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sexta-feira, maio 29, 2015

Light /Friend

Light

Strange people we are
We love all the flowers
The silver boy under the sun
Someone's dream made him gray
The silver boy should have a rabbit
and discover the universe
I wish you were a child
and had a green field to run
not everybody being an island
I wish your dreams were invisible ones
To cross the bridge to know a new city
A skin, a pure petal, no iron shield
To sleep with the leaves in the spring

Friend

I´m happy - life is beautiful and
you are part of this, sweet friend
Yes, things change, but you give me your hand
I'm listening, learning with the children
I´m an animal between animals
One hundred years, the root
I'm glad we could keep hope
We can share our tears, the good and bad ones
I can smile to the past and the future
the poetry that one day will be
Free from myself, giving what I have
Discovering the laws of life
Tomorrow morning

Afonso Lima

quarta-feira, maio 27, 2015

"Miss Julie" - de Liv Ullmann

Liv Ullmann nos deslumbra desde o início com uma elegância bergmaniana: entramos nesse conto de fadas, que é a vida de uma filha de barão (Jean, o criado, dirá depois que, na infância, era um príncipe apaixonado). A diretora, diferente de Katie Mitchell, que apresentou recentemente sua versão da peça, capta desde o início as contraditórias paixões dos personagens. Kristine, a noiva de Jean, não é uma menina ciumenta e simplória como em Katie Mitchell. Jean tem seu lado decente e tenta agir de acordo com suas obrigações. Que alívio! 

Então isso nos ajuda (esquecendo o problema do "meio") a tentar desvendar o coração da peça. Ficam claros como que dois eixos que organizam o mundo em transição em que se passa (1890). Por um lado a hierarquia (a desigualdade naturalizada, a adequação, códigos arcaicos mas ainda fortes, rachaduras na estrutura); por outro a hereditariedade (o que força as mulheres a não ter herdeiros de outros homens, uma mulher que tenha se entregado à um criado pode voltar a fazê-lo, acabando com o sonho da classe que proteger o passado ou acumular continuamente, e, no fundo, ser superior por imaginar ser; a pureza, estranhamente redesenhada sob o império nazista - nessa Alemanha tão aristocrática). 

As duas forças em oposição são a culpa (dever) e o desejo (ousadia, mudança). Elas jogam para um lado e outro a pessoa - sim, há uma pessoa, ela se examina e se confessa (desejo), se dobra e redobra, presa na teia, nesse imaginário cristão. Surge a "alma", cheia de movimentos, camadas, explosões e viradas de mesa. 

Por exemplo, no começo Julia (que eu sempre imagino tão crente no poder de seu poder que ignora que algo pode dar errado) joga a hierarquia contra a hereditariedade, forçando a situação. Ela é o personagem mais delicado desse jogo: se lermos o texto muito literalmente e com olhos de clichê, logo veremos apenas uma moça menstruada no solstício de verão (o que supostamente deixa as mulheres doidas). Mas, talvez contra sua vontade, Strindberg fez uma das melhores peças feministas. 

O cuidado com a personagem de Kristine é a que mais impressiona nessa versão. Ela mostra entender tudo, julgar, e cada palavra diz o que não é dito. Ela "vai dormir" vendo para onde estamos indo nessa cozinha, acreditando na inércia da realidade imaginária, ela pode ser superior a sua senhora pois "sabe quem é" e faz parte da aristocracia dos eleitos. Ela por fim se revela um elemento decisivo, porque pode estar realmente mergulhada até o pescoço na moral vigente (diz que ela e Jean têm que fugir quando o barão for embora da mansão, dando à entender que não podem fingir que nada aconteceu, ou seja, poderia denunciar a situação por puro amor ao "correto"). 

Não dá pra entender a escolha da diretora por Colin Farrell. Podemos até dizer que o filme é tão bem dirigido que o ator não consegue acabar com ele. A atuação é algo que poderíamos chamar de "antigo shakesperiano", um misto de olhar de cachorrinho com "profundidade teatral" para mostrar raiva. Se o tempo era de vigilância, cada palavra deveria ser filtrada pela dor de se expressar. Ou pela loucura depois da repressão. Por isso seu personagem é o mais prejudicado. Não concordo com Stella Adler que vê Jean como um vilão. É o ressentimento de uma classe inteira que o faz agir e depois desistir de arrumar as coisas. Julia está vinte anos à frente de seu tempo, e ele também. 

