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quarta-feira, agosto 01, 2018

Sobre Jesus travesti

- Organização Mundial de Saúde (OMS): "Uma/um travesti seria aquele (a) que se comporta e se veste como o outro gênero... Já os/as transexuais, sentem a necessidade de fazer a cirurgia, pois se sentem do outro gênero desde o nascimento".
http://www.usp.br/agen/?p=18893

Alguém está usando o artigo 20 da Lei Federal nº 7.716 (sobre quem“pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito de  raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”...) e o artigo 280 do Código Penal (sobre “escarnecer de alguém publicamente por motivo de crença ou função religiosa... vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”) para ameaçar o cantor Jhonny Hooker, que disse, no Festival de Garanhuns:
- E eu estou aqui hoje pra dizer pra vocês que Jesus é travesti, sim, Jesus é transexual, sim, Jesus é bicha, sim, p*! Pode vaiar a vontade. (As vaias, pelo jeito, vinham do camarote). Enfia a vaia no  c*... Eu tenho certeza que uísque pago pelo dinheiro público não falta aí". 

Gostaria de compartilhar minha experiência sobre a peça e, quem sabe, colaborar na sua contextualização.
Há alguns anos, tive a oportunidade de fazer um curso com a dramaturga que escreveu a peça, Jo Clifford. Jo assumiu aos 50 anos o gênero que sempre sentiu ser o seu, feminino, apesar de ter vivido tanto tempo como homem. 
Seu curso todo é uma experiência de ser acolhido e valorizar a si mesmo - ela usa muito a expressão cura. Jo curou a si mesma. E, de certa forma ela me curou também, por alguma palavra ou gesto; só lembro que entendi qual meu papel como artista - e foquei naquilo que sempre fiz bem. 

Me parece que antes de Jesus, somente os romanos eram considerados "cidadãos". Por isso os demais podiam ser pregados numa cruz. Foi algo novo escravos, mulheres e pobres serem vistos como pessoas merecedoras de respeito e com dignidade intrínseca. A mensagem de sofrimento de um ser humano repercute há dois mil anos e diz: "Cuidado com suas atitudes! Esse que você está humilhando também tem algo de divino!"
É muito preocupante a fala do prefeito: "Venho aqui em defesa dos cristãos de Garanhuns".

O advogado que levou à Polícia Civil o caso disse: 
"As pessoas que professam a fé cristã tem a pessoa de Jesus Cristo como uma pessoa do sexo masculino, heterossexual... Qualquer afirmativa diferente desses dogmas é considerada uma ofensa à fé cristã". Depois do golpe, você usa a lei como quiser, e pede ao juiz amigo pra assinar.

A primeira coisa que eu penso é: sempre que se junta à um conceito genérico (o negro, o gay, o judeu...) algum conjunto de características genéricas, isso pode levar à intolerância. Que qualidades se juntou ao nome "travesti" para que isso ficasse oposto à "Jesus"? Porque o jesus de Jo é beleza, igualdade, reflexão, compaixão. A mudança de gênero não tem nenhuma contradição com isso.

Lembro que Jung, em "O Homem e seus símbolos", comenta uma imagem em que, ao lado da Trindade, existe a figura de Maria no Paraíso. É como se a Misericórdia entrasse pelas frestas do Temor de Deus. A energia feminina sempre foi parte e desafio a um poder centrado, pelo menos desde Constantino, na figura do imperador.

Precisamos, primeiramente, dar trabalho às pessoas trans. Não podemos continuar com esse ciclo de exclusão e medo. Uma amiga trans me contou que até seu professor de Educação Física a humilhava nas aulas. Quantos jovens deixam de estudar ou tentam o suicídio? Uma jovem mãe disse que, aos oito anos, percebeu que seu filho era feminino. Ela desafiou o marido e a mãe e acolheu seu filho. Apesar do que os líderes do senso comum pregam, não é sobre toda a criança "se tornar gay" (uma ideia bizarra), mas sobre evitar a opressão e educar para o respeito.

