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segunda-feira, julho 02, 2012

Dois metros de neve
Exercício – aula de Ricardo Marques – Afonso Lima

1 - (Uma mansão vazia. Livros pelo chão, taças de champanhe e garrafas vazias. Um grupo com roupas retrô dança algo coreografado sem música.)

Atuante 1 – Senhoras e senhores. Daremos início à nossa celebração. Mestre Um, por favor.
Mestre Um – Celebramos hoje a morte. Do desejo. Tudo escureceu, a neve soterrou nossos amigos. Somente a contemplação da arte. Aplaca o desejo. Tudo escureceu, as árvores secaram. Desejar é inútil, a neve cobriu tudo, tudo acaba em nada. O mundo lá fora é frio e triste.

Mestre Dois – Vencerá o Super-homem. O melhor. O sol não se levanta. Um bebê está morto no berço. Um homem corre nu em círculos. Lágrimas frias. Desmorona o castelo. Um show de horrores começa. A ética é uma bobagem, para reprimir os melhores. Senhores, vamos homenagear o niilismo. Começa agora o happening: como não fazer nada.

(Todos se sentam no chão e ficam imóveis. Música de Wagner sobe).

2 - (Um grupo de pessoas – homens e mulheres- com terno e gravata sobre a grama de um jardim).

Homem 1 – Cena 1. Eles estão no jardim e desistem.
Mulher 1 – A essência do mundo? O absurdo. Nós somos a coisa-em-si. Mergulhemos.
Mulher 2 – (Cavando o chão com um utensilho de cozinha). Dizer o quê? Para quê?
Mulher 1 - Eu poderia contar a queda de um grande homem, como Lúcifer, um fidalgo honesto, usou a Constituição contra seu Monarca absolutista. Não.
Mulher 2 – Cantemos. Conhecer a verdade da vida, o sofrimento. Um pesadelo. A verdade da tragédia, a abdicação da vontade de viver.
Homem 1 – Quadro branco sobre fundo branco. Vamos esperar por ele. “Sou o império no fim da decadência”. As estrelas pararam, frias, metálicas. A sombra mama nos seios da virgem. Um homem morreu na neve. Um espelho melancólico congela. A vida é um pesadelo. Vocês estão vendo a essência.
(Coro faz gestos de espanto e medo)
Mulher 1 - A loucura como essência. O anseio de não viver. Impulso cego, força obscura, irracional, insconsciente. Cegos, andamos sem guia, com o frio sob nossos pés.
(Coro tira pedaços de grama do jardim).
Homem 1 – Onde enterramos o corpo? Abrace-me.
Mulher 2 – A razão é uma sombra sobre abismos e horrores.
Mulher 1 - Onde enterramos? A razão é um órgão como qualquer outro.
Mulher 2 – Paisagem deserta. Do sofrimeto ao tédio. Só tédio ao sofrimento. Uma coisa é bela quando não nos interessa. “Sou o império no fim da decadência”

3 – (Uma tempestade é vista através de uma grande janela em uma casa antiga. Uma lâmpada à óleo).

Mulher 1 – Ela já morreu?
Mulher 2 – A tempestade acalma. O mundo é impotente para nos dar qualquer satisfação.
Mulher 1 – Será que ela vai demorar para morrer?
Mulher 2 – Odeio a arte que é bela. Arte pelos olhos. Arte é uma posição.
Mulher 1 – Palha, pedras, lama, metal. O aqui e agora. Será possível viver sem significar?
Mulher 2 – Devíamos buscar um médico? Devíamos colocarum pano úmido na sua testa? Devíamos tentar entender?
Mulher 1 – Tudo é inútil. Está morta (Apaga a lâmpada).

Fim

Licença Creative Commons
O trabalho Dois metros de neve de Afonso Jr. Ferreira de Lima foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - NãoComercial - SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://afonsojunior.blogspot.com/.

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