Se um clássico é onde podemos sempre encontrar as questões que afligem nossa época, talvez nossa era seja mesmo a do medo (também as manifestações de privilegiados e a propaganda jornalística, que talvez seja medo do rompimento da barreira de classe). Eu nunca havia percebido o quanto essa peça é sobre o pânico. Talvez  houvesse uma saída para Miss Julia, pensamos. Mas parece que houve um caso que inspirou o autor. A própria imaginação da época vivia o rompimento da hierarquia como uma catástrofe. Por outro lado, ao fim, eles foram jogados de um lado para o outro com suas emoções, estão fisicamente exaustos e não podem pensar ou ter esperança. Entram em pânico. 

Bem no fim, volta fortemente a questão da classe. Julia a joga sobre Jean, já completamente fora de questão, e Jean a joga sobre Kristine. Até onde antigo ambiente pode acobertar tudo? Talvez seja uma peça naturalista também nesse sentido: o que somos em nossa nudez, se não somos nossos papéis?

Erich Auerbach comenta, no seu ensaio sobre "la cour e la ville", o quanto, perto do reinado de Luiz XIV, a aristocracia já não tinha um poder real (militar), nem uma função econômica definida, sendo portanto uma classe totalmente deslocada da realidade, vivendo da obrigação nominal de ser privilegiada. Muito disso aparece no comportamento de Julia, leitora de "idílios bucólicos" como os burgueses que vivem de funções decorativas na corte do Rei Sol, que acaba com a oportunidade de sair-se bem fugindo, numa reação furiosa contra a morte de seu pássaro (que provavelmente morreria de qualquer jeito pegando o metrô). 

A hipotese de Liv Ullmann é que Julia vai mais e mais em direção à essa alienação de classe, acabando num monólogo quase louco sobre os três fugirem juntos. Acredito: Jessica Chastain devia ganhar um Oscar. Mas os outros dois personagens também se desumanizaram em direção ao inconsciente coletivo de classe: Kristine agora é um robô sem liberdade, vestindo sua casaca, Jean não pode mais pensar autonomamente, só tem como opção entregar à Julia a navalha. 

Talvez nossa dificuldade em entender o medo deles seja porque não entendemos esse conceito de a parte fazer parte do todo. Sumiu essa "alma em contradição" e somos apenas pessoas sem culpa mergulhadas na maquinaria da banalidade (será que nossos jornais estão ajudando numa sociedade-clichê, de estereótipos, do [medo] imediato, onde cada gueto reafirma sua opinião sem o outro?). E, se a dialética serve para algo, é justamente quando a "incapacidade de enturmar-se" é o pior castigo, o que, segundo crônica de jornal, levaria até ao pensamento crítico (desmoralizado assim). Nosso sistema simbólico produtivo tem como centro o sexo: a burguesia consumidora é que tem tempo de produzir a beleza, o que reforça a desigualdade, o preconceito e gera o desejo de imitação da ostentação, inclusive da hiper-sexualização (crianças no funk). 

Todos tem que ter um sonho (como diz o diretor de um clip de funk ostentação - carro, mulher, ouro) e todos os que não melhoraram deviam ter se esforçado mais. Até a distância crítica é uma "compensação narcísica". A divisão entre profissão (fazer) e intimidade (ser/igualdade cristã) vai desaparecendo: agora a profissão toma todo o comportamento do indivíduo, que não pode mais se distanciar e criticar, ele pensa como empresa e se distrai com consumo de luxo. Vemos um jogo se armando, talvez com a total privatização do ensino, chegaremos ao novo século XIX: classe A faz negócios, outras classes apertam parafuso, a menos que as máquinas façam isso. Talvez a elite financeira perca mais e mais sua "utilidade", etc. 
Mas, como Julia e Jean, sempre haverá quem duvide. 

Afonso Lima

quarta-feira, maio 20, 2015

Tropa

Soube do Morgado, que chama caçador de selvagem pra ocupação que não de mula pras mina? Esse eu sou, caçador dos filho dos pássaro, tem índio que me quer comer porque lhes despedacei o pai à tiro. Chega dos paulista sem ouro e sem prefeito, no rabo do Rio, levando cachaça, fazem bem o Morgado: bicho brabo dizem ele, luta com vice-rei, bispo, a câmara, mas de braço, o demo faz porto, trilha, no querer ferro, se aqui tem mais de seis mil alma; diz que até nobreza há de dar em quem se for com ele. No que? Tomar Paraná o exército, que o espanha vem pra Mina, Morgado disse bandeirante são canhão da colônia, jogado fora na brotagem douro, imposto ruína, da Vacaria a Sorocaba, até Cuiabá dá roupagem de rio salve Morgado diabo. Mas que essa lua louvada misericórdia e paz em cristo que nem tupiniquim nem carijó me comeu nem malária de canoa no Tietê não morri nem francês em navio e vou ser duque pode ter Salvador de todos os males. 