Quem tem me informado sobre a repercussão da peça é minha amiga Maria. Ela é uma senhora paulistana que foi comigo assistir. Ficou muito emocionada. Como tantas outras, ficou na fila para abraçar a atriz trans Renata Carvalho. Isso porque Jesus travesti é Jesus.

É perigoso que um grupo de pessoas diga estar representando os cristãos: já se viu pesquisa dizendo que as pessoas são menos rígidas que seus líderes; se você quer salvar o mundo, se está protegendo o "bem", você se torna um "líder", tem um projeto de poder. A discussão é se vamos ter um governo que impõe à todos a tradição de certas pessoas ou se respeitaremos a beleza da diversidade. Se vamos ajudar as pessoas a superar a limitação de uma educação precarizada ou lucrar com ela.

Participação. Como aceitar a voz de todos? Em outra esfera, a discussão é se precisamos de representantes absolutos (agora que, aparentemente, podem tirar o governo que quiserem) ou podemos dar às pessoas uma democracia mais direta e real. Podemos questionar nossos dogmas herdados? Da mesma forma, se, nessa lógica de culpabilizar a vítima, a ideologia oficial chama investimento de "gasto", o pobre é riqueza, como provou Lula. A potência precisa apenas ser reconhecida e não desprezada de modo automático. O plano de um Brasil com povo silenciado, lucro acumulado e manipulação de massa parece funcionar tanto para um totalitarismo banqueiro que criminaliza investimentos, quanto para a militarização sacralizada pelo fundamentalismo religioso.

Quando pensamos que "cinco famílias controlam 50% dos principais veículos de mídia do país" e "40 deputados federais e senadores (são) sócios de empresas prestadoras de serviços de radiodifusão" (Carta Capital), fica claro que uma educação precária e a manipulação dos monopólios de comunicação estão impedindo o livre pensamento - e a oligarquia pode lucrar com a mobilização de preconceitos.  

Na peça, você reparte o pão. A cultura também é isso. A peça parte justamente da ideia de que esse símbolo faz parte da experiência dessa pessoa que mudou de gênero. É um remédio contra o ódio e a intolerância. Qualquer cristão deveria se sentir muito orgulhoso de que essa mensagem resplandeça ainda com tanta força dois mil anos depois. 

Nós todos podemos nos chocar com coisas que parecem ferir nossa experiência. Como tentar entender o contexto e a história dessa outra versão? 

Renata também é uma ativista forte e inteligente. Não se trata aqui de "rebaixar" a figura religiosa, mas o oposto: mostrar que os travestis podem ser belos, inteligentes, compartilhar os mesmos ideais de uma sociedade igualitária e solidária que são a meta de nossa civilização.
Quando o Brasil é o país que mais mata travestis no mundo.

“Para elas, essa violência vinda de desconhecidos são sentidas como muito cruéis e muito chocantes porque não têm motivo. Elas podem estar andando no ônibus, dentro do hospital, andando na rua e sofrem a violência do nada. E, geralmente, os autores são homens, que andam em grupos', explica a psicóloga Valéria Melki Busin. (Agência USP de Notícias - 02/02/2016)

Eu espero que todas as pessoas que já foram oprimidas, excluídas, humilhadas ou inferiorizadas tenham voz para mostrar a beleza e a potencialidade que têm - e isso é sagrado. Jesus deve estar bem satisfeito. 

Afonso Jr Lima.



Pesquisa propõe ampliação do conceito de violência de gênero para abranger as experiências das travestis
“Pode perguntar pra qualquer travesti, a primeira agressão que ela tem é com o pai, porque o pai é o primeiro a enfrentar ela. É o primeiro homem que diz que ela não pode ser o que ela quer ser”.
http://www5.usp.br/104061/sociedade-impoe-invisibilidade-e-violencias-as-travestis/

Scotland Believes in Equality - Jo's Story 
https://www.youtube.com/watch?v=YJ5J-VmuWfI

Transgender lives: Making the transitionhttps://www.bbc.com/news/uk-scotland-32115647


IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO BRASIL - DIOCESE ANGLICANA DO PARANÁ
PARÓQUIA SÃO LUCAS – LONDRINA - PR

Londrina 31 de agosto de 2016.
NOTA DE APOIO

"Ele veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, ou seja, aos que creem no seu Nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus". (João 1:11-13).

