crise - querem disciplina, ordem, hierarquia - e escolas - militares. Mas uma democracia militarizada vai acabar com a corrupção? Houve avanços nos governos de investimento público?
Brasil, é preciso amadurecer. E só assim haverá progresso.
Abraços
Ajr

sexta-feira, outubro 12, 2018

Um Brasil vergonha

Jornalista argentino revela como as Forças Armadas construíram a candidatura de Bolsonaro para chegar ao poder


*

O Brasil vive momentos de tensão.

Um amigo diz que perdeu a aula porque está "atordoado".

Uma senhora diz: "Perco as coisas, fui sair de casa e tive uma crise de choro".

Na periferia, ameaças. "Aproveite a vida até dia 28".

"O mito chegou", disse um adolescente no meu Face.

Conversando com um trabalhador, ele me diz: "Não tem problema, o Parlamento vai ajudar". Ou seja, o presidente fascista será contido. 

Os ataques à liberdade de expressão já não podem ser ignorados. 

Surgem muitas reações - espalhadas, preocupadas em como chegar à massa.

Um dos problemas é que não temos certeza do comprometimento das forças reacionárias. O empresariado, a mídia, a Justiça, estão todos aceitando mesmo o fascismo? A OAB, Igreja, líderes que apoiaram o golpe, parecem sem vontade de reagir.

Existe um plano mundial traçado em algum Departamento de Estado?
Nossa divisão social absurda tirou da classe média progressista a compreensão da situação e da lógica desses eleitores pobres. Nem mesmo a cúpula do PT soube ler essa realidade.

Nossa classe média foi impedida de ter uma visão da realidade. Toda a comunicação passa por simplificação para fins comerciais e perseguição de inimigos. Depois de anos demonizando todo pensamento progressista, vejo os monopólios assustados com um fascista desgovernado no poder.

É muito triste ver como grupos de mídia participaram da construção do fascismo. Por exemplo, mesmo Haddad tendo criado mecanismos de controle da corrupção, preferiram agredir como inimigo político - como a loucura anticicliovia - e deu nisso. Vergonha mundial.

Nossa sociedade não aprendeu a ouvir o contraditório. Uma massa de pessoas sem a consciência do mundo contemporâneo, que engloba direitos humanos. É uma surpresa essa república, que era agora mesmo a 6ª economia do mundo, ser, na realidade, tão reacionária e incapaz de pensar. 

O que parece básico em uma democracia, o fato de os argumentos vencerem, é borrado por um pensamento único conservador e depois apagado por um marketing agressivo que, por exemplo, planta que "nazismo é comunismo" para evitar que vejam no que dá extremismo de direita. 

Ódio à corrupção, medo da violência, sensação de que os partidos traíram o povo, frustração direcionada para inimigos políticos, construção do inimigo contra quem "vale tudo" pelo sistema.

Um mundo em que manda o mais forte. A ideia de que a força bruta pode silenciar os fracos nos transforma numa república do irracional.

O que é muito perigoso é que as pessoas compartilham alucinações de "filósofos" anticomunistas (Olavão, o pai de todos) como se fossem totalmente incapazes de verificar os fatos.

Isso acaba em "tem que fuzilar os bandidos". A pessoa "pesquisa" nos sites mentirosos que confirmam sua tese.

Mesmo assim, lembro de Milan Kundera dizendo que o romance "1984" não é realista porque a realidade sempre tem janelas.

Na fila, uma menina negra ouve minha conversa com a caixa e fala: "Minha mãe votou no Haddad".

Se meus amigos progressistas me perguntassem o que fazer agora, eu diria: conhecer o pensamento conservador. "Devemos primeiro observar, escutar, enxergar a realidade e entendê-la, para depois combatê-la", diz a socióloga Esther Solano. Lembre de todas as vezes que você percebeu que estava errado.

Acho que o espaço é aquele da mudança com reflexão emocional: eu mesmo em certo momento achava correta a redução da maioridade penal, na onda de preconceito da mídia. Mudei.
É possível.

Afonso Lima


quinta-feira, outubro 11, 2018

Quem foi Paul Aussaresses?

Eu era recém formada em advocacia. Eu tive um caso com um político, ele se candidatou novamente, ele me dispensou, resolvi ameaçar, fui presa, resolveram me assustar. Me puseram nua, me ameaçaram com estupro, colocaram baratas no meu corpo, me afogaram.

Eu fugi do país.
Dez anos depois, comecei na França uma série de entrevistas para um livro.
Eles torturavam por informação.

[De lá, podíamos ouvir nitidamente os gritos, primeiro do interrogador e, depois, de Vladimir e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem a “pimentinha” e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Alguém ligou o rádio, e os gritos de Vladimir se confundiam com o som do rádio…]
Comecei a ver casos de suicídio simulado, parecidos com o do Herzog.

[A segurança interna, integrada na segurança nacional, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país.]

Um general francês me conta de um Congresso em Buenos Aires, em 1961, sobre Guerra Contrarrevolucionária, com 15 países.

Manuais, instruções, treinamentos. Entrevistei um homem que se dizia "guerreiro da selva".
Eu fui até a selva.

[A guerra psicológica adversa é o emprego da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais.]

Eu falei com um sobrevivente.

"Eu vi um saco de cabeças. De subversivos".

[Sua morte ocorre no contexto da crescente atividade desenvolvida pelo comunismo no Brasil, com sua ação de infiltração e de proselitismo.

As chamadas “prisões em massa” constituem parte da técnica desenvolvida pelas organizações comunistas para neutralizar ou impedir a ação dos órgãos de segurança. Não há “prisões em massa”, e sim prisões legais, para identificar e aprofundar os dados disponíveis sobre a ação comunista.]
Me falaram de cursos. O coronel Paul - nascido no sul da França - tinha um cargo oficial.

Aussaresses deu formação aos militares nos EUA, entre 1961 a 1963, ensinava as técnicas de Argel.

[A sentença, proferida pelo juiz Márcio de Moraes, em 27 de outubro de 1978, em circunstâncias adversas, pois ainda não havia sido revogado o AI-5, concluiu que

-  a prisão de Vladimir foi ilegal, reconhecendo, então, que a União prende arbitrariamente;
-  Vladimir foi torturado e que, no do DOI/CODI, a tortura é método de investigação;
-  não tem qualquer valor o laudo pericial que atribuiu a morte de Vladimir a suicídio voluntário;
-  declarou a responsabilidade da União Federal, ao julgar inteiramente procedente a ação dos autores.]

Falaram sobre Eva. Paul havia dado um cartão a ela. Foi levado por Figueiredo a um porão. “Eva estava no chão, havia sido torturada. Depois de alguns dias, lhe disseram que ela não resistiu às torturas”.

[A guerra revolucionária é o conflito interno, geralmente inspirado em uma ideologia ou auxiliado do exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelo controle progressivo da Nação.]

"Tudo que sabemos, aprendemos dos franceses. Paul treinou os brasileiros. Vários chilenos foram a Manaus aprender tortura com ele" - disse um general chileno. Uma matriz de pensamento para o planejamento: inimigo interno.

Eu mudei minha pesquisa.

Afonso Lima

terça-feira, outubro 09, 2018

Mãe

Meu nome é Tempo. Eu estou aqui antes da fome e desespero, antes do aquecimento global.
Navego os espaços entre os universos para encontrar os outros Tempos.
Eu estava na terra com botas negras quando a  polícia foi criada para açoitar corpos negros.
Vi as periferias elegeram o líder que tratou de exterminá-las com morte e prisão.
Eu vi a lógica do inimigo chegar e o medo do estudante, da mulher e dos professores crescer.
Os tribunais começaram a ser alterados quando o salvador chegou. Governar sem Parlamento.
"Eu sei a solução. Eu pensarei por vocês".
Eu vi tantas vezes.
Produção ilegal de alta demanda. Guerra.
Eu observava de cima dos prédios. Mulheres estupradas. Gays espancados. A tortura da polícia.
A lei do abate foi aprovada.
Racionalmente as chamadas "raças inferiores" seriam apenas colocadas para trabalhar até morrer; mas a lógica da eliminação era maior.
Um dia, conversando com Tempo do outro universo, perguntei sobre a força resistente, se ele já havia visto, a luz que vaga cálida por todos os planos.
- Chuva, Mãe, um novo dia, Espelho do Incriado. Eu a vejo correr. Eu ouço.
Ficamos olhando a flutuação.

