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domingo, agosto 30, 2009

MJ: 1958- 1993

Eu era pequeno demais em 82, quando ele tornou-se o primeiro e último unânime do globo. Mas lembro do impacto de sua performance. Um caldo de tradições, black músic e disco, a síntese de uma história que começa com o jazz. Os descendentes tinham sua própria herança (soul, funk) e Elvis, filho bastardo.



Eu ainda penso se poderia haver algo mais grotesco do que o "tributo" a MJ ,17.500 pessoas, de corpo presente. Liz Taylor chamou de "um grande circo"... (Por piedade, enterrem logo esse corpo!)
O psicanalista Jorge Forbes afirmou na Globo News que cada um de nós tem um MJ. Lacan via, parece, a arte como aquela pintura de uma fruta coberta por um pano: uma tela branca para nós nos jogarmos.



Não podemos encarcerá-lo em uma personalidade patológica: ele dizer que sofreu é apenas uma opinião a mais... Talvez.

O tema é infinito. Por exemplo: Madonna conseguiu impor uma imagem oferecendo um "pacote" (vários) para a indústrial mundial do entretenimento que explodia nos 80.
MJ nunca conseguiu criar uma imagem única, nunca foi um bom narrador de si mesmo, ou nunca conseguiu uma personagem pública que fosse algo de si a ponto de mudar sem morrer, portanto é péssimo num mundo que precisa vender rápido para a massa. Nos anos 80 ele ainda conseguiu um estilo impressionante ("eu sou o homem impenetrável, que domino o mundo com minha dança"), que ecoou em milhões de Maycons e Maicous pelo Brasil afora.

Depois vai de um lado para outro, com o rosto em mutação, estranho, dançando com o Olodum e fazendo o egípcio. A pergunta surgiu: mas quem é MJ? Não aguentamos uma arte que não propõe um julgamento do mundo, nem que seja "seja ativa como eu", o que Madonna fez. A década de 90, com seu branco panos-quentes "politicamente correto" não ajudou alguém cada vez mais distante da comunidade (aliás, ela mesma, marcada pela desindustrialização, consumismo tele-produzido e violência das novas máfias, jogando tudo pra fora no hip-hop) a refazer o pop, que tornara-se replicagem.

Como o disco mais vendido do mundo, o mais caro contrato de propaganda, o Super Bowl e programa de entrevista mais assistidos da América (100 milhões) e o videoclip mais caro da história não tem identidade? "Thriller" foi o ápice e o último passo da revolução? Se você não criar um personagem, eles criarão, nem que seja o demônio.

(É notório como as tragédias, no mundo contemporâneo, são banais, pois fazem parte da vida dentro de um sistema organizadíssimo de economia, transporte, venda e produção de valores e desejos onde tudo é planejado e não há chão para pensar uma resposta: a alma de tantos artistas morre de falta de realidade).

Infelizmente, ao morrer, conseguiu ser sintetizado, como rei do pop. Mas mesmo assim:
cada um disse sobre ele algo e é notório que a MTV apenas conseguisse falar em uma sucessão de clips e a Época ficasse no blá-blá-blá nada convincente, a posteriori, que não consegue senão algo como "pobre criança rica". Pobre.

As imagens acabavam antes dos anos 2000. Tudo que o definia era Jackson Five, "Billie Jean" (1500), "Thriller" (1982), a Pepsi (1984). Ninguém conseguiu achar uma linha de explicação que fosse ao menos um cliché razoável. Sim, ele foi o "rei do pop", pelo menos isso se tinha certeza. Quem afirmava eram produtores, especialistas, músicos, sabiam de algo que ninguém sabia. Uma energia incrível, criação pura, e, ao mesmo tempo, uma pessoa desconexa, com frases inexplicáveis...

Outro ponto: quem quer que tenha ouvido o documentário de alguns anos atrás deve ter ficado impressionado com um homem carismático, dizendo coisas corretas e vivendo no mundo da lua, que fala com toda a sinceridade que não entende por que não pode dormir com uma criança. Ele tem toda a razão do mundo: a sociedade está doida de recalcar tanto o amor dos pais, etc. É bem claro que o mundo é que talvez seja doente, com todo seu ódio pelo contato... Mas custava um pouco de precaução? Você entende que o objetivo da "notícia" é criar uma pauta macabra ("tudo que você disser..."), não entende a inocência. (O Dr. Stan Katz, que o examinou em 2003 disse que teria a idade mental de 10 anos).

