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domingo, agosto 30, 2009

MJ: 1958- 1993

Eu era pequeno demais em 82, quando ele tornou-se o primeiro e último unânime do globo. Mas lembro do impacto de sua performance. Um caldo de tradições, black músic e disco, a síntese de uma história que começa com o jazz. Os descendentes tinham sua própria herança (soul, funk) e Elvis, filho bastardo.



Eu ainda penso se poderia haver algo mais grotesco do que o "tributo" a MJ ,17.500 pessoas, de corpo presente. Liz Taylor chamou de "um grande circo"... (Por piedade, enterrem logo esse corpo!)
O psicanalista Jorge Forbes afirmou na Globo News que cada um de nós tem um MJ. Lacan via, parece, a arte como aquela pintura de uma fruta coberta por um pano: uma tela branca para nós nos jogarmos.



Não podemos encarcerá-lo em uma personalidade patológica: ele dizer que sofreu é apenas uma opinião a mais... Talvez.

O tema é infinito. Por exemplo: Madonna conseguiu impor uma imagem oferecendo um "pacote" (vários) para a indústrial mundial do entretenimento que explodia nos 80.
MJ nunca conseguiu criar uma imagem única, nunca foi um bom narrador de si mesmo, ou nunca conseguiu uma personagem pública que fosse algo de si a ponto de mudar sem morrer, portanto é péssimo num mundo que precisa vender rápido para a massa. Nos anos 80 ele ainda conseguiu um estilo impressionante ("eu sou o homem impenetrável, que domino o mundo com minha dança"), que ecoou em milhões de Maycons e Maicous pelo Brasil afora.

Depois vai de um lado para outro, com o rosto em mutação, estranho, dançando com o Olodum e fazendo o egípcio. A pergunta surgiu: mas quem é MJ? Não aguentamos uma arte que não propõe um julgamento do mundo, nem que seja "seja ativa como eu", o que Madonna fez. A década de 90, com seu branco panos-quentes "politicamente correto" não ajudou alguém cada vez mais distante da comunidade (aliás, ela mesma, marcada pela desindustrialização, consumismo tele-produzido e violência das novas máfias, jogando tudo pra fora no hip-hop) a refazer o pop, que tornara-se replicagem.

Como o disco mais vendido do mundo, o mais caro contrato de propaganda, o Super Bowl e programa de entrevista mais assistidos da América (100 milhões) e o videoclip mais caro da história não tem identidade? "Thriller" foi o ápice e o último passo da revolução? Se você não criar um personagem, eles criarão, nem que seja o demônio.

(É notório como as tragédias, no mundo contemporâneo, são banais, pois fazem parte da vida dentro de um sistema organizadíssimo de economia, transporte, venda e produção de valores e desejos onde tudo é planejado e não há chão para pensar uma resposta: a alma de tantos artistas morre de falta de realidade).

Infelizmente, ao morrer, conseguiu ser sintetizado, como rei do pop. Mas mesmo assim:
cada um disse sobre ele algo e é notório que a MTV apenas conseguisse falar em uma sucessão de clips e a Época ficasse no blá-blá-blá nada convincente, a posteriori, que não consegue senão algo como "pobre criança rica". Pobre.

As imagens acabavam antes dos anos 2000. Tudo que o definia era Jackson Five, "Billie Jean" (1500), "Thriller" (1982), a Pepsi (1984). Ninguém conseguiu achar uma linha de explicação que fosse ao menos um cliché razoável. Sim, ele foi o "rei do pop", pelo menos isso se tinha certeza. Quem afirmava eram produtores, especialistas, músicos, sabiam de algo que ninguém sabia. Uma energia incrível, criação pura, e, ao mesmo tempo, uma pessoa desconexa, com frases inexplicáveis...

Outro ponto: quem quer que tenha ouvido o documentário de alguns anos atrás deve ter ficado impressionado com um homem carismático, dizendo coisas corretas e vivendo no mundo da lua, que fala com toda a sinceridade que não entende por que não pode dormir com uma criança. Ele tem toda a razão do mundo: a sociedade está doida de recalcar tanto o amor dos pais, etc. É bem claro que o mundo é que talvez seja doente, com todo seu ódio pelo contato... Mas custava um pouco de precaução? Você entende que o objetivo da "notícia" é criar uma pauta macabra ("tudo que você disser..."), não entende a inocência. (O Dr. Stan Katz, que o examinou em 2003 disse que teria a idade mental de 10 anos).

