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terça-feira, setembro 27, 2016

canção de um chapéu

O romantismo ficou perdido
o mesmo rosto impossível mas busco
memórias forjadas e mestres sábios
aquelas flores súbitas
e monstros
conceitos novos e bestas nunca ouvidas
corpo de tinta
banquetes dos deuses em diários de campo
a natureza mesma e sempre me angustia
me liberto do
mato fauve e do mito messiânico
desconfio do concreto armado do discurso
e do instinto salvador da língua
saltando pela pouco eterna desconstrução ruidosa
deixando o objeto me olhar eu me descubro
sereno mar de fluxos e futuros
embaralho a noite
e risco o dia
salto por sirenes e saldos de liquidação
entendo o ódio ao sujeito nomeado e ao objeto passivo
limpamos o caminho das palavras, empobrecemos as palavras
mas como as coisas eram feitas de palavras
ficou o chapéu oco
nunca olhado enquanto são cortados pedaços de vida para a vitrine
perdido sem signo e a raiva
o homem comum significado e opaco
adulterado inquietação de sempre guerra
calculando arrastado ao livre mercado
gélidos dedos
a lua em promoção
classe política contaminada vinte anos nas sombras
as palavras ditas duplas ritual e cinza
mente diluída
em letras minutos
não quero o monte de átomos que
apaga os átomos outros obrigado
luto pelos traidores burocráticos
o chapéu me observa e outras naturezas desse olho
brota do tronco a disforme verdura
o fazer com as mãos
o sonho impróprio
brusco não ao muro que dura abertura sem vão
oco socorro grito palavra raiva
são relatórios e promessas e gestos e não
são gestações e revides e cuspidas revolução
é são paulo quem vence e quem perde
máscara de livro suposta escola suprema
desvaloriza a carne e policiamentos internos
tiro de manchete
prisão profética
mas sobre o que é tudo isso mesmo?
o trilho definido
investimento certo
unívoco coro
nós desprezamos as histórias, nós não contávamos mais histórias
cientes de nossa névoa e de nosso perigo
mas um mau enredo é ainda melhor que medo
e a dança do órfão é melhor que progresso nulo
que ritmo é esse esse ruído
eu não tenho uma solução grandiosa
apenas faço silêncio
respeito pelo pequeno
evoco o fragmento heroico
nada desprezo
com meus passos vou pesquisando
ontem e amanhã
música sobre música
nem expressar a si mesmo voluntariamente
pouco juvenil na demolição
marinheiro escrevendo em runas em Istambu
mercador traduzindo passantes massas urbanas e sinos
no processo de fazer o objeto algo surge
fazendo meu trabalho e a coisa aparece diálogo de vozes
vestindo teorias como figurinos de contos de fada
o que dizem os mortos, pássaros, pedras e outras línguas
observo os saberes confinados
túmulos avaliações e orçamentos
produção e ilhas no deserto
acúmulo cego e nada é novo
compraste a certeza de um dia na planta lixo
riso não raiz e gente planejada de manada
essa linguagem impossível
acossada pelo tempo
do choro na cova e despalavra sacudido
nem potência nem de costas para o mundo
cidade em guerra
cantar o canto cantado
salvar essas memórias letradas
contra os artefatos de controle e modelos mentais
brota liso
e crespo em folha
e do tronco
sol inesperado
eco do morto
e muda o objeto tão simples
caminhos de pedra dura não repetida
água curvada
memória de imagem e raios de quadros por segundo
futuro de espaço e um poema espontâneo

Afonso Lima



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