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terça-feira, abril 12, 2016

A irrealidade numa democracia parcial

O vice Michel Temer - em mais uma jogada "boleriana" genial (sim, alguém disse que ele saiu de um bolero e parece mesmo) - deixa vazar uma espécie de "carta à nação" antecipando sua "posse", mas fica evidente o clima de conspiração. Ou seja, o que era para gerar uma notícia positiva para fomentar o golpe (vivemos a surpresa do dia, são sempre novos os golpes elitistas), acabou como piada - "apressado come cru". Novamente, uma sensação de o vice estar no tempo errado.

"Mas o Temer está articulando assim tão abertamente?
Vergonhoso. E de fato está fazendo. Ele foi para o Rio de Janeiro conquistar os deputados do PMDB. E foi para outros estados. E quem está operacionalizando isso para ele é o Cunha. Eu tive uma conversa com o Cunha na semana passada. Porque eu fui na sala dele porque tinha um grupo querendo entrar no plenário e ele não autorizava. Fiquei puto da cara e fui lá. O Cunha falou: “Você não vai mais andar em Ponta Grossa. O Temer vai ser presidente, você vai ver. Ele estava numa reunião com o Paulinho da Força e o Rodrigo Maia do DEM. Eles coordenando, articulando e chamando os líderes partidários, os deputados, convencendo. O Mendonça Filho veio me pedir, do DEM: “Você tem que ser a favor”. Vários deles. Os caras que estão a favor do impeachment estão montando o governo com o Temer, eles vão assumir o comando de tudo. DEM, PSDB, todos esses caras. É o jogo aqui."
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/04/os-caras-que-estao-a-favor-do-impeachment-vao-assumir-o-comando-de-tudo.html

Mas isso revela ainda outra faceta do drama farsesco que estamos vivendo: o isolamento, o deslocamento da realidade, a "realidade paralela" que domina tanto em setores da mídia, como no meio político e entre os "manifestantes" de direita ou os "confuso patriotas". Assim, os golpistas pensaram que seria como em 1964: a sociedade embalada por campanhas de massa ou quieta. Algo mudou. A sociedade reagiu.

Uma pichação num muro em Porto Alegre diz: "o pré sal é nossa, Dilma traidora". Quem escreveu isso quer fazer política, mas não consegue diferenciar quem é quem.

Da mesma forma, uma fala do "líder" de um grupo de "revoltados" (MBL), Kim Kataguiri, de 20 anos:

"O PSDB é um partido social-democrata, defensor de políticas estatizantes e extremamente omisso enquanto oposição. Vale-se do papel de de antagonista do PT – incensado pelo próprio partido dos trabalhadores – para angariar os votos oposicionistas sem de fato representar seus anseios e demandas. Nossa percepção é de que o momento atual é também  negativo para o PSDB."

Eles, que venderam 125 estatais e instalaram o neoliberalismo do Consenso de Washington?


Ver os deputados na comissão de impeachment é assistir um circo - sem ofender aos nobres palhaços históricos. Eduardo Bolsonaro defende ao vivo 1964. Mostra capa de jonal dizendo que o povo comemorou o golpe e diz como o Congresso salvou o país de Jango. "Se deixarmos a esquerda escrever a história, amanhã seremos todos chamados de golpistas". Como pode um deputado não sair algemado disso? "Falta só uma semaninha, nossa primeira batalha deverá ser domingo, 17/ABR, com a votação no plenário da Câmara do Deputados." - ele escreve no seu Facebook.


São discursos que parecem se isolar da sociedade e até mesmo do estado atual da cultura - aquilo que historicamente percebemos como verdade. Para entender coisas como essas, ou o relatório maluco que recomenda o início do processo, temos de pensar que eles não se reportam à sociedade - por exemplo, uma imprensa plural que poderia responsabilizá-los e criticá-los. Como conseguimos criar um Congresso que representa apenas o poder econômico, com "partidos de aluguel" e grupelhos fanáticos? 


Pois é, nada de votar para melhorar a crise - nossa oligarquia "revoltada" nos faz perder um tempo precioso.

Além da mídia total de "seis famílias", a Justiça tem sido outra parceira do golpe - mas com movimento também do lado da legalidade, como os advogados que foram contra a OAB e seu processo de impeachment. 
Olhando retrospectivamente, a seletividade que vem sendo construída no Judiciário, principalmente de São Paulo, ajuda a manter sistemas corruptos e criar essa histeria "moralista". O MPF criou até uma "campanha anticorrupção", que, alem de ser acusada de violar direitos fundamentais como o habeas corpus, parece suspeita depois que os promotores ficaram marcados como "cães de caça ao Lula". 

- Procurador Rodrigo de Grandis engaveta oito ofícios do Ministério da Justiça que pediam apuração do escândalo do metrô de São Paulo e prejudica o andamento das investigações




As grandes empreiteiras envolvidas na Lava Jato são contratadas de grandes obras do governo paulista. Ao mesmo tempo, fizeram doações vultosas para campanhas eleitorais. Trata-se de um esquema de corrupção ou não?



"PSDB acha-se no governo do Estado há mais de um quarto de século. Durante esse tempo, conseguiu aparelhar um sistema de controle, ou pelo menos de influência dominante, sobre a Assembleia Legislativa, as Polícias e também, em grande parte, o Judiciário e o Ministério Público. O partido conseguiu, além disso, montar igualmente um esquema de controle do eleitorado, esquema esse, aliás, vinculado à corrupção."

Mas parte disso pode ser atribuído à influência de grupos conservadores do exterior. 

