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quinta-feira, maio 15, 2014

Acordando à meia-noite

A neve cai sobre o pátio, onde as estátuas estão sendo encobertas. Um cheiro podre chega do pântano. É o hotel no qual se hospedava no inverno com seus pais. Mensageiros da morte parecem os pássaros negros, ele entra no cemitério. Tadeu estava nu na brancura, inclina a cabeça. Estou sozinho, meu amor me abandonou, quer dizer. Suando. Recomeça sua tradução, febril, o germanista falando que, na modernidade, vale mais o processo que o real. Um chá quente, depois do almoço. A diretora quer expulsá-lo da escola. Você estava com as mãos nos bolsos. O professor descreve longamente seus erros, as calúnias, tudo que pode denunciá-lo. Palmatória erguida para bater. Fechou os olhos, as mãos trêmulas. Um grito saiu-lhe da boca. Caminhando no entardecer, as folhas avermelhadas ficam mais douradas pela luz lateral, algumas árvores se destacam, amareladas. Um velho musculoso entre os jovens que fazem ginástica, um tremor. O germanista falaria de Fedro, Wagner, Nietzsche. "À vida repugna uma precisão tão exata". Frio, banho quente. O nada brumoso. Ele beija a beleza de Tadeu, que se torna branca pedra. A imprensa antissemita o persegue, ele se esconde na casa da velha atriz em cadeira de rodas. Uma foto de uma gôndola. Chove no seu quarto, são obrigados a trocar os quartos. Ele não pode se mexer porque tirará do lugar suas cobertas. Morangos na mesa. Ventos quentes trazem um cheiro podre. Roupa molhada. Corta o cabelo. Morrendo na praia. Vai cuidar do sobrinho, ópera. Rejuvenesce olhando aquele bebê. A água quente. Ele pintou seu rosto, ele entra no cemitério. O cemitério dá nos fundos de uma casa, ele observa na janela da frente os colegas que saem da escola. A diretora não os expulsou. Ele senta ao lado do piano, Tadeu está pintado em um quadro. Ele se desespera. O barulho do mar o faz olhar pela janela. 

Afonso Lima

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