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sexta-feira, setembro 19, 2014

Verde

Uma canção para o verde que é
A parte que diz que as coisas
São o que são
Invejo os que podiam matar a metafísica
Desconfio da realidade
O olhar puro sem pensar
Queremos escapar
A serpente invisível
Mais poderosa
(Sem Paulo ou conflito
Sem contradição)
Nosso querer sempre erra
Da qualidade das nuvens
Com força pelos vales
Deixando tudo que não é
Surge um fruto novo e único
Meu irmão
É preciso cometer loucuras
Talvez a saída seja
Desaprender em conjunto


Afonso Lima

quarta-feira, setembro 17, 2014

Montanha


Não posso apagar
Não sou espelho nem retrato
O poeta machucado quase morto
É soco
Não posso fugir
para as montanhas
o sonho tem que correr ruas
labirintos não podem
esquecer o ser tão frágil
meu cavalo com asas
pudesse ser verso livre
talvez fosse rarefeito
das lágrimas dos infelizes
Não posso fugir
para as montanhas
o sonho muda nos dias
e a noite é necessária
aos pássaros cansados

Afonso Lima

domingo, setembro 14, 2014

Carolina

Minha terra tem miséria
Não se olha para lá
Carolina cata lixo
Na noite de São Paulo

Carolina põe o coração
da Zambia, Guiné e Sudão
No branco colhido do chão
Carolina morre de frio

Carolina embaixo da ponte
Na fábrica de sabão
Nem Pende, Nalu ou Dogon
Na noite faz a canção

Afonso Lima

quarta-feira, setembro 10, 2014

Lua

Já foste uma deusa
coberta de poesia
pedra
coisa em si
eu não sei o que num clarão
à meia noite saindo do metrô
tantas outras brancuras de cidade
eu poderia colocar em fila
Vez
Véu
Voz
mas o que é concreto me cansa
não voa
eu apenas fico a olhar-te
e esse vazio
(make it new)
basta

Afonso Lima

terça-feira, setembro 09, 2014

Soneto em yx - jogando com Mallarmé

Um soneto tão hermético, que usa palavras já esquecidas, só mesmo com ajuda de um crítico, C. F. MacIntyre*. O poeta fala, em carta de 1887, que "não há soneto algum", e que escolheu "esse assunto, de um soneto nulo". Pensei antes em criar o prazer da rima ("criar pela magia da rima, ele diz) e o interesse advindo de um vago referente, mesmo sacrificando talvez o objetivo principal de que o sentido seja "evocado pela miragem interna das próprias palavras". A famosa "cinerária ânfora" foi substituída por uma ousada interpretação... Na primeira versão do poema, tudo fica mais claro, podendo ser apenas a morte do sol pela Tarde com a ajuda da Noite, que traz a Fênix da estrela...

 (Universidade da Califórnia, 1975 apud. Fontes, "Os anos de exílio do jovem Mallarmé, Ateliê Editorial, 2007)


Ses purs ongles très haut dédiant leur onyx,

L’Angoisse, ce minuit, soutient, lampadophore,

Maint rêve vespéral brûlé par le Phénix

Que ne recueille pas de cinéraire amphore


Sur les crédences, au salon vide: nul ptyx,

Aboli bibelot d’inanité sonore,

(Car le Maître est allé puiser des pleurs au Styx

Avec ce seul objet dont le Néant s’honore.)


Mais proche la croisée au nord vacante, un or

Agonise selon peut-être le décor

Des licornes ruant du feu contre une nixe,


Elle, défunte nue en le miroir, encor

Que, dans l’oubli fermé par le cadre, se fixe

De scintillations sitôt le septuor.

(1887)



De unhas puras no alto dedicando ônix
A Angústia, essa meia-noite, sustém luz-esfera
Muito sonho vesperal queimado pela Fênix
Não recolhe as cinzas do poema que não era

Dobra alguma, na sala vazia, nenhuma ptyx
Abolido bibelô que o som edifica
(pois o Mestre foi sorver lágrimas no rio Styx)
Com este único objeto com que o nada se glorifica

Mas junto ao vidro aberto ao norte
Agoniza um ouro no adorno com a Vitória            
De unicórnios a coiceando, pobre nixe

Ela, embora defunta nuvem no espelho se olha      
Que no esquecimento fechado da moldura se fixe
De cintilações no mesmo instante sete vozes

Afonso Lima

Exílio

A infância perdida
onde tudo era belo
as manhãs eram amigas
o mar era calmo e quente

A infância roubada
onde nada era nada
um criar incessante
sorriso de toda gente

Minha infância me protege
Na negra tempestade
com suas cantigas amadas
E o rio que era apenas um rio

Thadeus K.

(Ajr)

sábado, setembro 06, 2014

Fuga

A menina perdida
no mundo dos robôs
O príncipe triste na beira do lago
Querendo voltar a ser sapo
Cuidado que essa coisa de sobreviver
Pode acabar com sua vida
Um rei sem fuga
negando parte do real
barulho o silêncio
quadrados jukebox
siga as pedrinhas amarelas
alucinações impulsivas
A menina perdida
no mundo dos robôs
modo luxo
no seu lugar sem inovar
meu sapato seu salário
paguei mais caro
O CEO sabe
o mundo é de quem sobe
a pobreza é genética
Os herdeiros herdarão a terra
A menina perdida
tocando seu tambor
o mercado
já sabe
a mala tem brasão
a marca, autoridade
de definir o jet-set
Um mundo para os produtos
os patos buscam um lago
menina, você pode ser o que já foi
O corpo interior demora
Menina não chora
Sapo não pula
O sapo nostalgeia
Morta-viva camarote
Recua.