Ele falava como alguém que viveu dentro de um mundo de "sonho", que a indústria precisa. Aprendeu a vender o sonho e se tornou ele próprio uma fantasia. Diz no documentário que recebeu um cheque de 200 mil dólares do pai quando tinha algo como 15 anos... (que o jornalista é um babaca aproveitador, não há dúvida)

Além disso, sempre achei incrível que a mídia tenha ficado tanto tempo sem falar na sua aparência. O que eu via era chocante, mas a imagem de "rei" ainda era muito forte. Pareceu sim que há coisas das quais não se fala de um grande vendedor.

Mostra o quanto foi difícil mudar de canal para o próximo show e o quanto ele vacilou (por brigas com a Sony, por estresse dos processos, etc...) em oferecer uma substituição. Já "Black or White" soava para mim como enlatado (o que era aquele final: sempre penso que violência-tube é uma volta desesperada à realidade, assim como pegar no pinto fica estranho para alguém dessexualizado) e depois foi apenas mais do mesmo, baladas e clipes eróticos gelados (que idéia foi essa de chamar essa camuflagem de "In the Closed"?). Madonna também passou por um período indefinido entre o pop descarado até 90 e o novo dance-tecno dos 2000, (eu chamo, o fim lento da era disco, era Clinton, chove não molha, nem imperialismo de Bush, nem democracia de Jimmy Carter), mas MJ nunca pareceu ligado (a não ser ontem, com o Will. i.am)

Sabe, apesar da poesia impresssionante, e de não ser objetivo da música defender causas como um jornal, "Heal the World" sempre me causou algum mal estar. Parecia tão vinda em papel de indústria internacional, tão como um produto. Quem está falando do que e para quem? Precisamos de alguém que mantenha o sonho vivo, mas eu temo quando alguém fala "ame o mundo." É um passo para esquecermos que no outro lado da rua há algo concreto, um problema bem definido. (Bem, foi concreto "We are the World". Mas prefiro o ativismo realista de um Thom Yorque, que sabe quem são seus inimigos... ok, Thom não vive no país-entretenimento. MJ ficou, afinal, do lado de Reagan contra as drogas. Medo)

Forbes nos perdoe, mas, nós, pobres humanos que ainda precisamos de uma história pra nos contar, uma biografia mínima, mesmo que contraditória e aberta, queremos saber: foi o peso dos conflios internos, isolamento extremo, por exemplo, ser negro e talvez gay numa sociedade e época em grande parte racista e homofóbica? Freud disse certa vez, em entrevista, que as pessoas morrem quando querem morrer...

Enfim, chegamos ao funeral bizarro de um ícone que, só Deus sabe porque, acabou de mandar sua mensagem em 1993 (se fez algo notório, não chegou até mim) e passou a ser um "perseguido", caça-de-paparazzi.

Um homem com um sonho, mas nascido e criado dentro de uma indústria que não lhe permitiu ver (muito) que existe mundo lá fora. O fato de ganhar milhões de dólares por ano e morrer endividado é exemplo disso. (A cena em que compra a loja toda sem perguntar o preço é doida...)

Alguém que, em um momento, parece consciente de tudo que querem impor a ele e, no outro, afirma categoricamente que nunca fez mais que duas cirurgias no nariz.
Alguém que não é gay nem hétero, nem branco, nem negro. Alguém que casa para não deixar vir a tona boatos sobre sua sexualidade (quem foi o RP maluco que bolou isso?) e muda de aparência sem convencer jamais que isso não tem a ver com um sentimento de inferioridade monstruoso.
Alguém criado à porrada para ser "um show" e que, mesmo genial, mesmo criando um estilo, parece nunca ter encontrado um motor interno
para digerir o sucesso, recriar-se e resumir-se, impondo-se até o fim. E, ainda assim, uma lenda. Dito isso, ainda há a maravilha de "We are the World". Deus abençoe MJ.

Dicionário das Globalizações e An Altro Monde ist Possível, Fórum Social Mundial.



sábado, agosto 29, 2009

"O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) encaminhou ofício (nº 01244/2009) no dia 20 de julho ao prefeito da cidade de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM). Na carta, após receber um e-mail com argumentos homofóbicos, o parlamentar pede ao gestor da capital paulista que faça um plebiscito para que os cidadãos paulistanos decidam se a Parada do Orgulho LGBT deve, ou não, continuar na avenida Paulista."

http://www.acapa.com.br/site/

Carta ao Senador:

"Caro Eduardo:

Recentemente o senhor defendeu todo o povo brasileiro no Senado, pela verdade inconveniente, mas necessária. Pela ética.