"A Atlas distribuiu no Brasil cerca de 20 mil dólares por ano, segundo Chafuen. O grupo Estudantes pela Liberdade recebeu no ano passado cerca de 10 mil dólares. "O dinheiro que mantém as atividades da Atlas vem, em sua maioria, de fundações e cidadãos dos Estados Unidos. (...) Os doadores têm preferências distintas. Alguns são religiosos conservadores; outros, libertários." (GGN)

Estão em campanha:

- O Liberdade na Estrada é um projeto do Instituto Ordem Livre, realizado em associação com os Estudantes Pela Liberdade e lideranças liberais de todo o Brasil. O evento anual iniciado em 2009 leva intelectuais liberais a universidades brasileiras, promovendo palestras e debates que abortam tópicos relevantes para o debate público nacional. 

No seu site, um dos diretores "analisa": 

"Não sabemos se João Goulart planejava um golpe para salvar o seu governo em 1964. Não sabemos ao certo o que teria acontecido caso esse golpe realmente tivesse sido dado. Não sabemos se Goulart entregaria o país a Fidel, Khrushchev ou Brizola. (...) Para o bem da democracia brasileira, os militares suspenderam liberdades civis, prenderam, torturaram e assassinaram. (...) Questões hipotéticas sobre um Brasil comunista e a realidade das ditaduras socialistas não podem enevoar a avaliação do que de fato aconteceu nas duas décadas de regime militar: censura à livre manifestação, capitalismo estatista, repressão política e a suspensão das liberdades civis mais básicas."

A luta do bem contra o mal - que Bush usou tão bem - não permite que analisemos o todo. 

"Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito." - empresário Ricardo Semler.

http://www.viomundo.com.br/denuncias/camargo-correa.html

O pacote anticorrupção enviado pelo Executivo ao Congresso dorme há mais de um ano:

"A lentidão dificulta a punição de responsáveis por improbidade administrativa, enriquecimento ilícito, prática de caixa dois eleitoral e irregularidades contra a ordem pública. Todos os projetos foram encaminhados em regime de urgência encaminhados ao Congresso."
http://www.brasil.gov.br/governo/2016/03/demora-do-congresso-impede-governo-de-colocar-em-pratica-pacote-anticorrupcao

Who watches the watchmen?


"Mais da metade dos integrantes da comissão especial do impeachment na Câmara deve satisfações à Justiça. Dos 65 deputados, 35 respondem a inquéritos, ações criminais e cíveis, ou tiveram contas rejeitadas por órgãos de fiscalização ou controle"  (Deputado Enio Verri - com notícia Zero Hora)
Temer é PMDB. Grande nomes do partido apareceram na Lava Jato. O que será da Operação se ele (cruzcredo) assumisse? - “Aqui temos um ponto positivo que os Governos investigados do PT têm a seu favor. Boa parte da independência atual do Ministério Público, da capacidade técnica da Polícia Federal decorre de uma não intervenção do poder político, fato que tem que ser reconhecido. Os Governos anteriores realmente mantinham o controle das instituições, mas esperamos que isso esteja superado”, disse Santos Lima em palestra em São Paulo em 30 de março, registrada pelo Estado de S. Paulo. http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/04/politica/1459798845_627316.html
"É evidente que campeia entre os juízes federais um ânimo de agressividade contra o Governo e não há nenhuma hesitação em fazer de tudo para impedir o seu funcionamento."
http://www.tijolaco.com.br/blog/justica-servico-do-caos-juiza-suspende-nomeacao-do-ministro-da-justica/

Por mais que se tente ser diplomático e "entender o outro lado", minha conclusão quanto aos "pato_otas" é que são pessoas sem informação e com a força da revolta (alienada). Vinte anos de ditadura dizendo que a esquerda é terrorismo, 30 anos sem se conseguir sair da educação privatizada. São especialistas sem visão de mundo. Nesse ambiente tóxico, o que no Mãos Limpas pode ter servido para ilustrar, aqui serve apenas como criminalização de um partido e uma pessoa, já que superfaturamento para campanhas começou com Brasília. Interessante ver como Glen Greenwald se posiciona ao entrevistar Lula - ele o trata como uma pessoa igual, impensável na nossa mídia manchada por elitismo e doutrinarismo. 

Para somar, é assustador como alguns comentaristas e jornalistas parecem basear-se em afirmações genéricas e preconceituosas, incapazes de ler o momento político ou entregando-se à propaganda. 
"A função do presidente é atrair o Congresso. Se não consegue, tem de sair. Não se pode governar sem o Congresso e com o povo", diz um senhor de barba branca. Mas como funciona a representabilidade se uma campanha vale 4 ou 6 milhões? Cunha pode ter eleito 100 deputados. O jornalista - um dos mais cultos e imparciais, afirma: "No Brasil, o presidente é deus. Temos de mudar isso".  O outro advogado explica novamente que presidencialismo é outra coisa... 

Somos um país parcialmente democratizado - na qual temos a lei, mas não os mecanismos de controle social, nem a pluralidade de informação - no qual uma massa, que ainda não teve acesso a reflexão histórica ou foi fanatizada em instituições conservadoras, é mobilizada por meios de controle que formam os desejos - que chamei de biopoder midiático-corporativo em outro texto. Nossa Justiça também parece tristemente partidarizada. Mas a sociedade está viva e explodem manifestos, manifestações e política nas redes sociais. 
Seja ou não tirada a presidente por força, a paralisação do governo por forças de direita deve ser um alerta. 

Afonso Lima 




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