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segunda-feira, maio 15, 2023

Bill 79 - e a prisão da forma

Mariano Galperín escreveu e dirigiu Bill 79 (Argentina, 2023), protagonizado por Diego Gentile (Relatos Selvagens). 

O grande pianista de jazz Bill Evans vai até a pequena cidade de San Nicolás em 1979. A situação em si é muito interessante, o desafio seria preencher 78 minutos com incidentes e descobertas. O figurino é o primeiro atrativo, um dos pontos altos do filme, promete uma ambientação nostálgica dos anos 1970. Acho que podemos usar a obra como ponto de apoio para iniciar uma conversa sobre a forma na dramaturgia argentina.

Se o tom fosse de um cinema europeu de autor, com um diretor alemão, possivelmente as cores seriam mais escuras e os silêncios diriam o que não precisamos ouvir. Não é o caso, nunca vemos um terno escuro como das gravações de Evans. Para isso, seria preciso mergulhar na alma rompida de um criador, mas isso não ocorre. Temos cenas em que ele delira, ou lembra, mas muito bem explicadas. Outra opção seria um mergulho na comédia, como o excelente El método Tangalanga (2022).

Na minha opinião, o texto dramático  - aquele baseado em diálogos, personagens, situações claras e desenvolvimento - exige muita síntese e intensidade. Ou seja, o drama só dá errado quando não há surpresa. No cinema, mais ainda, pois uma cena curta pode dar ainda mais informação. Tanto que peças adaptadas ao cinema tendem a ficar enfadonhas, pois na presença da performance esse "à mais" é preenchido pela vida instável no agora.

Por exemplo, uma cena na qual três personagens tão diferentes comem empanadas assistindo televisão diria tudo em 30 segundos sem falas. Mas 10 minutos de filme com essa relação  - antes e depois, com humor e uísque de protagonista - é diluir o tema. Outro exemplo: o músico maquiando uma miss no camarim é em si uma cena genial, mas cercada de diálogos e closes se torna tempo demais para pouca história (uma frase narrada podia resolver). Não se pode dar muita importância a cada fala, cena, porque tudo é absorvido muito rápido, é preciso seguir. 

Ficam muitas perguntas que seriam ótimas formas de preencher esse tempo. Para isso, ou o diálogo incorpora de forma rápida esses nuances, ou seria melhor uma fala de um especialista ou testemunha no modo documental. Queremos saber quem foi Evans (já ouvi, mas agora seria o momento de saber mais), quem foi esse produtor, que era essa cidade nesse momento... Fica a sombra de uma cena musical intensa, capaz de convocar grandes intérpretes, que não é explorada. Uma cena inicial num teatro de Buenos Aires, por exemplo, reposicionaria toda a narrativa. Mesmo o encontro central com o fã daria uma boa conversa sobre jazz, o que não ocorre. 

Nesses cortes e misturas teríamos muito assunto para combinar com as cenas dramáticas. O mesmo ocorre com algumas peças, por exemplo, "Los años", Mariano Pensotti, que nos passa a impressão de ser muito bem comportada para o tema que expõe (apesar de alguns truques épicos como falar com o público). O trailler se torna muito interessante justamente por essa síntese. 

O filme todo foi filmado em três semanas, e, pelo que se depreende da fala do diretor, escrito de forma a que se pudesse filmar - ou seja, com redução de custos e peripécias. 

Sinto que o desejo de um roteiro clássico atrapalaha algumas obras. O filme é divertido e conta com todos os elementos de atuação (Marina Bellati também excelente), fotografia e figurino para ser, no mínimo, instigante. Diego Gentile está muito bem como o protagonista confuso, é o que torna o filme interessante, mas sua confusão é tão racional que nos afasta. Seria apenas preciso estar mais desordenado. 

Afonso Lima



 


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