Mas lembremos que já foi "ético" aos imperialistas colonizarem a África em nome da raça superior. Já foi "ético" matar milhões de judeus em nome da melhoria racial da humanidade. Foi "ético", salvou as aparências, mas não foi correto, custou sofrimento, silêncio, vergonha, exclusão. Não foi moral. Nem sempre o que nos trouxe a tradição, a religião e até a ciência é a verdade completa. E somente uma verdade completa, que inclua gays, mulheres, negros, ricos, pobres, pode ser verdadeira. Odiamos o que desconhecemos, e o mal é fruto do desconhecimento.

Por que motivo os gays mostram-se tanto, beijam em público, por exemplo? (Os heterossexuais beijam muito mais, creia).

É como se dissessem: você me aceita como sou? Minha mãe preferia que eu não fosse assim, a polícia bate em gays e travestis, a religião fanática pede nossa cabeça, acusam-nos de não ter moral e de acabar com a família, culpam-nos pelo que nunca escolhemos, recebo piadas imorais e até agressões físicas de machões inseguros por aí, e eu até fiz com tudo isso uma vida feliz, mas hoje, hoje, você vai ter de me engolir. Me ver como um igual, alguém que quer amor, que sente o mesmo desejo e a mesma necessidade de toque e carinho que você. Hoje, eu sou o que sou.

Há um abismo entre a aceitação das camadas cultas, internaciolizadas (mas nem todos, como prova esse senhor dos Jardins), e as camadas populares, muitas vezes com uma visão restrita de família, religião e papéis sexuais. Restrita porque justifica censura e domínio, nega a realidade e o direito de fala, com argumentos como "Deus, pátria, família", nossos antigos conhecidos. Este caso mostra quanto é instável nosso país de direito: um belo dia decidem que você é imoral, depois criminoso, quem sabe doente.
Aí, pronto, a lei está ao lado do "ético" e do nazismo.

Se as pessoas ricas e com boa formação em geral vivem livremente (ninguém teme mais dizer que os maiores filósofos do século XX, Foucault e Wittgenstein, ou o criador do computador, Turing, eram gays, por exemplo) os menos favorecidos têm de esconder-se e temem a repressão policial.

A polícia negou-se a fazer um B.O., por exemplo, para jovens que estavam em frente ao shopping do ABC e que apanharam feio de um grupo homofóbico, o qual chegou batendo, pois disse que eles haviam "provocado". A simples presença do diferente é tida como ameaça, agressão. Medieval. Ainda tem gente querendo curar o desejo: o senhor quer ser curado de sua sexualidade?

O senhor, sempre ao lado das boas causas, não pode imaginar o sofrimento que representa o silêncio, pois é uma condenação velada, que leva ao ato criminoso, como uma bomba sobre uma passeata. Um povo assim, precisa ser educado, não apoiado com repressão simplista. Um e-mail fala muito de um povo que ainda pensa que pode colocar os que não são como ele de fora, mulheres, negros, pobres, gays, nordestinos; só faltou chamar de "vagabundo".

Se houvesse mais debates públicos sobre o tema, se as escolas aceitassem educação para o respeito sexual, se os jovens fosse ensinados que temos de respeitar nosso diferente e dar-lhe legitimidade, então provavelmente os gays não precisassem afirmar sua condição e jogar na cara de um país repressor sua alegria por ser como todos os outros.

Se os jovens soubessem que os jovens gays são mais iguais que diferentes, que tem os mesmos problemas que eles, e outros, por terem de viver com a ignorância, se esse senhor fosse educado para educar seu filho a aceitar que não apenas as pessoas como ele beijam, mas todas as pessoas, toda a diversidade imensa da vida, negros, brancos, mulheres, homens, travestis, senadores, roqueiros, americanos, então essa criança seria um cidadão melhor. Então não haveria medo e exagero.

O seu lugar sempre foi ao lado da liberdade. Se os gays puderem ter seus filhos, se a família for vista como laço de amor, esse cidadão indignado aprenderá que todos merecem o que ele tem (ou não). A felicidade."