A Paróquia São Lucas de Londrina, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil vem a público declarar seu total apoio, elogiar e prestar nossa solidariedade à peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” interpretada pela atriz transexual Renata Carvalho e a toda equipe de produção.

É sabido de todos/as que este grupo sofreu tentativa de censura por parte de movimentos cristãos e de um candidato a vereador da cidade, pelo fato dela inicialmente ser apresentada na réplica da primeira Igreja Católica Romana no Campus da UEL, sendo a mesma, uma capela ecumênica. As críticas são reproduções do preconceito, pois antes mesmo da apresentação, já havia julgamento de valor e condenação de falta de ética e falta de respeito, fato que não foi constatado. 

Ao assistir à peça, pude presenciar um imenso respeito à mensagem de Jesus Cristo, nenhuma ofensa ou ridicularizarão. Nada que ofenda ou venha ferir o Jesus Nazareno, os Cristãos e Cristãs ou alguma Instituição Religiosa.

A peça é uma releitura dos ensinamentos do Evangelho de Jesus à luz dos problemas, dilemas e dores da atualidade, encarnada na vida das pessoas sofridas e marginalizadas que a sociedade e, por vezes, muitas Igrejas as excluem. Uma releitura contemporânea da mensagem profética de Jesus, onde houve uma contextualização de parábolas do Evangelho para denunciar o preconceito, a hipocrisia e estimular a prática do amor fraterno, justiça, aceitação e inclusão daqueles que são considerados à margem. A peça demonstra cenicamente o melhor da Teologia Cristã ao reivindicar a “Encarnação” do Cristo frente às dores deste mundo, frente as rejeições, exclusões, julgamentos e assassinatos de pessoas homossexuais, bissexuais e transgêneros, pelo simples fato de sua sexualidade. 

A peça é profética no sentido em que revela a hipocrisia e denuncia os discursos de morte. A peça é ecumênica no sentido em que apresenta um Jesus desvinculado das tradições religiosas. A peça é kerigmática no sentido em que é proclamação de amor, do acolhimento e um chamado para a Vida. É Mensagem de Cristo. Entendemos que a sexualidade humana é plural e, como tal, sagrada a Deus.

“[...] lutamos por mudança de pensamento, comportamento e ações em relação às pessoas excluídas, marginalizadas ou discriminadas por sua orientação sexual e etnia, para que sejam eliminadas as barreiras que as impedem do direito à justiça e à igualdade. [...]” (Livro de Oração Comum - Pg. 759)
Quando em nosso Livro de Oração oramos o que está acima, não podemos ficar calados/as diante do que vimos e ouvimos.


Dom Naudal Alves Gomes
Bispo da Diocese Anglicana do Paraná


Reverenda Lucia Dal Ponte Sirtoli
Reitora da Paróquia da Paróquia São Lucas - Londrina - PR
http://paroquiasaolucaslondrina.blogspot.com/



"Epitáfio a um festival que colabora com seus censores" - Jo Clifford

Ontem fiquei muito aliviada e feliz que minhas queridas amigas e colegas Renata Carvalho e Natalia Mallo e nossa companhia de teatro irmã tenham escapado em segurança do perigo que corriam quando apresentaram minha peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu no festival de inverno da cidade brasileira de Garanhuns (PE).

E eu estava orgulhosa por elas terem se saído tão bem em meio ao caos e ao perigo de sua performance final. Elas se posicionaram de forma incrivelmente poderosa e corajosa em nome dos direitos humanos e da liberdade artística de expressão.

Eu ainda estou muito orgulhosa delas hoje. Orgulhosa, também, de que trabalhemos juntas e de que a versão brasileira da peça seja nossa criação conjunta. Mas também estou furiosamente raivosa. A maneira como elas foram tratadas por este festival e esta cidade é uma desgraça total.