Afonso Lima

domingo, outubro 07, 2018

Choro

sou o choro do Brasil
o choro do homem que ouve
que será pesado como um animal
sou o choro de todos aqueles que
não têm roupa para o banquete

Na primavera em Pernambuco
um dia foi vencido o Santo Ofício
o rio da liberdade não se pode barrar

nós somos a força das mulheres
ocupando a rua com a esperança
de quem cria os filhos que os pais abandonaram

Pelas ruas criando a hora
milhões caminhando contra o castigo
eu gostei tanto quando me contaram

eles são o nunca sabido o nunca esperado
o novo das eras a onda da mudança
a perfeição o choro do Brasil
no pandeiro e violão

Liberdade e sonho
a festa dos animais estranhos
o choro do homem que ouve
só a emoção é de fato racional

Afonso Lima



sábado, outubro 06, 2018

sexta-feira, outubro 05, 2018

at night (English version)

(This is a rush translation. Version may not be in its final form.)

The dark men stood in line, handsome and proud. Some still had the marks of the weariness of the trip.
"There's always a wonder in every catastrophe if you look closely," a blonde said with her soft eyes.
It was a Literature teacher, a Board member who made the presentation.
She says that cruelty can be softened by reason and kindness, bombs can be embraced by flowers, some do not even have water, their boats at night have 10 times the number of people recommended it, and here we are, our look of love will give these men living in the street a warm bed.
A specialist in Culture & Society speaks of war, invasion and imperialism as the responsibility of the "civilized world."
The women start the auction. The money will go to charity.
The hoops of light that fell on their faces showed their embarrassment as elegant women in expensive shoes touched his naked body with their delicate hands and shiny rings.
"This is a zoo," a man shouts. "I have a wife and children!"
The shot hits him right in the chest. A state of emergency allows for quick action. The event continues.
"Racism is state-owned," said the brunette with Gucci glasses. We must fight against the imperial vision that divides men between good and bad.
She took a latin home, a new life.
The police would never attack him again. He would never be humiliated by his joblessness.
The man takes off his clothes and she puts them in the trash.
He has water in his eyes under the hot water.
In the suburbs, a man argues against the event, hatred turns against leftist leaders.
TVs show the beauty of the dark body.

Afonso Junior Lima

na noite

Os homens escuros estavam em fila, belos e orgulhosos. Alguns ainda tinham as marcas do cansaço da viagem.
- Há sempre uma maravilha em toda catástrofe se você olhar de perto - uma loira disse com seus olhos meigos.
Foi uma professora de Literatura da Diretoria que fez a apresentação.
Ela fala que a crueldade poderá ser amenizada pela razão e pela bondade, as bombas podem ser abraçadas pelas flores, alguns não têm nem mesmo água, seus barcos na noite têm 10 vezes o número de pessoas que o recomendado, e aqui estamos nós, nosso olhar de amor vai dar a esses homens que vivem na rua uma cama quente.
Uma especialista em Cultura & Sociedade fala da guerra, da invasão e do imperialismo como responsabilidade do "mundo civilizado".
As mulheres começam o leilão. O dinheiro irá para a caridade.
Os aros de luz que caiam sobre seus rostos mostravam seu constrangimento enquanto as mulheres elegantes, com sapatos caros, tocavam em seu corpo nu com suas mãos delicadas e os anéis brilhantes.
- Isto é um zoológico-  grita um homem - Eu tenho mulher e filhos!
O tiro o acerta bem no peito. O estado de emergência permite ações rápidas. Segue o evento.
- O racismo é algo estatal - disse a morena com óculos Gucci. Temos de lutar contra a visão imperial que divide os homens entre bons e maus.
Ela levou um latino para casa, uma nova vida.
A polícia nunca mais o atacaria. Nunca seria humilhado pela falta de emprego.
O homem tira suas roupas e ela as coloca no lixo.
Ele tem água nos olhos sob a água quente.
Nos subúrbios, um homem discute contra o evento, o ódio se volta contra os líderes de esquerda.
As TVs mostram a beleza do corpo escuro.

Afonso Junior Lima


quinta-feira, setembro 20, 2018

Adeus aos argumentos?

"A inteligência é uma categoria moral".

Theodor W. Adorno.

Senhoras e senhores, boa noite.
É uma grande honra introduzir o senhor X.

*

Boa noite,
agradeço sua atenção. Por alguma razão quero falar o que não sei.

Vou direto ao ponto.

Esqueça tudo que você sabia sobre democracia, civilidade e direitos humanos.

O Brasil real não chegou nisso.

Você vai dizer que, sim, existem bolhas de progresso nas capitais. Sim, muitos jovens entraram na universidade. Mas...

Nosso povo não fez a reflexão histórica necessária.

Nosso povo não estudou para formar uma visão de mundo complexa. 

Nosso povo não tem informações suficientes.

Uma youtuber negra fala de ser "contra extremos" e "contra polarização". É contra Bolsonaro, mas acha que Lula é "ladrão e analfabeto". É como se a publicidade/jornalismo tivesse criado a vergonha do pobre que sofre, além de ocultar quem melhorou as estruturas.

Uma amiga universitária posta foto "provando" que nazismo é de esquerda.

O marketing criminalizador criou um exército de pessoas que acham a esquerda o pior mal do país. Pessoas "boas" e que se sentem defendendo a moral contra "corruptos". Não existem estruturas injustas, mas apenas roubo de políticos. 

Agora se pensa no contraditório como inimigo. O candidato considerado um "perigo" até pelo "The Economist" posta no Twitter:

"Tentaram nos tirar da disputa na covardia [a loucura não tem motivo no ódio propagado], mas o esforço de cada um, mesmo no momento mais crítico, só nos ergue ainda mais [2 milhões de mulheres formaram grupo contra no Facebook]. Estamos mostrando que é possível vencer sem vender a alma, sem mentiras [sou bom, o PT é mau; só estou defendendo a tortura], e isso ninguém vai apagar! Vamos em frente! Chega de facções comandando o Brasil! [papai metralha vai acabar com isso]

Recentemente fui no interior do estado. O PT é odiado. A força da doutrinação dos monopólios de informação é fantástica. Toda a sutileza de analisar o contexto, a necessidade de contrapor erros prováveis com desastres previstos, tudo desaba frente a um só argumento fanático: "houve corrupção". Depois de achado o culpado, nada mais interessa. Inclusive pensar que isso vai justificar um governo pior. 

Uma parte do eleitorado ainda se deixa iludir por senso comum que oculta os cortes de investimento e abandono com um discurso técnico de "centrismo" como "ele é administrador". Foi isso que o fechamento de aliança Tribunal-Mídia-Legislativo conseguiu no estado. 

Muitas pessoas de meia idade, educadas, se ressentiram do último governo muito além do que seus erros poderiam deixar supor. Minha análise é que nossos valores são conservadores, não gostamos de mudanças. As reformas propostas pelo governo anterior não foram bem assimiladas e compreendidas. Os erros são potencializados num clima de perseguição a inimigos públicos. 

A classe média não gosta de "negatividade". Para pensar que pode vencer sozinho, você precisa de otimismo, de certeza, nada de recuo. Muitos artistas me dizem que política é muito "pesado". Por que focar nos "problemas"? Até que os cortes acabam com a cultura.

Existe, claro, um empresariado que também não gosta nada dessa coisa de diálogo. Ou que embarca no senso comum que criminaliza todos os movimentos. Além da indústria de armas.

É evidente o dinheiro e o profissionalismo dos publicitários colocados na campanha.