Afonso Jr. Ferreira de Lima



segunda-feira, agosto 24, 2009

Legal, né? Agora o Sarney começou a roubar, é um coronel, etc... E se ele fosse a base do Lula? E se fosse melhor salvar os dedos? É incômoda e revoltante uma campanha tão descarada contra um problema tão velho... E a Veja? "PMDB" é cobra, é antro do fisiologismo... me poupe. Vale tudo para manter o PT longe.
Muitos jornalistas são simplesmente "condutores", mas há também os meramente "fechados em sua redoma". Afinal ética é algo bom, não?

Só para lembrar, uma carta de Chauí, que tem a coragem de ser intelectual e falar de política: porque FHC disse que ela não devia se meter no que não entende. Entendeu?


"Vocês sabem que, entre os princípios que norteiam a vida democrática, o direito à informação é um dos mais fundamentais. De fato, na medida em que a democracia afirma a igualdade política dos cidadãos, afirma por isso mesmo que todos são igualmente competentes em política. Ora, essa competência cidadã depende da qualidade da informação cuja ausência nos torna politicamente incompetentes.

Assim, esse direito democrático é inseparável da vida republicana, ou seja, da existência do espaço público das opiniões. Em termos democráticos e republicanos, a esfera da opinião pública institui o campo público das discussões, dos debates, da produção e recepção das informações pelos cidadãos.

E um direito, como vocês sabem, é sempre universal, distinguindo-se do interesse, pois este é sempre particular. Ora, qual o problema?

Na sociedade capitalista, os meios de comunicação são empresas privadas e, portanto, pertencem ao espaço privado dos interesses de mercado; por conseguinte, não são propícios à esfera pública das opiniões, colocando para os cidadãos, em geral, e para os intelectuais, em particular, uma verdadeira aporia, pois operam como meio de acesso à esfera pública, mas esse meio é regido por imperativos privados.

Em outras palavras, estamos diante de um campo público de direitos regido por campos de interesses privados. E estes sempre ganham a parada.

Apesar de tudo o que lhes disse acima, fiz, como os demais (no mundo inteiro, aliás), uso dos meios de comunicação, consciente dos limites e dos problemas envolvidos neles e por eles."

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=347ASP012

Só pra lembrar: "45 escândalos que marcaram o governo FHC"
http://www.consciencia.net/corrupcao/documentos/fhc-45escandalos.html

Negócios de telefonia celular efetuados durante governo de FHC deixaram dívida de R$ 1,1 bilhão
http://www.consciencia.net/2005/1128-telefonia.html

sábado, agosto 22, 2009

Claude Régy - O Passador

"... Pode-se dizer que eu comecei na época do novo romance. Passei um pouco por Duras, um pouco por Sarraute. Através de Duras, tive algumas percepções de Blanchot, sobre a escritura. Podemos vê-las ainda hoje, apesar do retorno da narrativa.


Mas enfim, houve uma revolução da abstração, que se deu mais tardiamente em literatura do que em pintura, e suprimia a noção de personagem, e encarnação dos personagens, a noção de personalidade, de psicologia racional, de construção de uma personagem, que dissipava a noção de narrativa, ou seja, de ação. Todo mundo diz que o teatro é ação. Acho que tudo isso foi dissipado.


Tudo o que fazia parte da engrenagem do teatro, a progressão, a montagem de cada tirada e a progressão de ato em ato ou de cena em cena, tudo isso não existe mais. Ou não existiu mais durante algum tempo. Assim detendo-me a essas escrituras, precisei procurar um material para trabalhar.


Buscar um modo de dar vida às coisas em cena, sem passar pela encarnação dos personagens, psicologia ou narrativa. É assim que através dessas escrituras, por exemplo, de Sarraute, que é realmente abstrata, e cujos personagens não tem nome, é preciso que se recorra à escritura e pensar em tudo que a compõe, que a interpretação dos atores seja baseada na escritura, que a “mise em scène” seja também incluída no que é escrito e que os atores, ao invés de interpretar mal, ou seja, de encarnar, de imitar personagens reais e de dialogar entre eles, se entregue à escritura.

Ví duas coisas muito importantes.


É tentar sentir que, sem dúvida, a origem da fala é a mesma que a do gesto. Deve haver um centro em nós. Mas quando eu digo saber de onde nós falamos, penso tão profundamente, sinto por intuição. Mas não sei explicar onde fica. Não se pode dizer à alguém: “Você deve falar daqui!” É preciso achar em si próprio remetendo-se ao estado de antes da escritura, achar de si de onde vem a fala, como o autor encontrou de onde vem a escrita. Mas o gesto deve vir do mesmo lugar. Acho que só uma pessoa que escreveu o texto, e é preciso fazer com que se ouça uma única voz, por toda a trupe.