Afonso Lima

sexta-feira, setembro 05, 2014

Bicicleta

Aqui tudo tem suficiente clareza e a deliciosa obscuridade da harmonia. No julgamento, o homem parecia não estar entendendo. O epitáfio era um belo poema. Usava um colar de pérolas, vestido cinza, apesar do dia ensolarado, os pássaros não cantavam, devia ter colocado o verde, tinha sonhado com seu marido, que fora confinado em Treblinka, perdera toda a família. Quando menino, sentava em seu colo, ela contava histórias, aprendeu algum piano da vizinha. O filho era casado com uma libanesa, um livro das Mil e Uma Noites. Crescido, sempre perguntava sobre a grande perseguição, a mãe ficava nervosa, só o que faltava, filho, ela contava sempre. Eles quebravam vidraças, em uma cidade na fronteira, mataram meninos quebravam-lhes o crânio com suas armas e, transpassando-os com um pau, os pregavam nos muros. Dona Sara sempre dizia, Se alguém te tratar mal, responda, não podemos aceitar o mal. Faculdade, voltava pra casa, bicicleta, foi escurecendo, parado, o homem, Tem passagem, Não, Vou verificar, se tiver passagem te dou uma surra, E se eu não tiver, posso dar uma surra no senhor? Ela lembrava de um Ano Novo que passaram na praia.

Afonso Lima

Pessoas

A voz que vos fala
na madrugada
tempestade harpa no jardim
ninfas e fadas
                      gemendo ao céu
emoção fatal sábio segredo
o trem, a ânfora
farrapos de verdade
no espelho não
      (heteromim?)
grito impessoal
da montanha
bagunçando o hábito
é que tudo é tanto
variação tamanha
da cidade a rima
é a voz de um rosto
outro
raiz
personagem autoral
sim

Afonso Lima

quinta-feira, setembro 04, 2014

"Vere Novo" - Mallarmé, Le Parnasse contemporain/1866


Le printemps maladif a chassé tristement
L’hiver, saison de l’art serein, l’hiver lucide,
Et dans mon être à qui le sang morne préside
L’impuissance s’étire en un long bâillement.

Des crépuscules blancs tiédissent sous mon crâne
Qu’un cercle de fer serre ainsi qu’un vieux tombeau,
Et, triste, j’erre après un Rêve vague et beau,
Par les champs où la séve immense se pavane.

Puis je tombe, énervé de parfums d’arbres, las,
Et creusant de ma face une fosse à mon Rêve,
Mordant la terre chaude où poussent les lilas,

J’attends en m’abîmant que mon ennui s’élève…
— Cependant l’Azur rit sur la haie en éveil,
Où les oiseaux en fleur gazouillent au soleil.

A primavera doente expulsa com pesar
O inverno, da arte serena, lúcido consolo
E, no meu ser, a que preside o sangue morno
A impotência se estira num longo bocejar

Crepúsculos brancos afrouxam minha testa
Que aperta, como velho túmulo, o círculo de ferro
e, triste, erro atrás de um sonho vago e belo
Nos campos, a seiva imensa em festa

Depois tombo, tremo de perfumes de árvore e suspiro
Cavando uma fossa para meu sonho, sem remédio
Mordendo a terra quente onde nasce o lírio

Aguardo, estragando-me que se erga meu tédio
- entretanto o Azul ri sobre os ramos, o alerta
De tanto pássaro em flor na luz desperta

versão Afonso Lima




urgência

O botão do fast-forward certamente quebrara. Os personagens não podiam mais ser acelerados. Uma senhora de certa idade parava na janela e nada acontecia por mais de um minuto. Mãe e filha faziam chá e o deixavam esfriar em silêncio. Um pai apenas empurrava o balanço de um pequeno de cabelos vermelhos. Já não iniciavam nada com tensão nos primeiros dez minutos. Choravam sem solução de um impulso desconhecido. Até liam poemas um pouco enigmáticos no jardim. Assim, teriam de ser cortados. Um menino colocou sua caixa sobre a mesa e correu para atirar-se no rio.

Afonso Lima

quarta-feira, setembro 03, 2014

"M'introduire dans ton histoire" - traduzindo Mallarmé

M'introduire dans ton histoire
C'est en héros  effarouché
S'il a du talon nu touché
Quelque gazon de territoire

A des glaciers attentatoire
Je ne sais le naïf péché
Que tu n'auras pas empêché
De rire très haut sa victoire

Dis si je ne suis pas joyeux
Tonnerre et rubis aux  moyeux 
De voir en l'air que ce feu troue

Avec des royaumes épars
Comme mourir pourpre la roue
Du seul vespéral de mes chars


M´introduzir na tua vida
Um heroi que se assustou
Se com calcanhar nu tocou
Relva de terra esquecida

Em luta contra a muralha
Pecado ingênuo não é sabido
Que tu não terás impedido
De rir de sua alta vitória

Dize se não sou feliz, perfeito
Trovões e rubis no eixo
E ver como esse fogo arde

Com reinos dispersos vários
e a roda púrpura se parte
No entardecer de meus carros

Afonso Lima

Fato

Ainda que não o escuro mar se abris
se a pata não passeasse em nice
sorvete no cimento ro
mano já haveria manhã no poema
é a língua que emana florença
E viena só é viena
pelas camadas de terna
poesia

Afonso Lima

segunda-feira, setembro 01, 2014

Os pastores

Virgílio também molhava os pés na praia
Oferendas para o mar ele fazia
A Natureza bela e antiga
é a mãe de seus pastores

Que eu nunca tenha um coração arrogante
Que eu cante junto com os demais
Que a Natureza sempre seja mais
Meu corpo não seja escravo do pensamento

Afonso Lima