"Guedes é um dos criadores do Instituto Millenium, o mais influente laboratório do pensamento conservador no Brasil. Pela primeira vez incursiona diretamente pela política. De um salto, assumiu o papel de orientador do desorientado parlamentar... Consta que, instigado a falar sobre como resolveria a violência no Rio de Janeiro, explicou: inicialmente, jogaria milhares de prospectos sobre a visada comunidade da Rocinha, exigindo a saída dos traficantes da comunidade. A plateia, curiosa, quis saber o que faria se estes não saíssem? Metralharia a favela para resolver o conflito entre traficantes rivais. A plateia aplaudiu freneticamente, não se sabe se sentada ou de pé."

https://www.cartacapital.com.br/revista/991/o-banqueiro-do-metralha

Alguém me diz assim:

... "O Brasil precisa urgentemente de uma mudança radical. Esta democracia que nós tanto lutamos pra ter virou um vandalismo geral. Eu fui da época do militarismo e entrei na briga pela democracia.
Hoje me arrependo amargamente deste feito. No meu ponto de vista acho que o B. pode fazer um bom governo.  Claro que não irá agradar os corruptos de carteirinha."

Não se sabe o que foi feito contra corrupção. A irracionalidade começa quando um candidato derrotado em 2014 questiona as urnas, passa pela herança de um debate público simplificado que se resume a jornal na TV e grupos de WhatsApp e chega a um candidato que ameaça "fuzilar" artistas e é aceito como um salvador moral. Sendo que nossas instituições educam para se ganhar dinheiro, mas nunca para respeitar o outro. 

A grande fortuna percebeu que nosso povo não tem defesas contra o marketing político. Depois de criada a doutrinação antiprogressista, a irracionalidade comanda. A despolitização vem de muito tempo, foi plantada pela ditadura, nasce da carência de livros e de educação básica. O monopólio da voz fez surgir um alvo único, o que já elegeu uma Câmara capaz de atacar o povo de forma brutal. 

"A esquerda está se borrando de medo que o B. ganhando vai acabar com a mamata de que estão acostumados. O militarismo, eu vivi intensamente esta fase, as pessoas de bem que amam o Brasil sentem saudades."

Medo (desejo de segurança) e desejo (ser rico). A nova manipulação conhece os desejos. 

"El fenómeno Bolsonaro, explica Mauro Paulino, director de Datafolha, “se alimenta del miedo que se ha apoderado de la sociedad brasileña”. Un 60% de la población confiesa que vive en un territorio controlado por alguna facción criminal. Cada año son asesinados 60.000 brasileños". 
https://elpais.com/internacional/2017/11/18/actualidad/1510970426_151092.html

A nova informação da manipulação de massa cresce livre num terreno abandonado:

“Nunca tinha visto na Alemanha essa discussão sobre o nazismo ser de esquerda”, disse à Deutsche Welle o cientista político Kai Michael Kenke. “Lá é muito simples: trata-se de extrema direita e pronto. Essa discussão sobre ser de esquerda ou direita parece existir só no Brasil. Se você perguntar para um neonazista na Alemanha se ele é de esquerda, vai levar uma porrada.”

https://theintercept.com/2018/09/19/bolsonaristas-negam-holocausto-desprezam-mulheres-marielle/

Os poderosos souberam criar ambientes de ódio nas novas redes:

"Ou vencíamos pelo volume, já que a nossa quantidade de posts era muito maior do que o público em geral conseguia contra-argumentar, ou conseguíamos estimular pessoas reais, militâncias, a comprarem nossa briga. Criávamos uma noção de maioria", diz um dos ex-funcionários entrevistados.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42172146


Diz o jornalista Bruno Boghossian: 

"O antipetismo levou Bolsonaro a romper seu teto de votos na campanha. Ele chegou a 40% entre eleitores de alta renda, 38% no grupo com curso superior, 37% no Sul e 30% no Sudeste (Datafolha)".

O controle funcionou segundo a lei de Thatcher ("só há indivíduos") - o pobre dominado se vê como um animal solitário que pode vencer sozinho. A publicidade criou um mundo perfeito ao alcance no qual nada de conflito real pode existir - "mimimi", são "gente que causa problema"...

Com uma professora, circulo por uma exposição sobre a ditadura. Lugares de tortura, relatos de sobreviventes.
"Não foi tudo isso", ela me diz.

Sem um pensamento complexo, o tempo da "lei e da ordem" fica como também um tempo de crescimento econômico. "Nunca houve corrupção na ditadura". O militar é o sujeito honesto, modelo de cidadão.

"Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação... 'Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”...

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/29/economia/1506721812_344807.html 

O Brasil tem muitos pesquisadores, artistas, grupos de mulheres e jovens informados e ativos politicamente. Mas o cidadão médio - essa vítima da falta de investimento neoliberal que elege agora a extrema-direita - continua sem compreender nada. 

Nunca recebemos o debate sobre a desigualdade. Nunca repensamos as formas de eleger, educar, comunicar. Nunca pensamos sobre a lei da Anistia, nossa mentalidade é quase a mesma de 1985. 

Uma amiga comenta: 

"Não adianta viver numa bolha e achar que as coisas estão sob controle do PT. Não estão.
Ontem, no salão, ouvi as mulheres dizendo que vão votar no demo, inclusive a moça que corta meu cabelo. Não tem como argumentar com estas pessoas, pois elas só falam na segurança que ele vai dar e que o país precisa de ordem. Falaram também com ódio do PT. Na padaria e no restaurante que frequento vários funcionários também vão votar nele. Qualquer táxi que pego o motorista também fala q vai votar no demo."

O Rio de Janeiro perdeu investimentos (segundo a Federação Única dos Petroleiros, a Petrobrás deixou de investir R$ 49 bilhões - Brasil 247 - 08/12/2017), empregos (se fala em dois milhões de postos de trabalho que foram fechados como consequência da operação Lava Jato) e a militarização aumentou a insegurança. Mas a deputada federal pelo PT e candidata à reeleição Benedita da Silva foi agredida.

"No sábado, dia 15/9, enquanto tomava café com assessores num bar em Niterói, fazendo uma pequena pausa na campanha eleitoral, fomos agredidas por um casal que se dizia eleitores de Bolsonaro. Eles acusavam o PT da 'facada' em seu candidato, nos xingavam, cuspiam na nossa frente e gritavam tentando nos expulsar do local."

https://www.revistaforum.com.br/benedita-da-silva-e-assessores-sao-agredidos-por-eleitores-de-bolsonaro/

Os governos progressistas erraram ao não entender as ferramentas do marketing, ao não ouvir o novo pobre novo-rico, em não criar uma discussão forte para preparar as mudanças. Mas o poder do dinheiro é enorme. A comunicação nas mãos dos políticos e bilionários destruiu a democracia.

A consciência coletiva talvez precise crescer com essas tragédias. Acredito que ainda podemos ver uma reação, porém se revelou que sem opinião pública capaz de debate sério, a democracia é uma farsa. Coronelismo eletrônico e circo da urna.

Talvez seja a fase em que, sem medo de comunistas ou socialistas, a fortuna acumulada usa o medo da crise de 2008 para achar inimigos políticos e criar governos elitistas.

A resistência existe, mas agora é resistência contra o fascismo: 

- Ao justificar a violência como método, hostilizar mulheres, negros, oposicionistas políticos e quem não concorda com “sua” noção de normalidade sexual, Bolsonaro se coloca no mesmo patamar de doutrinas que tanto sofrimento causaram ao povo judeu e a todo o mundo, se desnudando como o fascista que realmente é.

https://catracalivre.com.br/cidadania/judeus-criam-movimento-contra-jair-bolsonaro/

Afonso Lima 

quinta-feira, setembro 13, 2018

Livro: "Heinrich Himmler: uma biografia" - de Peter Longerich - Parte 2



pensamento

tudo muda e o tempo 
pede ao músculo 
pensamento flexibilidade
mundo afora, sempre agora
sem movimento
é a maldade 

Afonso Lima

terça-feira, setembro 11, 2018

segunda-feira, setembro 10, 2018

O neo-conservadorismo do século XXI, 2002

O neo-conservadorismo do século XXI, 2002

Este trabalho surgiu das pesquisas em torno da arte contemporânea para minha graduação em História, em 1998. Já nesta época, a partir do trabalho de Fedric Jameson, ficou evidente que qualquer obra que falasse do espaço da arte hoje deveria falar também da crítica epistemológica e política da filosofia ao conceito de arte, e aos seus objetivos; por outro lado, qual seria o papel do estético em uma sociedade em que a forma de poder mais imperiosa, é vender produtos simbolicamente constituídos pela publicidade a um mercado de massa, ao mesmo tempo em que, institucionalmente, reduz as oportunidades de acesso a este mercado para grande parte da população e privatiza os sistemas públicos, reconduzindo os países pobres a situação de indigência?