Tornando-se um monólogo, o que não quer dizer um discurso de uma pessoa, mas um único discurso. Volta-se então à origem do coro da tragédia grega. Então nesse momento, não há mais encenação, torna-se uma audição, uma audição do texto e uma forma de fazer circular... Uma forma de fazer circular o texto que carregamos com o contrapeso dessa matéria inconsciente, matéria que pereceu sua escritura, e deve então perecer nossa encenação e nosso sistema de imagens, plasticamente. É preciso ouvir e estar.


(...)


Penso que, mesmo escrevendo ou lendo, ouvimos sons. Se procurarmos de onde vêm, de alguma parte do inconsciente, então é preciso calar-se. É preciso calar-se e ouvir. É preciso ouvir o silêncio. Então percebemos que, no silêncio, de repente há a presença de homens e de mulheres... Uso “homens” num sentido geral. Essa presença é multiplicada – consideravelmente aumentada, mas é mais que isso – e que a imobilidade não é um pecado maior.


Que há na imobilidade, forças, trocas de forças que se atraem como um movimento. É preciso parar de se mexer, parar de falar, ouvir o silêncio e ficar imóvel. A partir daí, através de leituras feitas sem encenação, a partir daí começamos a descobrir como falar em sintonia com essa fonte interior. E é aí que o gesto se dá, ao mesmo tempo que a fala.


O movimento desacelerado é outra coisa. Ele vem da mesma coisa. (...)


E esta desaceleração adquire também um tipo de reflexão, na verdade, um tipo de atitude estática. Quer dizer, deixa vir a calma por si, que seja para falar ou para se movimentar. Sabemos que quando estamos a esse ponto relaxados, é uma relação com o universo, nós nos abrimos para o universo inteiro. Ou seja, estamos nos relacionando com o espaço da cena e os parceiros, ao mesmo tempo que com o universo, o cosmos inteiro, e estamos abertos a todas as dimensões. Assim o palco vai ser ocupado obrigatoriamente por algo invisível que não se pode analisar, que sentimos sem saber."


sexta-feira, agosto 14, 2009

"Devido ao grande sucesso de público, o espetáculo O MONTACARGAS, faz mais uma temporada no Espaço dos Satyros Dois. O texto - terceira obra escrita para o teatro por Harold Pinter (único dramaturgo premiado com o Nobel de Literatura em 2005) – apresenta-nos dois homens que se encontram num porão à espera de uma terceira pessoa, enquanto conversam sobre futebol e comentam as notícias dos jornais.

Aos poucos, sob a aparente banalidade dos diálogos, vai se revelando ao espectador um vasto conteúdo inconsciente, a partir das sutis indicações dos motivos que os levaram ao porão e a tarefa que ali irão realizar.

A encenação, fruto da pesquisa realizada desde o inicio de 2008 pelo grupo Na Cia. dos Homens, cuja principal referencia é a obra do cineasta francês Robert Bresson, constrói-se a partir de um acurado cuidado com a palavra, aliado ao minimalismo e à economia de meios, que permeiam os elementos que compõem a cena (cenários, figurinos, iluminação...) bem como o trabalho do ator que, utilizando-se do silencio e da imobilidade, busca conferir aos seus personagens uma dimensão arquetípica e simbólica".

O Montacargas, de Harold Pinter – tradução de Braulio Ferraz - direção de César Maier – Com Bráulio Ferraz e César Maier

Espaço dos Satyros Dois – Praça Roosevelt, 134 – Tel.: 11 3258.6345 – 01, 08, 15, 22 e 29 de agosto – Sábados, às 19 Horas

Ingressos: R$ 20,00, R$ 10,00 (Estudantes, Classe Artística e Terceira Idade); R$ 5,00 (Oficineiros dos Satyros e moradores da Praça Roosevelt)

Classificação: 16 anos


quinta-feira, agosto 13, 2009

Acabo percebendo que eu tenho muito a ver com essa cidade. Apesar de eu não querer admitir, e ainda me sentir perdido nos espaços amplos, na geografia nunca finalizada, na convulsão do centro, no anônimo das casas antigas, no barulho incansável. Eu sou São Paulo pela estranheza e pela invenção. Gosto de me ver como um “gaúcho” típico, nostalgia de um pouco de ordem, de um pouco de velhos vernizes aristocráticos, língua culta, política afiada. Nem somos tão nobres, nem a cidade é tão suja. Eu me misturo bem, lá eu era outsider.

