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sábado, julho 07, 2018

Minha vida importa


Minha mãe, três empregos, foi operária trabalhando mesmo quando estava machucada, criou sozinha quatro filhos. As fábricas todas foram embora, os salários ficaram cada vez menores. Não, senhor supremacista branco, não vou deixar você ganhar. Não mulher velha rica branca, eu sei que você tem medo de mudanças, que seu marido acha que Obama é radicalização e quer defender a pátria, ou seja, carro e televisão. Eu sei que seu filho mimado bêbado e iletrado fica bravo com o poder negro e reclama no twitter. Nunca foi fácil. Ou talvez você seja aquele homem branco pobre, do trabalho pesado, agora tentando dizer que ainda é diferente, que nasceu em um mundo deserto com seu quintal de cenouras e tudo que precisa é de um governo ausente. Ou quem sabe é a classe média branca ou negra que ficou frustrada em seus planos de ascensão mesmo que não sejam as grandes vítimas de escolas podres e execuções hipotecárias. Eu e minhas irmãs apanhamos bastante. 

Não vamos deixar você emporcalhar nossa vida. Se você acha que um jovem negro não pode andar pelas ruas, se você acha que ele é suspeito por ter nascido, se você apoia na sua TV de merda e no seu site de merda os cães de guarda, você é simplesmente uma pulga loira. Uma puta pulga pálida. Você enfiou a guerra às drogas no meu povo porque você ficou com vergonha de dizer “raça”. Você queria prender o MLK. Você acha que a Venezuela é um criminoso atrás do poste querendo roubar seu petróleo. Você está falida mas acha que é a dancing queen do Tea Party. Você acha que sempre jogou nas regras e que os outros querem pegar os atalhos socialistas. Você é simplesmente burra demais para saber o que é habitat. Você não se importa se a notícia está certa ou errada, desde que cante seu mantra de “é isso que eu digo!” “Every breath you take / I’ll be whatching you”.

Eu poderia lhe contar o que é ser presa aos doze anos por fumar na escola – por ser uma escola de negros. O que é ver seu irmão ser preso por brigar na escola – por acaso, um negro. O que é viver nos becos, sem centros culturais, praças ou até mesmo sem geladeira – porque pagam muito pouco os negros. O que significa uma vaca branca usar sua educação sofisticada para te tratar como uma pessoa estranha, destinada a obedecer. Eles precisam de uma cota de negros naquela prisão, senão o dinheiro não vem. O rei precisa dizer, “eu sou o povo”, ele precisa de algum imigrante ou islâmico para culpar pela merda que seus irmãos ricos fizeram. E você jamais se preocupou em pensar por que sua vida é bem mais fácil, porque os seus estão na universidade e os meus na prisão, mesmo que viva cheia de serotoninas químicas, um vazio sem propósito ou sentido, em que todos são um “eu”, isolada por camadas de plástico, comprando coisas para reestabelecer seu bom humor. 

Agora você tem seu boletim de opiniões, os jornais faliram, você pode agradecer por ter acabado aquela classe letrada esquerdista de gays e judeus, e só terem sobrado rentistas, que você chama de vencedores. Você é capaz de ligar seu carro parado só para ser contra a lei verde que o negrão na Casa Branca aprovou. Como pra você os ricos nunca podem errar, você acreditava no diretor do Conselho Econômico de merda que mandou o presidente cortar a educação, a formação profissional e não cortar os impostos de gente como você. Porque você é o próprio gol contra. Você acha que é a elite da indústria, mas é apenas alguém que vai perder sua casa para o banco, enquanto vota para que o presidente e os executivos seniores e os banqueiros chamados “mercado” acumulem mais ouro digital sem taxas. 

Como não sou nenhum órfão de Charles Dickens, você não vai chorar por mim no Natal. Eu não vou exigir alguma reflexão analítica sobre nacionalismo xenófobo ou “mercado” totalitário, afinal o que você quer é refletir sobre o Mama Mia incrível daquele fim de semana em Nova Ioque. Eu deveria ter paciência, diplomacia, mas você é apenas uma pessoa branca que odeia.
Mas você não nos conhece. Nós somos lindas. Nós somos o povo, não vou deixar você ganhar. Estamos nas ruas, nós somos muitas, você não é tão forte quanto pensa.


Afonso Jr Lima

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