Ele falava como alguém que viveu dentro de um mundo de "sonho", que a indústria precisa. Aprendeu a vender o sonho e se tornou ele próprio uma fantasia. Diz no documentário que recebeu um cheque de 200 mil dólares do pai quando tinha algo como 15 anos... (que o jornalista é um babaca aproveitador, não há dúvida)

Além disso, sempre achei incrível que a mídia tenha ficado tanto tempo sem falar na sua aparência. O que eu via era chocante, mas a imagem de "rei" ainda era muito forte. Pareceu sim que há coisas das quais não se fala de um grande vendedor.

Mostra o quanto foi difícil mudar de canal para o próximo show e o quanto ele vacilou (por brigas com a Sony, por estresse dos processos, etc...) em oferecer uma substituição. Já "Black or White" soava para mim como enlatado (o que era aquele final: sempre penso que violência-tube é uma volta desesperada à realidade, assim como pegar no pinto fica estranho para alguém dessexualizado) e depois foi apenas mais do mesmo, baladas e clipes eróticos gelados (que idéia foi essa de chamar essa camuflagem de "In the Closed"?). Madonna também passou por um período indefinido entre o pop descarado até 90 e o novo dance-tecno dos 2000, (eu chamo, o fim lento da era disco, era Clinton, chove não molha, nem imperialismo de Bush, nem democracia de Jimmy Carter), mas MJ nunca pareceu ligado (a não ser ontem, com o Will. i.am)

Sabe, apesar da poesia impresssionante, e de não ser objetivo da música defender causas como um jornal, "Heal the World" sempre me causou algum mal estar. Parecia tão vinda em papel de indústria internacional, tão como um produto. Quem está falando do que e para quem? Precisamos de alguém que mantenha o sonho vivo, mas eu temo quando alguém fala "ame o mundo." É um passo para esquecermos que no outro lado da rua há algo concreto, um problema bem definido. (Bem, foi concreto "We are the World". Mas prefiro o ativismo realista de um Thom Yorque, que sabe quem são seus inimigos... ok, Thom não vive no país-entretenimento. MJ ficou, afinal, do lado de Reagan contra as drogas. Medo)

Forbes nos perdoe, mas, nós, pobres humanos que ainda precisamos de uma história pra nos contar, uma biografia mínima, mesmo que contraditória e aberta, queremos saber: foi o peso dos conflios internos, isolamento extremo, por exemplo, ser negro e talvez gay numa sociedade e época em grande parte racista e homofóbica? Freud disse certa vez, em entrevista, que as pessoas morrem quando querem morrer...

Enfim, chegamos ao funeral bizarro de um ícone que, só Deus sabe porque, acabou de mandar sua mensagem em 1993 (se fez algo notório, não chegou até mim) e passou a ser um "perseguido", caça-de-paparazzi.

Um homem com um sonho, mas nascido e criado dentro de uma indústria que não lhe permitiu ver (muito) que existe mundo lá fora. O fato de ganhar milhões de dólares por ano e morrer endividado é exemplo disso. (A cena em que compra a loja toda sem perguntar o preço é doida...)

Alguém que, em um momento, parece consciente de tudo que querem impor a ele e, no outro, afirma categoricamente que nunca fez mais que duas cirurgias no nariz.
Alguém que não é gay nem hétero, nem branco, nem negro. Alguém que casa para não deixar vir a tona boatos sobre sua sexualidade (quem foi o RP maluco que bolou isso?) e muda de aparência sem convencer jamais que isso não tem a ver com um sentimento de inferioridade monstruoso.
Alguém criado à porrada para ser "um show" e que, mesmo genial, mesmo criando um estilo, parece nunca ter encontrado um motor interno
para digerir o sucesso, recriar-se e resumir-se, impondo-se até o fim. E, ainda assim, uma lenda. Dito isso, ainda há a maravilha de "We are the World". Deus abençoe MJ.

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