Seis Janelas, a Suspensão ou Murmúrios da Floresta, 2011

Seis Janelas, a Suspensão ou Murmúrios da Floresta - Afonso Junior Ferreira de Lima

Tieck
Um dia abrimos as seis janelas do imenso salão. Goethe, o mais velho de nós, havia
entrado em contato com o conde e conseguido essa propriedade anexa ao seu castelo.
Eles eram independentes e tínhamos toda a autonomia. Da janela víamos uma vista que
parecia uma pintura. Como seis telas magníficas com pinheiros, um gramado amplo e um
céu azul.

Esquecimento - peça - 2012

Esquecimento - Afonso Junior Ferreira de Lima
A peça se passa em três tempos: presente, onde estão a prostituta Andrômeda, a
transexual Julia e Mateus, um cliente; 1970, onde estão Ariel, estudante de Engenharia, e
seu pai, e Iraema, sua namorada; 1989, onde estão Andressa e Eveline, um casal de
lésbicas e George e Paulo, um casal gay.

domingo, setembro 09, 2018

Ao acordar certa manhã - peça - 2014

Ao acordar certa manhã - Afonso Junior Ferreira de Lima
Homenagem ao meu avô - Antônio Lima.


Os muros do colégio - peça - 2011

Os muros do colégio - Afonso Junior Ferreira de Lima
Livremente inspirado no livro "Árvores Abatidas", de Thomas Bernhard. 




Ilíada - peça 2006

Ilíada - Afonso Junior Ferreira de Lima
adaptação - 2006

Contaminação - peça - 2010

Contaminação - Afonso Junior Ferreira de Lima

Oficina com Roberto Alvim, 2010.

Apagam-se as velas - peça curta - 2015

Apagam-se as velas - Afonso Junior Ferreira de Lima

Livremente inspirado na novela de Sándor Márai


O túmulo - peça curta - 2015

O túmulo - Afonso Junior Ferreira de Lima

Um poema sobre a vida do poeta Georg Trakl

Imaginação - peça curta - 2015

Imaginação - Afonso Junior Ferreira de Lima

do ensaio de Michel de Montaigne.


Chuva - peça curta - 2015

Chuva - Afonso Junior Ferreira de Lima

Oficina Oswald de Andrade - Jorge Palinhos, Pedro Marques e Sandra Pinheiro

Alcebíades - peça curta - 2015

Alcebíades - Afonso Junior Ferreira de Lima

Oficina com Marici Salomão, 2015

Cosmos - peça curta - 2014

Cosmos – Afonso Junior Ferreira de Lima 
Exercício da oficina Alberto Villareal, 2013.

 "Disse o presidente: Os fanáticos maconheiros reclamam da fumaça: 'A cidade está escura, é o progresso, ódio ao verde, ódio ao negro'. Morrerão 6 bilhões de pessoas, mas nossos descendentes herdarão a terra. Eles são pesados, nós somos pesados. Em tempos de guerra, é algo indestrutível. Salvem o planeta dos comunistas. Dentro das mentes, repetir o mantra. Muito importante. Propaganda, propaganda".
Ajr

sábado, setembro 08, 2018

Cavando buracos na linguagem: contextualizando o narrador em crise beckttiano


Cavando buracos na linguagem: contextualizando o narrador em crise beckttiano.

Afonso Jr. Lima 1

Texto apresentado no Grupo de Pesquisa Estudos sobre Samuel Beckett - 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP - 2016



No seu Posfácio a “Textos para nada”, Lívia Gonçalves nos lembra que, após a escrita de “O inominável” (1953), o narrador na prosa de Samuel Beckett (1906-1989) está em transição, em crise: “sua capacidade de narrar está em jogo, assim como sua própria autonomia, sua própria identidade”. Ela lembra que na carta de 1937 ao amigo Axel Kaun, o autor fala em “cavar buracos na linguagem”. (Beckett, 2015, p. 75) Romper com o sistema que unifica a realidade através da suposta objetividade compartilhada de linguagem diz respeito também a interrogar essa voz neutra que observa, agora um eu instável. Beckett pergunta, no quarto fragmento dos “Textos”: “quem é que fala assim, dizendo que sou eu?” (idem, p. 19).
Esse narrador, marcado pela autocrítica, parece habitar cada vez mais um espaço de duplos do eu, é um eu espelhado que, na falta de uma essência imutável, aprofunda a falta de estabilidade do sujeito proustiano, estudado por Beckett em seu texto sobre o autor, um sujeito em mutação constante, para quem a realidade permanente só poderia ser apreendida como uma hipótese em retrospecto. (Beckett, 2003, p. 13).

Beckett faz parte das experiências pós-Primeira Guerra, do universo de Proust, Joyce, Woolf, mais focados na consciência do que em fatos e dados externos. O narrador onisciente da tradição tornou-se não apenas autociente, mas quase um crítico epistemológico, visto por Coetzee como alguém jogando com uma música verbal para responder à pergunta “do que fazer depois?” (Coetzee, p. 210) Comenta Luciano Gatti que o autor começa “O Inominável” colocando em questão as convenções narrativas do “onde”, “quem” e “quando”. Seguindo a observação de Adorno, o pesquisador caracteriza o texto como a consumação da tendência moderna do romance de reflexão, contra a “mentira da representação e o narrador indubitável, a “mentira da exposição” (Gatti, 2015).

Mas aqui poderíamos ler os títulos das três obras da chamada trilogia do pós-guerra como “Molloy”, “Molloy morre” e “O sem nome” (sem identidade), no sentido de um mesmo personagem que perde sua unidade como sujeito e duvida da relação sujeito-objeto, do nominativo e do acusativo. “Como é” (1961) já seria um “falhar melhor” 2, na medida em que busca ser uma forma híbrida entre o épico, o lírico e o dramático, um ropoedrama,3 a tentativa de evitar a distância objetiva e “riqueza” retórica, que poderiam soar falsas quando a tirania silenciara as vozes dissidentes e a guerra colocara em xeque as estruturas políticas, sociais e culturais. As múltiplas perspectivas e diferentes pontos de vista do modernismo chegam ao “manicômio da mente” (expressão de “Mal visto mal dito”, de 1981).
Talvez fosse produtivo refletir sobre a especialização na qual a teoria literária influenciada pela diferenciação entre linguagem poética e linguagem cotidiana nos confinou quando minimizou a história no estudo da obra – e, portanto, o estudo de seu posicionamento em uma formação discursiva4.

Escrevia Antônio Cândido em 1965: “Outro perigo é que a preocupação do estudioso com a integridade e a autonomia da obra exacerbe, além dos motivos cabíveis, o senso de função interna dos elementos, em detrimento dos aspectos históricos – dimensão essencial para apreender o sentido do objeto estudado”. (Mello e Souza; Cândido, 2000, p. 9) O pesquisador Phillipe Sollers afirmou em 1975: “Acreditou-se ingenuamente que Joyce não tinha nenhuma preocupação política porque nunca disse ou escreveu nada sobre o assunto numa língua franca... como se houvesse um lugar para opiniões políticas”. (apud. Amarante, p. 70)
Pode ser muito proveitoso tecer comentários sobre as questões estéticas que surgem do ambiente cultural, assim como das heranças literárias. 5

A “imaginária” de Beckett – a figuração presente na narrativa, imagens que comunicam uma sensação coletivamente compartilhada – progressivamente engloba o processo de imaginar e escrever. É uma dimensão epistemológica – mas também política do texto, possivelmente direcionada contra um modo de ver. Encontramos no Fragmento VI do “Textos para nada”: “Saberia que nada mudou, que basta querer para ir e vir sob o céu instável, sobre a terra movediça... se eu usasse um pouco a cabeça... felizmente não uso a cabeça”. (Beckett, 2015, p. 28). Talvez, quando Beckett quebra com esse discurso realista/racional que descreve/preescreve colocando a autocrítica da razão e o diálogo no crânio, represente uma época que quis quebrar os hábitos da linguagem.