Há o duro do comércio, ou seja, tempo. Há as atendentes sérias, os funcionários exaustos de tantos ignorantes, os carregadores de mala que em uma palavra -5178- sabem norte e sul. Tudo funciona. Não me canso de ver a miséria que é como uma ferida aberta nas avenidas, velhos, mulheres, cabeças e pés sujos em meio ao cimento e os carros importados. Eu abomino minha raça e tento ficar ligado ao chão, mas minha mente é turbilhão, como as flores e as folhas que caem. Eu sou essa impaciência. Meu olhar não fixa, mas capta, sou pouco sério. E, em meio a tanto plano e tanto sucesso, só penso em destruir, criar, em estar em outro lugar, será que as pessoas viram o vento levando pequenas folhas na Alameda Santos?

Saio da calçada, uma moto da polícia, emergência. Ao lado da colorida feira, um cadáver ainda vivo. Um celular com TV e GPS no jantar.

E como unir minimamente, sem comprar em bloco fósseis medíocres, quem é mais viajado, quem fala mais línguas, quem compra mais. Como perceber sem enredar-se? Em passagens, imagens, em manipulação. Em ser o melhor. Em ver Paris. Em ter lido muito. Moda. Carro. O Certo. O Pensamento. Bolsa, sapato.


Uma voz de Jornal invade minha casa do vizinho pelo ar. Toda a multidão com uma mesma mente. Tem um velho ao meu lado, evitar a mudez.
Este trem não prestará mais serviço, todos devem desembarcar, plataformas lotadas, empurra empurra, luta na porta, um homem força sua entrada, a porta fecha, desliza como um peixe para fora, a humilhação de senhoras esmagadas em pé em ônibus lotado. Natureza, mórbida resignação, sem jogo. Querer um bem que seja criar mil possibilidades.

A elite do país, a crítica do país, os blocos de poder em choque, fragmentos e destroços que se remontam, Baudelaireplus no entra e sai do chat, na obra da Paulista, funil de multidões, homem mal educado cospe no metrô, homem bem educado me atropela na calçada, acidadenãopodepararacidadenãopodepararacidadenãopodepararacidade. Vovó quebrou o telefone, mas não foi com você, tava estressada, não foi com você meu neguinho...

Cada um no seu blog, pelo msn, cada vez mais rápido, pela webcam, via satélite, sozinho. Informado, tolo. Inflexível. Tanto saber me tornou burro. Meu corpo, frio, não fala, eu o malho. Em busca de alguém. Abrindo a mata escura. Eu sei mais, você vai tirar meu lugar, não pense que me humilha. O pai não vê o filho, cada um no seu casulo. Eu sou o lobo da cidade, minha própria alma é seleção natural.


E ainda assim, eu nasci nessa teia sem nota de descanso que é beleza e perigo, sem Tábua, na quase-grade, percebendo coisas-em-si negras, potentes, que me puxam, um Deus sem resposta única e filho do amor e do gozo, pedra-Godô, é preciso ser único a cada gesto, único com cada pessoa. Busco ver, tocar, pegar espaços de percepção, para agir. O econômico é a igualdade rasa, transforma tudo, você e ele são mais um pouco.


Nem os artistas, nem os pensadores, os compradores de carro são os modelos da humanidade. O flâneur, o dândi, o marginal são os produtos mais vendáveis.
A disciplina da democracia sem igualdade. A cidade São Paulo mix-mundo das multidões secas, dos diamantes ouro micro chip.
Queda e esfacelamento, pensar depois de Auschiwitz.

Os elétrons do meu corpo, a distâncias siderais, correndo, guardam a geografia afetiva: cheiro, cinema, som do triângulo nordestino, viver prazeres na Consolação, a cidade quer arte. A matéria é música da poeira quark, música incerta.

No fim do conflito burgueses X marginais/artistas, os executivos são artistas de si mesmos e os artistas são comerciantes de sua imagem. Máquina que come tudo, e tudo fica igual a tudo. Selva germânica, ruas de vendeta. E ainda assim eu sinto o vigor da Feira da República, eu observo o belo na árvore negra em ondas contra o vão vermelho do MASP, a estranha glória do Viaduto do Chá soberano sobre cacos da metrópole. Algumas árvores no vidro azul da avenida. Olhares amigos.

Eu tenho a ver com essa cidade, porque nunca sou correto, nunca acabo, e e cada dia aprendo o prazer.


Afonso Jr. Ferreira de Lima