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sexta-feira, setembro 18, 2009


BRUNO: dois coelhos com um consolo só

Vou contar uma história: depois de um ano de amizade, descobrimos que tudo sobre nosso amigo era mentira. Ele mentia o lugar que nasceu, a casa, o emprego. Tinha vergonha de ser "out".
Isso mostra que nossa sociedade adoeceu as pessoas, com seus padrões de "certo" e "errado". Todos nós estamos condenados a ser não-celebridades.

Sacha Cohen retorna com seu misto de documentário, roteiro e tentativa de suicídio.


Por um lado, ataca o padrão global "be a celebrity", e por outro, mostra a verdade que o politicamente correto encobre: o que pensam um político conservador e o povo do Alabama sobre os gays. (Esse é o povo americano real? A instrução pública não existe? Será que a "onda gay" é apenas um slogan "comprem, gozem, vivam sem limite como eles!?")

Sim, existem caras que se divertem dando tiros em lebres e que acham veados porcos, com o perdão da piada.

Bruno é um pensar, o que já é muito. Não é o clássico que é Borat, mas é uma comédia reflexiva genial.Não apenas pela tão falada cena em que traz um bebê africano, trocado por um iPod, em uma caixa (que idéia de solução da pobreza, essa de Hollywood!)

Mas também por aquelas menos comentadas, como a cena em que desfila na passarela De La Prada com roupas presas no seu modelito de velcro, sem sentirmos muita diferença entre seus pinduricalhos e as modelos, cheias de panos estufados...

As mães tantando vender (para uma sessão de fotos) seus filhos por qualquer coisa (animais mortos, pseudo-crucificação, roupa de nazista, etc.) Ser famoso é mais importante que estar à salvo.

Cantando uma canção de paz entre palestinos e judeus... (será que alguém vê essa situação de modo simplista?)

Paula Abdul falando sobre sua filantropia sonhadora sentada sobre um mexicano é um clássico! (Dizem que a equipe não esperava que alguém de fato aceitasse isso!) Sentar sobre latinos é constrangedor (Elton John, parece à vontade), mas, e vê-los como cidadãos de segunda classe?

Sem falar da cena em que ele, com um vidente, faz sexo oral com um espírito do rock, quando o cinema vem abaixo!

Pois é, ser gay é super "in", não? O mundo aceitou a divertidade? Não, somente os marketeiros das corporações. Vide os soldados da Guarda Nacional dos EUA na frente de um D&G.

Além disso, os recrutas estão proibidos de falar com seus oficiais. "Quando finalmente foram questionados se 'sabiam quem era aquele recruta', cadetes responderam com segurança: “Sim, senhor! Sacha Baron Cohen, senhor!” http://pipocamoderna.virgula.uol.com.br/?p=2939.

O filme mostra a rebeldia programada do mundo MTV/Fashion Week... Lembra quando Björk apareceu de Cisne no Oscar? Todas as revistas disseram que ela era doida... Mas a arte não era ousadia?

(Spoiler:
"O Conselho Italiano de Moda emitiu um comunicado aos estilistas,
alertando-os para a possibilidade de Baron Cohen tentar penetrar
em seus eventos; a instituição recomendava ainda a proibição
ao acesso da produção de “Brüno”.
(...) E a polícia de Milão declarou que ele seria detido no ato. (...)
O ator foi algemado pela polícia e levado preso,
enquanto os integrantes da sua equipe seguiam no encalço deles.
Embora ele tenha alegado que simplesmente cometeu um terrível engano
— ele simplesmente usou um macacão de velcro e saiu andando
— Baron Cohen foi revistado e interrogado por sete agentes da polícia."
http://pipocamoderna.virgula.uol.com.br/?p=2903

Viva a criatividade!)

Bruno tira o maior sarro também daquelas "músicas que salvam o mundo", o que eu já havia comentado sobre MJ. Parece vago e soa como anestésico para os conflitos reais.

Lembrei-me de Thom Yorque (vocalista do Radiohead, que falou sobre Bono:

"a diferença entre eu e Bono Vox é que ele fica
completamente feliz em elogiar pessoas para conseguir
o que ele quer, e ele é muito bom nisso,
mas eu simplesmente não posso fazer isso.
Eu provavelmente acabaria dando um murro na cara deles
em vez de apertar as suas mãos,
mas isso é melhor do que ficar fora do caminho deles.
Eu não posso simpatizar com esse nível de besteira.
É uma vergonha, verdade, e isso pode ajudar
se eu quiser, mas eu não posso.
Eu admiro o fato de Bono poder,
e poder caminhar através disso cheirando a rosas."


Walter Benjamim falava da embriaguez, da telepatia e da teologia contra a ideologia da técnica que se tornara desumana: hoje, a embriaguez é a técnica, mas é possível usar-se desse "limiar", o bizarro, para mostrar seu absurdo. Diversão é a alma do negócio, mas é uma pena que seja apenas uma nuvem de fumaça de alegria para o medo do mundo em pedaços.

Ou, seja, que fazer se todas as pessoas se tornaram tão banais quanto Bruno, o mundo é fútil, e o entretenimento o produto mais importante? "Se eu abrisse meu guarda roupa e só visse capas pretas, eu também me explodiria", diz ele sobre os homens-bomba.

Mas isso é homofóbico? Infelizmente, os gays se tornaram o símbolo de tudo que o prazer sem limites tem para oferecer.
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Boa reportagem: http://pipocamoderna.virgula.uol.com.br/?p=2892

***

Susan Boyle está aí de volta, com seu single de estréia!



Ela comoveu o mundo por seu talento, força emocional (de todas as versões de Cry me a river que ouvi, nenhuma chega à sua paixão) e, principalmente, por ser uma cidadã "out-fashion".
O seu caso fala muito do nosso mundo, onde uma senhora tipicamente "inglesa" (da Escócia), com seu vestidinho poá está definitivamente fora de questão.

O jurado faz a cara mais feia do mundo quando ela diz sua idade; e, quando ela dança sua dancinha, dizendo "Mas esse é só parte de mim", o outro faz cara de "Ai, que nojo!". Claro que eles enfrentam muita gente doida e sem esforço que pretende ser um grande talento, mas a seleção do show provavelmente selecionou algo...

Enfim, fica a pergunta: quantas Susan Boyle estão perdidas no mundo onde o Estado desapareceu e as pessoas estão entregues a sua sorte, onde o homem é o lobo do homem? Que riqueza está perdida na favela? Em Dublin?

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