Alterar a linguagem é alterar o quadro de hierarquias que organiza o social e o natural; já em “Finnegans Wake” – Beckett afirma que o livro não é sobre “alguma coisa”, é “a coisa em si” (Amarante, 2009, p. 47) – “a confusão de personagens e a frequente dificuldade de distinguir quem é o pai, filho ou irmão resultam da transgressão primeira de limites proibidos dentro da arena das relações familiares...” (idem, p.40) Os personagens, em “contínua metamorfose”, “imersos num enigma que funde e dissolve individualidades” (idem, p. 37) não podem objetificar o mundo impondo-lhe uma ordenação – o eu não é um objeto unificado, portanto não é passível de objetificar-se e ser objetificado como parte de um todo. No mundo mutante do mito – e da palavra criadora do mito –, assim como na percepção modernista que se abre ao outro, tudo pode transformar-se.
No século XVII, John Locke6 afirmara que a razão “é o vínculo comum pelo qual o gênero humano se une numa única irmandade e sociedade”, e, tendo Deus criado o homem com razão, “qualquer homem que proceda de forma irracional é, nessa medida, um animal, e como tal poderá ser tratado”. (Locke, p. 139). Aqui fica clara a ambiguidade dessa tradição com relação ao uso de uma linguagem que ao mesmo tempo “esclarece” e “oprime”, condenando as coisas a um hábito.

O romance inglês moderno nasce com o foco na narração (quando a Renascença privilegiara o drama) – tendo como um dos textos fundadores (“Robinson Crusoé”, 1719) justamente a história de um homem que mimetiza a dominação colonial numa ilha. Beckett vai nos falar sobre Proust: “O artista clássico arroga-se onisciência e onipotência. Eleva-se artificialmente acima do Tempo no intuito de outorgar relevo à sua cronologia e causalidade a seu desenvolvimento”. (Beckett, 2003, p. 87) E mais à frente: “Quando o sujeito é isento de vontade, o objeto é isento de causalidade (o Tempo e o Espaço tomados juntos)”. (p. 97) A crítica ao sujeito torna-se a crítica ao sistema discursivo de causa e efeito – um domínio pela palavra.
A linguagem delimitaria o que é racional; o eu individual é livre e inteiro, pelo menos a ponto de definir o que é racional, capaz de escolhas acertadas; o texto reflete a aventura das ações no mundo, seus contratos e sua contabilidade. A racionalidade do personagem, o discurso organizado/objetivo, a “ilusão da realidade” e a “linguagem pura” (na expressão de Adorno7), eram o espelho do ideal social que tinha como meta atos racionais, escolhas mais produtivas seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista do lucro. 

A linguagem como instrumento de autoexame pela ilusão em uma época em que a mobilidade social começa a se desenhar para os setores médios da sociedade, que pareciam ter seu destino determinado. Ian Watt reflete sobre a semelhança entre a nova tendência ao individualismo, por exemplo nos romances de Defoe, particularmente em “Robinson Crusoé”, e a filosofia da época8. Esse personagem é “um indivíduo” que vai dominar o mundo e assim também é o narrador, inteiro, indivisível, que vai dominar, na expressão adorniana, o “palco italiano” da ilusão. Portanto, desde o seu surgimento, o romance moderno, e a “interiorização da consciência”, que se reflete no personagem, são também uma questão moral e política, escolha, interpretação e autoexame:

Se Deus atribuiu ao indivíduo a responsabilidade básica pelo próprio destino espiritual, segue-se que ele tornou isso possível revelando suas intenções através dos fatos da vida cotidiana... (o puritanismo) não só levou o indivíduo a encarar cada problema do cotidiano como uma questão de profunda e constante preocupação espiritual, mas também estimulou uma posição literária adequada à descrição de tais problemas com a mais rigorosa fidelidade”. (Watt, 2010, p. 81).

Adorno lembra que o romance contemporâneo é uma tomada de partido contra a mentira da representação, e, na verdade, contra o próprio narrador, “que busca, como um atento comentador dos acontecimentos, corrigir sua inevitável perspectiva”. (idem, p. 60) Se a racionalidade falhou, e não há comunicação porque não há veículos de comunicação, não admira que os personagens de Beckett não possam escolher e, por fim, sejam a própria maquinaria dialogal da mente. Como diz Beckett: “O observador inocula o observado com sua própria mobilidade”. (2003, p. 15)

Dizia Walter Benjamin em 1938: “A história se decompõe em imagens, não em narrativas”. Coetzee comenta: “A história narrativa nos impõe a causalidade e a motivação externa; devia-se “dar às coisas a oportunidade de falarem por si mesmas”. (2011, p. 74) Um autor aparentemente tão distante quando George Orwell tem, em 1943, como um dos primeiros planos para seu livro “1984” o seguinte conceito: “The system of organised lying in which society is founded” (British Library's website).
Helena Martins, no seu comentário sobre a peça “Até que o dia os separe ou Uma questão de luz”, de Peter Handke, que dialoga com “A última fita de Krapp” (1958), pontua: “o anseio beckettiano por uma linguagem inexpressiva, uma linguagem que não é instrumento para significar, talvez apareça aqui como desejo de um outro no mesmo: desejo de perder, digamos, a língua do homem para as línguas da criança, da mulher, do bobo, da pedra, do pássaro, da arte”. (Martins, p. 54).

Da mesma forma, desde Nietzsche (1844 -1900), a clareza apolínea do diálogo e do caráter dos personagens das antigas tragédias são como manchas luminosas para curar um olhar lesado pela observação da dimensão íntima e pavorosa da natureza. Não surpreende que a música seja agora o modelo para a arte, pois poderia superar a “exaltação egoística do indivíduo”, como colocaria Mario de Andrade em 1935. (Duarte, p. 23).
A mesma autora pontua:
Trata-se, no entanto, de um dar-se conta que não corresponde tanto à capacidade de encontrar significados para os sinais, mas antes à capacidade de aderir à sua intransitividade, de entrar no seu movimento – mais como quem dança ou como quem ri ou como quem canta do que como quem decodifica ou interpreta (Martins, p. 53).

Já em 1916, Benjamin afirmara que a palavra não é um signo “substituto para outra coisa”, mas “o nome de uma Ideia”, ou seja, teria uma “concepção simbolista da linguagem poética liberada de sua função narrativa”. Para ele, em Proust, Kafka e nos surrealistas, “o mundo deixa de ter uma significação no sentido burguês e recupera seu poder elementar e gestual”. (Coetzee, p. 76)
Nesse mundo sacudido por multidões, de indústria, reconstituído pelos carros, aviões, cinema, pela guerra, o ordenado se mostrava falso e normativo. O descontínuo e o fragmentário abriam espaço para a liberdade e traziam o real possível.
Precisamos então analisar que linguagem é essa contra a qual o Modernismo histórico se rebela, que discurso nominativo-acusativo é esse que tanto incomoda Beckett e desperta sua fúria iconoclasta do “nada a não ser o pó” e a “desintegração completa”.
Usarei aqui três imagens para ilustrar essa linguagem unívoca.

Na Inglaterra, em 1840, o artista gráfico George Cruikshank desenha “A colmeia britânica”, na qual cada indivíduo corresponde a uma função social e está dentro de uma hierarquia, uma representação que corre o risco de indicar uma categorização fixa, do lugar no espaço, de quem está fora e quem está dentro, ao mesmo tempo ordenando e dando a cada grupo a medida de seu valor na estrutura. Pode servir de metáfora para esse uso da linguagem como instrumento classificador que, pela clareza e distinção, impõe, disciplina e vigia.


“The British beehive” , George Cruikshank, 1840

No início do século XIX, o cientista francês Pierre Simon, Marquês de Laplace, o qual utilizaria a matemática newtoniana para descrever o sistema solar e teria criado a “transformada de Laplace”, representou o ideal da previsibilidade absoluta e determinismo mecânico. Segundo conta a lenda, ouviu do Imperador Napoleão: “M. Laplace, me disseram que você escreveu este grande livro sobre o sistema do universo e jamais sequer mencionou seu Criador”. Teria respondido: "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse-là". (Eu não precisei fazer tal suposição). Afirma o matemático, no seu famoso Ensaio sobre as probabilidades, de 1814:

Devemos considerar o estado presente do universo como efeito dos seus estados passados e como causa dos que se vão seguir. Suponha-se uma inteligência que pudesse conhecer todas as forças pelas quais a natureza é animada e o estado em um instante de todos os objetos - uma inteligência suficientemente grande que pudesse submeter todos esses dados à análise -, ela englobaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e também dos menores átomos: nada lhe seria incerto e o futuro, assim como o passado, estaria presente ante os seus olhos. (Laplace, 1947, p. 13).