Afonso Lima

terça-feira, maio 19, 2015

6 anos

- O teu irmãozinho é a tua cara. - Claro tia, é o mesmo espermatozoide.
- Qual lado dói?
- O de dentro, doutor.
- No dia do aniversário do meu irmãozinho só ele vai ganhar presente?
- Pai, se tem que lavar o tico todo dia, porque não tira a pele?
- Deus fez esses morros para dormir no sétimo dia.
- Se nesse desenho a terra é redonda, se alguém desenhar a lua na lua como vai ser?

Afonso Lima

adeus ao pai

54 anos? Sim. Deixa parentes? Uma filha. Velocidade? 170. Quantos anos? 4. Bebeu? Sim. A indústria? Uma das maiores. Os impostos? Sim. Muitos políticos? Sim, deputados. A filha? Tratamento. Depressão? Sim. Serviços comunitários? Sim.


Afonso Lima

chato

aponta a arma
e agora? o pó e o sangue (o pai se foi) a irmã a avó dava ao tio, ao vizinho e avô (5 Reais)
reclamava Vou te matar muleke chato (oito)
e agora? comédia TV na sala o avô oferece cerveja caminha até a porta morre
a mãe? pela rua suja aponta a arma (viatura) 
sangue? apanha os monitores (quero ser matador)
Afonso Lima 

domingo, maio 17, 2015

banana

Doce na boca e amarela com
casca manchada ela é bela
barata e enche a banana
o estômago feliz não
reclama mas onde ode à ela?
o colonizador diz
o que é arte: olho o canto alheio
sem vontade: meu corpo reprimido
drama de boca e saliva, a cor e o prana chamo
de primitivo o que não se engana
com a magia formal da banana

Afonso Lima

sexta-feira, maio 15, 2015

casa

[a claridade chama - já é hora - a forma e o fora]
mãe, mora desde menina - embaixo do céu, na pedra - os filhos lhe seguem na sina
[vem musa, deitar na lama - nada é real só o olhar - só a pele inflama]
um mais antigo lhe joga pedra - em cima, outro tenta roubar-lhe a filha - tudo muda, menos a cegueira  
[eu me dispo de tudo e agora joão - o turbilhão do rio escuro - para que o hábito não turve a visão]
fingir, pesquisar, torcer a poesia - pra mulher que dorme no chão vazia sala - se tem enchente todo dia
[navegador navegado pelo fato - as mãos sujas do opaco poeta - sonhando sem vergonha a cidade]
o senhor de chicote na mão - que ontem não ganhava seu pão - vive em cada coração
banho quente, o homem fala - que sempre viveu na rua - no país senzala, o soneto
[a maior e bela arte - a terra, o tempo, o combate]

Afonso Lima

quinta-feira, maio 14, 2015

sob as ondas

as palavras vivem e por isso morrem
as verdade feitas de ar 
o tempo que coelhos roem 
Cada dia recomeçar 

nesses mares de ninfas e heróis 
fuga
com o filho no ventre e sozinha 
porque sabe de esperança mais que nós 
a morte ceifava na terra amada 
no mar um e outro jazia 
outras e tantas ali terão sua tumba
filha do vento, pássaro que o canto é silêncio 

[sob as ondas, é natural, você fala
e eu escuto, você diz
que eu sou mau, eu sou impuro, não li fulano 
de tal, faço tumulto,
os vagabundos que zombam sou eu]

O cientista racista nos viu como nulidade intelectual
me revisa e apaga, me ensina a dor que eu não sei
porque eu também sou fora e fronteira e não quero o aprendido
o grito de brancura em mim, ensinado
saia da minha frente todo entulho do poder de verdade
toda a maldade da certeza e da guerra
para que minha língua duvide de si mesma e se recrie 
que eu aprenda a mudar no tempo que se abre
o que é vivo eu bebo, 
não quero o fácil, as verdade feitas de ar