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segunda-feira, julho 24, 2023

O Haiti é aqui - gestão militar do território e democracia

O homem que Bolsonaro havia escolhido como vice-presidente, general Walter Braga Netto, não é apenas conhecido por ter recebido R$ 926 mil de salários em dois meses de 2020, quando o máximo que poderia receber um funcionário governamental seria R$ 39,2 mil.

Ele também é conhecido por solicitar dispensa de licitação (o processo formal pelo qual o governo realiza compras) ao tribunal responsável (Tribunal de Contas da União), em maio de 2018, para compras da empresa estadunidense CTU Security pelo Gabinete de Intervenção no Rio de Janeiro, sob o governo pós-golpe parlamentar de Michel Temer. 

Para essa intervenção, onze empresas privadas de segurança e tecnologia do Brasil e exterior teriam negociado, em contratos sem licitação, cerca de R$ 140 milhões com o governo brasileiro. Afirma o jornal Brasil de Fato: 

"Segundo relatos de autoridades da Flórida, em entrevista ao site Politico, o dono da CTU Security, Antony Intriago, contratou mais de 20 ex-soldados da Colômbia para executar a morte do presidente haitiano Jovenel Moïse. A Polícia Nacional do Haiti acusou o empresário de ser um dos integrantes de uma conspiração para matar o chefe de Estado". (Paulo Motoryn, Brasil de Fato -22 de Julho de 2021).

Em 2021, enquanto ministro da Defesa, Braga Netto enviou mensagem ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), avisando de que !houver voto impresso e auditável não haverá eleição em 2022". (idem). O general e os três comandantes das Forças Armadas de Bolsonaro também haviam ameaçado o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), quando este se pronunciou sobre irregularidades "do lado podre das Forças Armadas" dentro do governo. 

Vários militares brasileiros da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (MINUSTAH) estiveram no Governo Bolsonaro, entre eles Augusto Heleno, Fernando Azevedo e Silva, Tarcísio de Freitas e Carlos Alberto dos Santos Cruz.

Para o o historiador Marco Morel, o que tivemos no Haiti foi uma espécie de "política de gestão da pobreza por meio da militarização". (Instituto Humanitas Unisinos – IHU , 20 Fevereiro 2018)

"Vemos que a presença militar no Haiti tem servido como uma espécie de laboratório para a política genocida do governo Bolsonaro, em especial a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018, comandada pelo general Braga Netto, atual ministro da Defesa. Este último não estava no Haiti, mas foi direto para o quartel-general da operação, servindo como adido militar nos Estados Unidos em 2013-14." (Marco Morel, Haïti Liberté, 18 agosto 2021). 

Conforme reportagem no The Nation, o golpe de estado no Haiti de fevereiro de 2004, "fomentado por forças paramilitares de direita e pela elite haitiana", resultou na morte de 3.000 e prisão de milhares de apoiadores e membros do partido Fanmi Lavalas do presidente eleito Jean-Bertrand Aristide. A MINUSTAH foi estabelecida dois meses depois, uma força de 9.000 homens da ONU. (Kim Ives e Ansel Herzt, The Nation, 5 de agosto de 2011). 

Segundo reportagem do Democracy Now!: 

"Os telegramas do WikiLeaks revelam quão de perto Washington e as Nações Unidas supervisionaram a formação da nova força policial do Haiti e aprovaram a integração de paramilitares que anteriormente tinham como alvo a maioria pobre do Haiti e os governos eleitos democraticamente". 

(Democracy Now!,  11 agosto 2011).

Após o fim dos governos militares na América Latina, nas décadas de 1980 e 1990, conforme relatório do Centro de Estudos Jurídicos e Sociais (CELS) da Argentina:

"...alguns órgãos do governo dos Estados Unidos –entre eles o Comando Sul das Forças Armadas- e lobistas das Forças Armadas da região elaboraram e divulgaram a doutrina das 'novas ameaças'. Esta doutrina sustenta que, na ausência de conflitos armados na região, as principais ameaças à estabilidade dos Estados vêm agora do crime organizado transnacional, particularmente de atividades ligadas ao narcotráfico e fenômenos como 'pobreza', 'migrações', 'populismo". 