Laplace está ligado ao movimento crítico iluminista e está distante da influência neoplatônica sofrida por Newton. Para Simon Schaffer:

In his Exposition du systéme du monde (1796), Laplace argued that the successes which this mechanical and deterministic natural philosophy had achieved in astronomy and in rational mechanics should now be extended into the phenomena of light, the cohesion of bodies, magnetism, galvanism and chemistry. A ‘Laplacian programme emerged under the aegis of French physics (…) This reading of Newtoniasm was highly influential in nineteenth-century physics. It became possible to see Newtonianism as the common sense of physical sciences. (Schaffer, p. 611)

Outro fragmento iluminador desse ambiente é a chamada antropologia criminal, originada dos estudos do médico italiano Cesare Lombroso, que, em 1870, em Pavia, percorria prisões e hospícios na busca das “diferenças substanciais entre loucos criminosos” e dos caracteres dos “homens primitivos” e dos “animais inferiores” que deviam se reproduzir em nosso tempo. A ciência criminal apaga suas pegadas em conceitos e se torna capaz até mesmo de prever o futuro, tamanho o grau de determinação dos fenômenos sobre os sujeitos. A criminalidade era tão contagiosa como as doenças infecciosas e seria preciso observar os locais de contágio, não apenas prisões e bares, mas também a má literatura e a imprensa.

Além disso, todo delinquente é um indivíduo que carrega os estigmas atávicos de suas tendências criminosas. A ciência que pesava os crânios de Shakespeare, Kant e Pascal na esperança de achar nessas relíquias uma “significação morfológica”, era a mesma que se propunha a “demonstrar a existência de um tipo humano destinado ao crime e estigmatizado por sua organização morfológica defeituosa”. (Darmon, p. 12)
A jurisprudência clássica é vista como próxima ao misticismo, sem fundamentos lógicos, e substitui-se o foco na responsabilidade pelo ato praticado pelo mal que o indivíduo pode vir a causar à sociedade. “Existe um criminoso típico que o sábio é capaz de descobrir, mesmo quando ele não cometeu nenhum crime”. (idem)
Schorske comenta sobre a cultura moral e científica que prevalecia entre a classe média europeia no fim do século XIX: “Moralmente, era convicta, virtuosa e repressora; politicamente, importava-se com o império e a lei, ao qual se submetiam os direitos individuais e a ordem social; intelectualmente, estava comprometida com o grande pressuposto metafísico do Iluminismo, ou seja, que havia uma estrutura racional inerente a todas as coisas, apesar do caos da superfície”. (Schorske, p. 146)

Essa classe média liberal da Europa do século XIX compartilha um mesmo conjunto de crenças e formas de discurso: autorizado-autoritário, imparcial-impositivo, lógico-universal, capaz de descobrir a essência da realidade e moldá-la ao racional (como parece propor a Ciência da Lógica de Hegel, de 1816), discurso transparente e baseado na pura factualidade da ciência. É uma sociedade regida pelo decoro, regras, boas maneiras, “proporção”. Como afirma Elaine Showalter: “How you behave, where you behave, the degree to which you express yourself, all of this is kind of strictly regulated and internalised”. (British Library's website).
Ou seja, a linguagem era, como bem analisou Foucault, uma forma de dominação, e o próprio poder: “O novo racismo, o neo-racismo, o que é próprio do século XX como meio de defesa interna de uma sociedade contra seus anormais, nasceu da psiquiatria, e o nazismo nada mais fez do que conectar esse novo racismo ao racismo étnico que era endêmico no século XIX”. (Foucault, p. 403)

O século havia visto o surgimento da locomotiva em 1804, da lâmpada incandescente, do telefone, em 1854 e do automóvel em 1886. Não admira que um escritor como Júlio Verne (1828-1905), afirmasse que sentia “tanto prazer em observar o funcionamento do motor a vapor de uma bela locomotiva quanto na contemplação de um quadro de Rafael ou Corregio”. (apud. Johnson, p. 23). Em 1880, na Escócia, Louis Stevenson desenhava um mapa e depois veio a descrever ter visto uma série de personagens aparecendo entre as árvores. Mas ele escreveu A ilha do tesouro e nunca pensou em descrever esse processo de criação. Nos Estados Unidos, ainda em 1937, um editor recusava um manuscrito de Faulkner escrevendo: “Minha principal objeção é que aparentemente não tem uma história para contar, e eu considero que um romance deve contar uma história”. (idem, p. 29) A aventura de uma vanguarda disposta a estudar o falseamento de uma pretensa “correspondência sem fissuras entre o dizer e o dito” ainda não era tema da literatura. (Souza In: Beckett, 2012, p. 24)

Mas a preocupação beckettiniana com a linguagem autocritica e com a narração como questão pode ser ligada a uma longa tradição pós-kantiana. As imagens de um discurso esburacado que tomaram o lugar do vagabundo sem uma ação a realizar (a não ser esperar e narrar), ganham uma dimensão maior se conjugados com as reflexões da época assim expressas por Beckett em carta de 1949 a Georges Duthuit:
[Van] Velde is (...) the first to submit wholly to the incoercible absence of relation, in the absence of terms or, if you like, in the presence of unavailable terms, the first to admit that to be an artist is to fail, as no other dare fail, that failure is his world and the shrink from it desertion (...) I know that all that is required now (...) is to make of this submission, this admission, this fidelity to failure, a new occasion, a new term of relation, and of the act which, unable to act, obliged to act, he makes, an expressive act, even if only of itself, of its impossibility, of its obligation (Hoffmann, p. 157)

Para Foucault, em “As palavras e as coisas”, no século XIX, a unidade da gramática tradicional foi destruída e nada veio tomar seu lugar. Ao invés da pergunta clássica – “O que significa pensar?” – surgiu a pergunta “O que significa falar?” Afirma o filósofo: "Language became business of philologists and linguists, of symbolic logicians, exegetes and, finally, pure writers”. (Gutting, p. 73)
Conforme Roberto Machado:
A linguagem não remete nem a um sujeito nem a um objeto: elide sujeito e objeto substituindo o homem, criado pela filosofia, pelas ciências empíricas e pelas ciências humanas modernas, por um espaço vazio fundamental onde ela se propaga, se expande, se repetindo e se reduplicando indefinidamente”. (Machado, 2001, p. 113)

Valeria ainda a pena uma reflexão sobre a tomada de posição de pensadores de outras áreas frente a esse discurso onisciente do sujeito absoluto.
Para Foucault, Nietzsche é o primeiro a elaborar uma crítica radical da linguagem por “se constituir como resistência ou alternativa ao pensamento antropológico moderno, elidindo as categorias de sujeito e objeto”. (Machado, 2001, p. 111)
A transição do século XIX para o XX apresenta um movimento cultural de reflexão sobre o condicionamento cultural das formas de percepção, sendo a linguagem uma máquina de classificação e (usando a expressão de Jacques Rancière) “partilha do sensível”9, que cria versões de mundo. Em seu ensaio sobre o autor, Beckett cita uma frase de Proust: “Se não existisse o Hábito, a Vida teria, por certo, uma aparência deliciosa” (Beckett, 2003, p. 28). 