Que tipo de festival é este, eu me pergunto, que opera sob o slogan "Um Viva à Liberdade"; que convida uma peça a fazer parte dela, e então retira abruptamente o convite no último minuto porque supostamente ofende a igreja cristã. É assim que se celebra a liberdade?

E que tipo de festival é este que, tendo sido informado de que sua retirada de convite é ilegal, cancela seu cancelamento, reinsere a peça em seu programa e, em seguida, retira-a novamente, assim que a sessão está começando?

Que tipo de festival é este, que então fica parado enquanto a polícia armada chega em vans blindadas, corta a energia do sistema de som da produção, corta a eletricidade de sua iluminação? Uma força policial que primeiro tenta bloquear o acesso do público ao teatro, e que, não conseguindo, tira os assentos do público e remove a cobertura do teatro, forçando platéia e intérprete a suportarem a chuva torrencial?

Que tipo de festival é este, que não só não protege suas artistas, mas também literalmente desmonta seu espaço de performance enquanto elas estão se apresentando? 

Este festival tem um nome. Chama-se Festival Internacional de Garanhuns, FIG. E nenhum artista que se respeite jamais deveria concordar em se apresentar lá novamente.

E que tipo de prefeito, eu me pergunto, tendo a oportunidade de receber artistas e público no festival de arte de sua cidade e a oportunidade de apresentar sua cidade como um lugar diverso, seguro e acolhedor... Escolhe, ao invés disso, transmitir e celebrar preconceito e ódio?

Este prefeito tem um nome: Izaías Regis. E ele cobriu sua cidade de ignomínia e vergonha.

E que tipo de juiz de uma alta Corte, eu me pergunto, concede uma liminar proibindo a performance de uma peça e mostra em seu julgamento uma total ignorância do significado e do conteúdo da peça?

Que tipo de juiz de uma alta Corte distribui um julgamento que contradiz as leis e a Constituição de seu próprio país? O país cujo sistema legal ele deveria estar sustentando?

Que tipo de juiz de uma alta Corte poderia ser tão ignorante e tão preconceituoso a ponto de fazer isso?

Este juiz também tem um nome: [o desembargador] Roberto da Silva Maia. Ele é uma total desgraça para sua profissão.

E que tipo de líder religioso, eu me pergunto, tão manifesta e descaradamente falha em proteger e defender as vítimas do preconceito em sua diocese? Então, desgraçadamente, engana seu rebanho, ao falhar em defender o único mandamento que Jesus disse estar no centro de todo o seu ensino?

É o mandamento de amar o próximo como a si mesmo, dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, bispo de Garanhuns. Por favor, pense nisso.

E quanto a você, Ordem dos Pastores Evangélicos de Garanhuns e Região, Jesus conhecia os semelhantes a vocês.

Ele conhecia o seu tipo muito bem. Ele nunca denunciou pessoas como eu ou Renata Carvalho. Mas ele denunciou tipos como vocês. Muitas e muitas vezes. Doutores da lei, fariseus, hipócritas. Sepulcros caiados. Corações de pedra. 

Vocês e seu semelhante Jesus crucificado. Assim como vocês ameaçaram crucificar Renata se ela se apresentasse no palco.

Vocês se intitulam seguidores de Cristo, mas vocês são os piores inimigos dele.

Mas obrigada, artistas e público de Garanhuns que levantaram fundos para permitir que nossa peça fosse executada apesar da censura. Obrigada por assistir às duas performances. Obrigada por ficar até o final da segunda apresentação e dar a essas corajosas artistas de teatro as boas-vindas, o apoio e a proteção que o festival tão vergonhosamente não conseguiu dar a elas.

Vocês representam o melhor da sua cidade.

Quanto a você, FIG... Você se lembra da história do evangelho, da figueira em Betânia que não deu a Jesus nenhum fruto? Ele a amaldiçoou e isso fez com que ela murchasse e nunca desse frutos novamente.

Você vai levar essa desgraça ao redor de seu pescoço como uma pedra de moinho.

E na sua forma atual você também murchará e morrerá.

Nenhum bem jamais virá de você novamente."


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