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domingo, julho 05, 2015

Elite mimada

Estou aguardando o sinal para atravessar a rua, ele abre para mim, um carro para sobre a faixa de pedestre.
Vejo a CET (responsável pelo tráfico) parar um motorista que fala ao telefone enquanto espera abrir o sinal. Outro logo adiante.
Novamente, tento cruzar uma avenida, lá está um carro sobre a faixa.

(Não ajuda o fato de um sinal entre Brigadeiro e Santos ficar apenas 4 segundos para pedestres, ou seja, carro é preferencial; carro é a desculpa para grandes obras e um símbolo que mostra seu status).
No cinema, um jovem fica passando mensagem de texto durante o filme, peço para desligar a luz, ele volta a fazer mais três vezes, até comenta a mensagem com um amigo, e duas pessoas pedem para ele calar a boca.
Outro dia, dois jovens comentam o filme todo em voz alta como se estivessem no sofá da sala. Nem sei quantas luzes já vi brilhar no escuro...
Lembro de um jovem que, em conferência de um grande especialista norte-americano, fez um comentário rindo com sua colega. O palestrante interrompeu a fala e pediu silêncio, no fundo porque estava de fato se comunicando com a platéia. O rapaz desce, pega uma garrafa de água da mesa, faz uma espécie de performance. Não aceita a advertência. É um aluno que "paga" sua educação.

Ontem, por acaso, liguei a TV num canal que passava uma novela. Um rapaz alto e bonito chegava em uma festa com uma "gata", ameaçava outro jovem (pobre) e depois o "perdoava" cantando sua namorada. O dono do mundo.

Uma amiga estrangeira comenta que fica horrorizada com a classe A do Brasil. Só pensam em séries de TV e Miami. Se vestem com ostentação, como se estivessem sempre numa festa. "Na Europa, gente assim é vista como fascista". Lembro de um relato de um inglês no século XIX que afirma que os "brasileiros" (senhores) não trabalham, já que desde a água até os excrementos são administrados pelos escravos.

A juíza que cuidou do caso Thor Batista, que matou um homem correndo à 120 km, afirmou que ele era "blindado", nem sabia quantas multas tinha na carteira, já que era só alguma secretária pagar. Mas se até o governador não é cobrado pela falta de investimento no sistema de água (piedosamente rebatizada de "crise hídrica")...
Num grupo do Facebook, ameaças a quem defende o prefeito Haddad - "militante pago do PT" ou "ridículo vivendo no mundo da fantasia". Entender o labirinto da política atual exigiria informação plural e vontade de duvidar. Nada é mais fácil que um clichê.

É toda uma classe de pessoas que podem desprezar o mundo, porque desde pequenos estão acostumados a ter uma empregada para lavar seus pratos. Uma reportagem mostra que algumas escolas privadas tentaram incluir um método japonês no qual as crianças aprendem a limpar e organizar seu ambiente, para desenvolver responsabilidade (como fez a torcida japonesa nos estádios da Copa). Os pais foram reclamar que seus filhos não eram obrigados a fazer isso, já que estavam pagando...

Algo mudou desde a ideologia religiosa que pregava esforço e resignação; agora você vive sozinho, é free lance, o primeiro mandamento é ter um corpo sarado. Nossa elite não quer regras e leis, que servem para todo mundo, quer ser "livre". Desde escolher não pagar imposto até ir contra as leis de trânsito. Ainda está no século XIX, no qual a "raça superior" tem o direito à "conquista" por ser "superior", o que talvez seja a ideologia subterrânea do capitalismo. Isso é o país no qual a "modernidade" veio junto com a ditadura e a classe alta nunca teve realmente de "ser ameaçada" pelo comunismo, ou seja, os direitos humanos são uma doação. Tristes trópicos sem igualdade...

Afonso Lima

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