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sábado, novembro 05, 2011

Filmes brasileiros na 35ª Mostra SP.

O Céu Sobre os Ombros - de Sérgio Borges

Antes de mais nada, reforço que não existe coisa pior do que o filme de Hollywood em português ou o de-novo "menino e menina se amam em São Paulo".
Por isso o filme de Sérgio Borges tem valor. São os desencontros, vazios, contradições que fazem os grandes filmes contemporâneos.

Agora, como espectador, acreditei que era ficção. Três vidas na metrópole. Talvez seja nosso hábito, talvez seja burrice, só que depois dos famosos 10 minutos de apresentação do personagem esperamos outra camada. Essa complexidade (até) surge das facetas caleidoscópias desses seres: acadêmic@ prostitut@, escritor perdido, torcedor religioso... Mas a apresentação dura 71 minutos.

De repente, o filme acaba. A primeira impressão é: e dai?
Se fosse Godard desde o início, ok. Só que a sensação é de uma fábula que começou mas não se conclui.
Mas e os peitos de verdade? E o choro falando da avó?
A coisa meio perdida (e a filosofia de boteco) do escritor perdido?
Ele chama a Greice de Greice?

Voei para o site: então era um documentário? Sim, tudo era de verdade! Você acreditou! Então... foi filmado o sexo ao vivo da trans com um cliente? Forte...

Um pouco conformado, comentei com um amigo que assistira ao debate após a primeira sessão.

- Há muita direção aqui. Ele criou situações, dirigiu atores e deu falas. Não é um documentário, o blog também é "fake".

Uma das delícias do documentário é ter o contexto: não temos o clímax, mas temos um universo rico, causalidades, memórias, uma teia social. Essa densidade nos conta um enredo que leva de um estado a outro.

Se essa confusão (num mundo onde a "escrita de si" floresce e as barreiras doc/real se diluem) não nos faz perder o interesse, deixa o leitor-modelo de Eco tão atrapalhado que pedimos a "intenção" de vidas que nada (disso) nos podem dar.

O filme ganhou o Festival de Brasília - o que mostra sua qualidade.
A trans, por exemplo, nos comove com seu jogo do dentro e do fora, seus muitos mundos.
Se ficamos um pouco com a sensação de arte contemporânea que precisa de placa explicativa do "processo", é bom, entretanto, ter novas ideias por aí.


Histórias que Só Existem Quando Lembradas - de Júlia Murat

Ok, a menina fotógrafa da cidade grande (e ela é só isso, do início ao fim!) encontra a cidade perdida no tempo.

Mas tudo está tão sublinhado... e tem um tempo lento para dizer a mesma coisa.
O tempo lento nos filmes russos e nos mais desconstruídos é camadas de não-saber, de sentimentos materializados, de novidade.

Sim, a velha senhora é quieta, esquisita, cheia de medos... (mas não são terrores e silêncios de gente humana, logo passa).

Sim, a(s) casa(s) é/são grande(s) - vemos lampiões, máquinas de datilografar (que antigo!), pão amassado - os matutos são matutos (não é realidade, é o olhar que os deixou assim), o padre é ortodoxo, etc.

Então percebemos que há uma leveza "latina", não, não é Tarkoviski. Mas o que é?

Exemplo de diálogo:

- Por que parou a música, estava tão boa.
- Vou virar o disco.
- Boa essa música.

Nesse momento eu penso que faltam bons roteiristas.

Depois de meia hora de eu-já-sabia, começa uma relação mais dinâmica, com mais humor (dos habitantes) e belas fotos...

Então elas ficam amigas - claro!
A protagonista é um ponto: não tem nada a dizer a não ser "ser da capital".
Um certo "estereótipo" paira sobre tudo: uma nostalgia do rural que é mais um fetiche (não há televisão nesse lugar e um aparelho que faz som dá medo).

Ah, sim, mas tudo vem de um livro - o que prova minha tese de que vivemos num mundo de europeus (ou latino-americanos) mortos por causa do campo de força.

Por que imagens tão (potencialmente) fortes precisam de tanta fala?
Por que a ideia maravilhosa de um cemitério fechado pelos militares e uma velha que não pode ser enterrada na sua cidade vira um "o que você acha dos jovens"?

Como pontos positivos estão as belas interpretações de Sônia Guedes (Madelena) e Luiz Serra (Antônio).
Ainda, a ideia de mostrar pessoas idosas em cena (o público era também em sua maioria da terceira idade) cobre uma ausência.

Para que vou ao cinema? Para saber que a vida tem dobras.

Ctrl-V - de Leonardo Brant

Existe um senso comum que diz que a mídia nos manipula e nos impulsiona ao consumo e à alienação. Até mesmo as pessoas que mais reproduzem esse esquema na exclusão baseada em conceitos (em "produção") são antimídia.

Ou seja, não é o bastante. O filme se propõe a ser uma reflexão global entrevistando pessoas como Neil Gabler (sempre excelente), Gilles Lipovetsky (tentando falar do atual) e Massimo Canevacci (impecável) e apesar de algumas falas iluminadas não traz realmente um novo aporte ao nosso ódio enevoado. Muitas coisas são sugeridas, mas pouco é dito que nos dê a informação desejada.

Essa novidade pode se dar de duas formas: falando dos casos concretos e dos números desse domínio, como a coisa se dá de forma específica; citando as mudanças reais surgidas da crise que a televisão vive, do fim dos DVDs pela pirataria, da revolução da produção pela divulgação da tecnologia, da reformulação do colonialismo cultural com a crise do patriarcado e a emergência do produto-diferença, do cenário onde a cultura de massa é parte da vida de todos e não pode simplesmente ser rejeitada como "imposta", e temos de nos haver com o prazer e o desejo que as reflexões de Brothers & Sisters nos trazem junto com a problemática do acesso e da distribuição.

Os atores mais experientes ainda conseguem usar a teoria de ferro do marxismo, mas conhecem pouco desses cenários mutantes. Os atores mais jovens, de modo geral, tendem a aceitar como fato o mundo como está, a indústria como criação de demanda e a guerra selvagem como forma de produção.

Sintoma de como o mundo nos isolou uns dos outros e nos congelou em gavetas de racionalidades, parece que cada personagem fala de um lugar sem poder ver além de sua janela. Falta pensar junto para ver mais.

Ao formularmos perguntas temos de evitar o genérico.

Assim, o pensamento crítico poderia sair de seu gueto onde torna-se mais um fetiche burguês, um modo de pertencer ao grupo.

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