(O impacto das “novas ameaças” nas políticas de segurança. CELS, 2018).

Essa ideia leva à militarização da segurança interna, e, virtualmente, ao retorno do governo de face militar. O  Governador de São Paulo Tarcísio Gomes de Freitas (que assumiu em 2023) foi chefe da seção técnica da Companhia Brasileira de Engenharia da Força de Paz no Haiti entre 2005 a 2006 e ministro da Infraestrutura de Bolsonaro. 

A militarização do governo pode favorecer a apropriação privada dos serviços públicos e territórios, o governo trabalhando apenas para a aristocracia. 

Sobre o regime militar de 1964 a 1985, afirma o investigador Pedro Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ):

"Se ampliarmos o conceito de corrupção e pensarmos que esta diz respeito à atuação estatal em favor dos interesses privados, em especial dos propósitos empresariais, temos naquele período um Estado amplamente corrupto, que agia em favor das empresas e do lucro privado."  (Ana Helena Rodrigues, Instituto Vladimir Herzog, 14 de junho 2018)

A ditadura, por exemplo, expulsou indígenas Tupiniquim, Guarani e quilombolas de suas terras no Espírito Santo para a criação da empresa Aracruz em 1967, resultando no desaparecimento de mais de 30 aldeias. (Marcelo Oliveira. Agência Pública, 5 de julho de 2023). 

O general Heleno, o comandante das tropas no Haiti e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Bolsonaro, era  comandante militar da Amazônia em 2007, quando falou contra o governo Lula pela retirada dos ocupantes não indígenas da terra Raposa Serra do Sol e demarcações.

O general Braga Netto pretende candidatar-se à prefeitura do Rio de Janeiro, pelo  partido de Bolsonaro, o PL. Na eleição de 2022, mais de 1,5 mil candidatos ligados às Forças Armadas (FAs), polícias militares (PMs) e bombeiros se candidataram a cargos público.

(Bruno Fonseca, Bianca Muniz, Agência Pública, 16 de agosto de 2022).

Seria bom olhar para o Haiti, onde reina insatisfação após participação de mais de 13 mil soldados brasileiros, 1 bilhão de reais gastos pelo governo.

"A verdade é que, em geral, a Minustah é vista como uma força de ocupação”, diz Michèle Montas, jornalista haitiana que foi porta-voz do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon". (Marina Amaral, Natalia Viana. Agência Pública, 27 de setembro de 2011)

Podemos assistir a gestão de uma Força de Ocupação interna, uma colonização interna? Podemos nos perguntar que valor terão as demandas populares num acordo militar-empresarial. 

Afonso Lima

https://www.brasildefato.com.br/2021/07/07/crise-no-haiti-tem-digital-de-generais-bolsonaristas-saiba-quais-ministros-atuaram-no-pais

https://www.brasildefato.com.br/2023/01/22/qual-o-papel-das-forcas-armadas-na-america-latina-e-no-caribe

https://vladimirherzog.org/na-ditadura-havia-ainda-mais-corrupcao-no-brasil-do-que-nos-dias-atuais-afirma-historiador/

https://www.thenation.com/article/archive/wikileaks-haiti-aristide-files/ 

https://haitiliberte.com/haiti-a-toujours-ete-le-theatre-de-violents-conflits-entre-les-puissances-entretien-avec-marco-morel/ 

https://apublica.org/2011/09/haiti-aba-minustah/

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/188-noticias-2018/576204-brasil-e-haiti-as-licoes-historicas-e-a-gestao-militar-da-pobreza# 

https://www.cels.org.ar/militarizacion/

https://apublica.org/2022/08/partido-militar-mais-de-15-mil-candidatos-militares-concorrem-nas-eleicoes-neste-ano/

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