Não pode ser uma coincidência que Melanie Klein, psicanalista nascida em Viena em 1882, tenha afirmado que nós atribuímos ao mundo um sentido derivado das fantasias inconscientes e de suas angústias. “Klein descobriu que as fantasias constituem recursos essenciais que utilizamos para dar sentido às percepções. Elas criam as pressuposições básicas com que vivemos e interferem não só no comportamento alterado como também no comportamento normal, corriqueiro”. (Segal, p. 32)
O livro “A ciência da mecânica”, de Ernst Mach, professor de história e teoria da ciência indutiva na Universidade de Viena, publicado em 1883, ainda foi capaz de inspirar Einstein quando este o leu em 1902. Afirmava Mach: “Ninguém é competente para asseverar coisas sobre o espaço absoluto e movimento absoluto. Essas são puramente coisas do pensamento, puras construções mentais que não podem ser reproduzidas em experiências”. (Overbye, p. 138)

Na famosa carta de 1937 já citada, Beckett comenta sobre seu ceticismo quanto à linguagem, baseado no filósofo austro-húngaro Fritz Mauthner, nascido em 1849, que teria sido estudado por Joyce e Beckett durante a escrita do texto depois chamado “Finnegans Wake”10. Mauthner duvida da capacidade desta de afirmar um “fora”, já que mesmo mente e corpo seriam conceitos correlatos na nossa linguagem, mente e corpo que Descartes afirmara serem noções primitivas ou naturezas simples, que os usamos para descrever experiências, assim como usamos o tempo, o número e o ser (Weiler, 2009).
Segundo a pesquisadora Linda Ben-Zví, Mauthner chega a estas conclusões: “O que nós consideramos ser o conhecimento é sempre o uso atual da linguagem". (2014, p. 11) A linguagem, "em vez de nos oferecer qualquer discernimento, apenas mostra como homens diferentes em sociedades diferentes a utilizam; ela se torna o reflexo de uma Weltanschauung, uma “visão de mundo” (idem) Joachim Kühn vê na teoria de Mauthner uma reflexão sobre a "falta de relação entre linguagem e realidade, e também da corrupção da linguagem de seu tempo” (apud. Ben-Zvi, p. 177).
Muito semelhante à denúncia dadaísta – movimento surgido em Zurique em 1916 - da contaminação da linguagem; nas palavras do próprio Mauthner, a meta seria "tentar libertar o mundo da tirania da linguagem". (p. 180) Joyce teria pedido que Beckett lesse trechos do livro não traduzido de Mauthner para ele em 1932. “Murphy”, concluído em 1936 (publicado em Londres em 1938), ainda apresenta uma jornada de perseguição (ainda que irônica e fragmentária); seu próximo texto, de 1942, “Watt”, abre um novo caminho, acabando com as palavras: “No symbols where none intended”.11 Surge, para além do “personagem” do realismo histórico (o mundo), o “eu” enquanto narrador a ser observado.
Henri Poincaré, professor de matemática na universidade de Paris – também eleito para a sessão literária da Academia francesa – afirmava em 1889: “Pouco importa se o éter existe ou não – vamos deixar isso para os metafísicos; o essencial para nós é que tudo acontece como se existisse, e que achamos essa hipótese adequada para a explicação de fenômenos”. (Overbye, p. 142)
Erwin Schrödinger, nascido em Viena, em 1887, preocupava-se, como outros pioneiros da física da época, não apenas com medições e experimentos, mas com o modo como Schopenhauer havia reinterpretado Kant:

O ponto essencial foi formar a ideia de que esta coisa – mente ou mundo – bem poderá ser capaz de assumir outras formas que não podemos compreender e que não implicam as noções de espaço e tempo... O reconhecimento de que o espaço infinito euclidiano não é uma maneira inevitável de enxergar o mundo de nossa experiência... pareceu despedaçar o fundamento de Kant... tal reconhecimento coube a Einstein (e a vários outros, H.A. Lorentz, Poincaré, Minkowski, por exemplo)”. (Schrödinger, p.159)

David Bohm, cientista nascido nos Estados Unidos, em 1917, chegou a pensar em como a linguagem estava moldando nossa percepção na forma de sujeito e objeto e refletia: “Não seria possível mudar a forma sintática e gramatical da linguagem de modo a dar ao verbo e não ao substantivo um papel fundamental? ” (Bohm, p. 54)
O personagem de “Malone morre” (texto iniciado em 1947) afirma: “Desta vez sei para onde vou... É um jogo agora, vou jogar... Acho que vou conseguir me contar quatro histórias” (Beckett, 2014, p. 22). Em “Textos para nada” (iniciados em 1950) temos um narrador que, comicamente, pergunta-se: “O que importa quem fala, alguém diz, que importa quem fala? (...) Sei como vou fazer, serei um homem, é preciso, uma espécie de homem...” (Beckett, 2015, p. 15). No Fragmento V: “É uma imagem, em minha cabeça sem forças, onde tudo dorme, tudo está morto... Ah, sim, ouço dizer que tenho uma espécie de consciência. (idem, p. 23)

No texto “Como é” (1961), conforme Ana Helena Souza, o discurso esburacado apresenta como visões e cenas desconexas as referências ao mundo cotidiano, a “vida em cima na luz”, enquanto a vida atual do narrador é um arrastar-se na lama (Souza, 2007, p. 37) Por exemplo, no seguinte fragmento:
o não muito mais porém na cauda o veneno perdi meu latim deve-se ser vigilante assim um bom momento num torpor de barriga para baixo então começou não posso acreditar nisso a escutar (Beckett, 2003b, p. 51)
Em “Para frente o pior” (escrito em 1981), escreve: “Tentar ver. Tentar dizer... Olhos cerrados. Sede de tudo. Germe de tudo... Um lugar. Onde nenhum... Nenhum lugar exceto o único”. (Beckett, 2012, p. 67)
Como pontua Lívia Gonçalves, o ato da escrita assume um papel central nos textos finais de Beckett. “O aprisionamento no interior da mente é o destino final do narrador beckettiano. Ali, a imaginação, a palavra e as vozes voltam a enfrentar-se.” (2014, p. 148) O narrador, inseguro e obstinado, vai de “refratário à ação”12, às vozes em diálogo na “episteme da dúvida permanente” (Andrade, 2010)
A pesquisadora comenta que o recurso de uma “voz” cinde o próprio sujeito das histórias. “A voz exterioriza algo muito próprio desses protagonistas – seus momentos de vida. No entanto, esses momentos nunca estão na boca deles próprios. (...) A fragmentação do universo final beckettiano reforça a ideia desse sujeito cindido”. (Gonçalves, 2014, p. 137)
Companhia” (iniciado em 1977) sintetiza muitas dessas questões. Stanley Gontarski, comentando sua encenação do romance, explicita que a prosa já apresenta “uma dialética entre as vozes de segunda e terceira pessoas”, e Beckett teria afirmado ter como objetivo “levantar uma série de hipóteses, cada uma delas falsa” (Gontarski, 2012)
Para Locatelli: “The narrative reflects a conception of the subject that is essencially 'plural' and not immediate, while narration also conveys the notion that this phenomenogical plurality would be obleterated in the figure of a singular pronoun”. (op. cit., p. 160)
O que guarda semelhanças com a filosofia de Nietzsche, para quem, segundo Rüdiger Safranski, o eu é uma ficção. “Também no ser humano existem apenas acontecimentos, ações, e porque não suportamos a dinâmica do acontecimento anônimo, inventamos um autor para as ações. O 'eu' é essa invenção”. (Safranski, 2001, p. 274).
Na modernidade, o eu não permanece e a moldura imposta ao mundo é questionada através da linguagem. “O surrealismo buscou a comunicação com o irracional e o ilógico, deliberadamente desorientando e reorientando a consciência por meio do inconsciente”. (Bradley, apud Amarante, 2009). Conforme coloca Umberto Eco, no lugar de um determinismo consequente, as obras agora sugerem ao receptor que ele mesmo fique no centro de uma rede de relações e opere o processo de criação (idem, p. 58) –
o eu múltiplo abre espaço para diversas aproximações da realidade e para a transformação contínua do ser e do eu. 
“De muitas formas se regenera a mesma energia vital” – afirma Donaldo Schüler acerca do “Finnegans Wake”. Dirce Amarante aproxima a última obra de Joyce, na qual os significados se sobrepõem, à obra “Grande Vidro” de Duchamp (artista influenciado pelo experimentalismo dadaísta), criada entre 1912 e 1923, a qual exigiria participação ativa do espectador (idem, p. 58).
O olhar é colocado em questão e questiona o sujeito que olha. Carla Locatelli situa Beckett no paradigma de uma “hermeneutics of suspicion” que questionaria “the looking glass of traditional mimesis” e ressaltaria “the linguistic constructions that, in fact, establish the world” (Locatelli, 1990, p. 72).
Conta Chris Ackerley que, em 1935, Beckett ouve com seu terapeuta, Wilfred Bion, uma palestra de Gustav Jung: “(he) argued that unity of consciousness was a ilusion, because complexes could free themselves from conscious control (...) Yet the attempt to deconstruct, to decompose, to hear and to identify the voice is the incessant concern of the Three Novels.” (Uhlmann etc. all., 2004, p. 41) 13
Para Gontarski, as últimas peças de Beckett são “peças nas quais nós questionamos nossa própria percepção, nós questionamos a validade, a existência das imagens que nós vemos diante dos nossos olhos no palco” (Gontarski, 2012).
O foco, como nas peças para TV escritas entre 1975 e 1982 (Ghost Trio, ...but the clouds..., Quad e Nacht und Träume), são “imagens de poder”, como coloca Martin Esslin: “Poems without words, visual poetry”. Quad tem como proposta inicial a não ruptura do ritmo entre quatro atores que tem rotas que passam pelos cantos A, B, C e D, representando o centro (E) o “perigo”, um “quadrilátero de detenção”. (Acheton e Arthur, p. 46)
Em “Mal visto mal dito” (1981), a imagem de uma velha em uma cabana pode ser apenas uma memória iluminada às vezes pelo olho da consciência (por um “I”?). São textos os quais, para Locatelli, “point to existence of the contextual matriz of meaning that is, to presence of reading”. (op. cit., p. 73)
O texto diz:
Tudo está mesclado, coisas e quimeras. (…) Esta velha tão moribunda. Tão morta. No manicômio do crânio e em nenhuma outra parte. (…) Não mais possível senão em estado de quimera. Não mais suportável. Ela e o resto. Nada mais senão fechar o olho de uma vez por todas e vê-la. Ela e o resto. Fechá-lo de uma vez por todas e vê-la até a morte. (Beckett, 2008, p. 44)
Esta fase final coloca uma dúvida sobre a realidade possível do referente. Como aparece na poesia citada por Nicholas Zurbrugg:
something there
where
out there
outside
what
the head what else
something there somewhere outside
the head
(Acheson & Arthur, 1987, p. 147)

