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sexta-feira, outubro 27, 2023

Largo viaje de un día hacia la noche, de Eugene O’Neill.

Largo viaje de un día hacia la noche, de Eugene O’Neill, está no Teatro San Martín com direção de Luciano Suardi.
A cenografia de Rosana Rodríguez e Juan Cruz Muños López é o primeiro que deslumbra. Acomoda muito bem esses seres, mesmo que temamos que os atores vão cair da longa escada. 

O impacto da obra é imenso, os atores, a começar por Arturo Puig (78 anos), transbordam carisma e sutileza. Puig consegue momentos de emoção muito convincentes, numa peça que, por tratar de situações limite, pode sempre cair no artificial. 

A escolha dessa montagem é mostrar a família sob a ótima do amor. Poderia ser melodramático, mas não. A versão cinematográfica de 1962 é muito mais cheia de veneno e ambiguidade. Aqui, isso se deve a Selva Alemán (79 anos), que consegue mostrar uma face romântica e sofrida da personagem Mary Tyrone. 

Lautaro Delgado Tymruk é um alter ego de Eugene O’Neill emocionante, porque a tragédia de O'Neill é saturação e não resultado. Sua performance comovente permite a identificação do público com aquele ser humano mais normal, que ficará como testemunha entre tantos titãs. 

Em toda peça, a única cena que incomoda é justamente com Diego Gentile, um ator genial, mas que aparece como um bêbado de desenho animado no final, com explosões previsíveis e com figurino corretíssimo. Julia Gárriz faz uma empregada engraçada e inteligente sem exageros.

Se a tragédia grega é o desabar do destino, o sofrimento na tragédia americana moderna é o inferno das paixões. 

Em O’Neill brigam a aceleração da tragédia e o mergulho do poético típico de tempos fraturados. 

É teatro épico - novelesco - em que as ideologias - os mundos internos - se expressam, um pouco como em "Os Demônios" de Dostoiévski, com a diferença de que a família é o mundo. 

O dramaturgo é Edmund, e, nessa família patriarcal de artistas, o centro também perdeu seu auto-controle.  

Se Estragon e Vladimir seriam servos antes da Revolução Francesa, aqui são aqueles "out of place" (E.Said) - ou "out of time" - como os artistas, que criam o tempo da palavra. O capitalismo fez esse pai um vendedor de arte, com isso perdeu um filho, a esposa não suportou a perda. 

A queda do pai é o mundo da destruição das hierarquias. É um universo melancólico, de frustrações, que expõe o pesadelo do sonho americano. Mary seria uma mulher dominante hoje, mas nasceu cedo demais. Mikhail Bulgákov foi viciado em morfina, como a protagonista, e também cita a solidão mórbida a que a droga leva a matriarca.

Mas, para gerar a aceleração da tragédia, fica de fora muita coisa, por exemplo, o mundo e suas rupturas. Muito teve de ser editado para que a noite coubesse nesse dia. Porém, o microscópio sobre as paixões dessa família amplia o real. E o realismo se desmonta quando a dependência cria um mundo de sonho. O que faz grande esse texto é a consciência romanesca dos personagens - dizem que são da "matéria dos sonhos" - sua instabilidade constante, sua incapacidade de observar os outros lá fora do eu. Em alguns momentos, falam de forma meta-teatral. 

Era outra época, na qual a família era tortura e conforto. A verdade, aqui é um arma de destruição; mas algo paira acima da vingança, e a poesia parece redimensionar todo o rancor. 

Afonso Jr. 



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