Para Anthony Uhlmann, não apenas o autor irlandês se ocupou de e influenciou importantes filósofos como mudou a forma como o Ocidente se relaciona com temas particulares. Michel Foucault mesmo reconhece essa influência: “to me the rupture came with Beckett – Waiting for Godot, a breath-taking spetacle”. (Foucault apud. Uhlmann, in: Gontarski, 2010, p. 93). 14
Nosso objetivo foi contextualizar a crítica da linguagem nesse narrador improvável, que coloca em jogo sua capacidade de narrar. Helena Martins cita uma carta do autor na qual, falando sobre a importância que dá ao silêncio, e sobre a busca de um método pelo qual possamos representar “esta atitude de ironia para com as palavras, através de palavras”, critica “os pequenos pássaros da interpretação”, que jamais se calam na “floresta de símbolos” (Beckett apud Martins, p. 49) Numa época de discurso fascista, na qual a diferença se apaga, e o outro não é aceito, a percepção da percepção, a não transparência do discurso e a reconstrução contínua da linguagem, além de reflexão sobre a tradição literária, são também um ato político.

Joyce pode ter mergulhado numa metafísica mítica e usado o efeito multiplicador da linguagem para dar relevo às múltiplas formas de ver (a cidade?), competindo com Shakespeare na fertilidade e contrapondo-se ao discurso homogêneo jesuíta, no universo católico sobre atos e palavras, mas Beckett parte de Joyce, da tradição protestante da reflexão sobre a mente e seus conflitos (palavras no crânio?) para cedo deparar-se com o estágio avançado da modernidade na reflexão sobre a capacidade da linguagem para descrever o real e assume o dizer o que não se sabe, eliminando a linguagem-mecanismo para dar outro acesso ao que nos sobrou acessar, realidade delimitada pela ideia de que “sujeito e mundo exterior passam a existir apenas quando proferidos”. (Andrade in Beckett, 2012, p. 16)

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1 Dramaturgo, Mestre em Filosofia e Bacharel em História pela PUCRS.

2 Expressão usada por Beckett em “Para frente o pior” (Worstward ho) – tradução de Ana Helena Souza. Companhia e outros textos. São Paulo: Editora Globo, 2012.

3 Híbrido de romance, poema e drama, entre o percurso, a música da linguagem e o diálogo intersubjetivo.

4 Segundo Foucault: “Um enunciado pertence a uma formação discursiva, como uma frase pertence a um texto, e uma proposição a um conjunto dedutivo”. Ou ainda: “A lei dos enunciados e o fato de pertencerem à formação discursiva constituem uma e única mesma coisa; o que não é paradoxal, já que a formação discursiva se caracteriza não por princípios de construção, mas por uma dispersão de fato, já que ela é para os enunciados não uma condição de possibilidades, mas uma lei de coexistência, e já que os enunciados não são elementos intercambiáveis, mas conjuntos caracterizados por sua modalidade de existência”. (FOUCAULT, 1969, p. 135 apud. Azevedo, 2013)

5 Essa abordagem do ambiente cultural – na difícil tarefa de estudar objetos particulares, sejam eles eventos ou obras - relaciona-se com o método da ciência historiográfica da “longa duração”, de Fernand Braudel: “A estrutura do historiador é um quadro estável, que confere às atividades um quadro monótono, repetitivo; é uma ‘longa duração’, concreta, mas ‘invisível’, que só a pesquisa e a reconstrução conceitual podem apreender” (Braudel apud. Cracco, 2009, p. 13).

6John Locke (1632 – 1714) representa também a ligação entre uma visão unificada do “eu” (o self pontual) e a “busca de controle entrelaçada com certa concepção de conhecimento” (Taylor, 1997, p. 212). Segundo o Charles Taylor, a racionalidade desse século XVII, em última análise, apresenta desde logo um ideal de autodomínio, a objetificação voltando-se para o próprio “self”. “[Locke] rejeitou toda e qualquer forma da doutrina das ideias inatas... Locke propõe demolir e reconstruir... Distanciando-nos, assim, de nós mesmos e de nossa inclinação do momento, abre-nos a possibilidade de nos remodelar de forma mais racional e vantajosa... O distanciamento radical abre a possibilidade de auto-remodelação”. (idem, p. 217).

7Adorno, 2003, p. 60.

8Agradeço a Lívia Gonçalves a referência a esse debate.

9Rancière define assim a expressão: “Pode-se entendê-la num sentido kantiano – eventualmente revisitado por Foucault – como o sistema das formas a priori determinando o que se dá a sentir... é um recorte dos tempos e dos espaços... que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência”. (Rancière, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental org: Ed. 34, 2005, p. 16).

10Em 1929, a Shakespeare & Company publicou um conjunto de críticas favoráveis ao livro de Joyce, um deles escrito pelo secretário irlandês. Beckett também traduziu, com outros, a primeira versão francesa de fragmentos do Finnegans Wake. O texto “noturno”, o “sonho da humanidade”, jogo experimental que apela ao não racional, nos lembra a afirmação de Foucault de que, em uma estética da linguagem, oposta a uma estética da percepção, “o problema da realidade não se impõe”, porque ela “nega a realidade e a linguagem é tudo”. (Amarante, Dirce. 2009, p. 25-28; Machado, 2001, p.113).

11Agradeço a Gustavo Nogueira a observação sobre o momento exato da leitura, entre duas formas de escrita.

12Significado do nome do personagem-título do romance de Gonchávon, apelido dado a Beckett pela milionária Peggy Guggenheim.

13O próprio Bion é alguém que estuda os elementos do pensamento, sua evolução e seu uso. Um dos seu inovadores “modelos” ou conceitos é o de spliting estático, no qual o paciente deseja “proteger-se da dor do insight através de um ativo “ver mal”, “ouvir mal”, de “entender mal”... (Zimerman, David. Bion: da teoria à prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995). O que é interessante, já que um dos textos em prosa de Beckett que mais estuda o processo de pensar e criar é “Mal visto, mal dito” (1980)

14 Se a semelhança entre os chamados pós-estruturalistas e o trabalho de Beckett é notória, seria interessante também investigar suas diferenças. Share Weller prefere relacionar o irlandês ao modernismo tardio, entre o modernismo e o que seria a pós-modernidade. (Beckett and the Late Modernism. In: The new Cambridge Companion to Samuel Beckett. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2015.